Honduras: jornalismo sob a mira de fuzil (10)

Por Larissa Cabral

Especial em 11 capítulos

Parte 10/11

Continuação do Capítulo 3: As vítimas da impunidade resistem

JUSTIÇA NO LABIRINTO – Bertha Oliva é coordenadora do Comitê de Familiares de Detidos Desaparecidos em Honduras (Cofadeh) e se considera uma hondurenha, convertida em defensora planetária dos direitos humanos. “Estou convencida que cada ofensa ou cada violação feita a qualquer ser humano está sendo feita contra a humanidade e contra mim.” Os casos e denúncias são tantos que a capacidade do Cofadeh já foi extrapolada, em relação ao processamento e acompanhamento devido para cada caso. Na pequena casa de dois andares, no bairro chamado La Plazuela, conhecido pela violência, onde esta a sede do comitê, são feitas de cinco a dez denúncias diárias.

Conforme seus dados, em média, 16 pessoas são assassinadas em Honduras todos os dias e nenhum desses casos segue o processo normal de investigação que um Estado de Direito demanda. “Não há exigência, nem compromisso no processo de investigação por parte instituições do Estado, que se converteram em verdadeiros elefantes brancos, que estão aqui para dar continuação à institucionalidade e sugar os fundos públicos”, acusa.

Além disso, aqueles cidadãos que protestam, que se revoltam e buscam denunciar os abusos acabam, muitas vezes, sendo intimidados. “Se você for a uma instituição do Estado, como o Ministério Público, por exemplo, para fazer uma denúncia, a primeira atitude deles é te fazer sentir culpada pelo que está acontecendo”, conta Bertha. Querem que as pessoas sintam como se não devessem reclamar, denunciar e nem conhecer seus direitos.

Segundo a coordenadora do Cofadeh, sabe-se que um povo educado é capaz de se revelar diante das injustiças dos controladores do Estado e por isso o setor da Educação tem sido vítima de tantas violações. A Educação é uma chave determinante para os propósitos de paralisar os movimentos sociais no país e aqueles que buscam defender essas vítimas, também acabam como alvo de repressão. “No período entre a última quinzena de fevereiro e o início de março deste ano, três advogados foram assassinados. Em nenhum desses casos houve investigação”, denuncia.

A comunidade internacional vende a idéia de que em Honduras está tudo bem, mas a crise é espantosa, no plano local. O Cofadeh registra que, em 2010, no regime de Lobo, houve 309 mortes de autoria suspeita. Foram 28 homicídios por abuso de autoridade e 34 assassinatos por conflito de terra. Desde o golpe, são 90 assassinatos políticos confirmados. Só em 2010, 96 pessoas foram assassinadas por motivações políticas, muitas delas eram, de alguma maneira, ligadas à Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP). Foram contabilizadas ainda,  274  ameaças  de  morte,  sendo que  233  delas  foram  direcionadas  aos  defensores  dos  direitos  humanos,  além  de  26  casos de tortura e 96 de lesões graves.

“Há muitas mortes, que não estão nessa estatística porque nossa capacidade já foi extrapolada. Os dados divulgados são os que temos condições de verificar”, lamenta Bertha. O Cofadeh conta com o trabalho de 17 pessoas, mas há 18 departamentos (estados) em Honduras. Há muitos casos de violações, que não estão contabilizados porque eles não têm condições de documentá-los.

“O sentimento de impunidade é alarmante”, sinaliza a coordenadora. O Cofadeh apresentou mais de 550 denúncias de violações aos direitos humanos, desde o golpe militar até o regime de Pepe Lobo e em nenhuma delas foi realizado o processo de investigação devido. E tudo por uma inversão de valores pois, nenhum caso teve justiça nos tribunais hondurenhos porque o Ministério Público, ao invés de ser um órgão inquisidor e acusador, defendendo a vítima, acaba por atuar contra ela.

No caso da Radio Globo e Canal 36, o Ministério Público chegou a abrir juízo, mas mais por causa de uma imagem política, pois não fizeram requerimento contra quem deveriam ter feito, ou seja, contra Roberto Micheletti, porque suspendeu as garantias constitucionais e ordenou o fechamento de meios que não atuavam em consonância com sua ditadura; e contra Romeo Vásquez Velásquez, que era o chefe das Forças Armadas, órgão que efetuou esses atos. Os processos foram feitos contra quem executou a ordem, mas não contra quem deu a ordem.

Bertha Oliva revela que há ineficiência nos tribunais internacionais, que chegam a cobrar pela sua atuação e não geram confiança nas vítimas. “A Corte Penal Internacional julga pessoas e não o Estado, mas até aonde eu sei, custa muito. Podemos morrer, antes que a justiça chegue.” Uma das soluções, seria levar os aos tribunais dos EUA e então convertê-los em crimes de lesa humanidade. “Acredito que o que Honduras está vivendo deve servir como preocupação para todos. Quem paga pelos atropelos e pelas violações somos todos nós.”

O JORNALISMO SE POSICIONA – A história do Jornalismo em Honduras sempre esteve atrelada às atividades políticas e militares, desde os primeiros anos de sua independência. O primeiro periódico, chamado La Gaceta del Gobierno, foi fundado em 1830 e era um órgão oficial, administrativo, que continha resoluções do governo e até o início do século XIX foi o único expositor gráfico do país. O jornalismo hondurenho teve certo auge, nas últimas décadas do século XIX, nos governos de Marco Aurélio Soto (1876-1883) e Policarpo Bonilla (1893-1895), que criaram condições favoráveis para seu exercício.

O Jornalismo na região da América Latina foi um dos veículos fundamentais para transmitir idéias revolucionárias e comunicar pensamentos e sentimentos como o patriotismo, por exemplo. Em Honduras, nem todos os jornais existiram por um tempo considerável, alguns foram publicados apenas uma vez, mais por questões políticas do que financeiras. Esse ofício, contudo, era o meio encontrado pelo povo para expressar suas vontades, frente ao colonialismo e os problemas econômicos e políticos conseqüentes dele.

No final do século XIX, o imperialismo americano já havia penetrado em países da America Latina e muitos jornais e donos de jornais se renderam aos expansionistas, fazendo com que a imprensa latino-americana seguisse as instruções do norte. Honduras não conseguiu fugir desse processo, pois o Jornalismo lá é dominado ainda pela oligarquia, configurando um cerco midiático. Contudo, sua essência de um serviço para o povo tem dado sinais de resgate e fortalecimento, por meio de veículos alternativos, independentes e comunitários, que com o golpe e os movimentos e as transformações sociais decorrentes dele, ou encorpados por ele, têm ganhado o respaldo da população e se tornado cada vez mais profissional.

O período do golpe e da crise que se seguiu determinou tanto a polarização da sociedade, como dos meios de comunicação. Os profissionais tiveram que se posicionar: com os golpistas ou com a resistência. Nessa decisão, em alguns casos pesou o compromisso de sustentar uma família e a falta de oportunidade, mas em outros, destacou-se o compromisso social e o ativismo, desde que houvesse espaço.

Os profissionais da Radio Globo se engajaram, abrindo espaço para a resistência e tornaram-se profissionais militantes, ativos contra o golpe. Eles sentiram o peso da repressão, das ameaças e das dificuldades financeiras. Em sua cobertura, não anulavam o governo e seus representantes, apenas não tinham a mesma receptividade deles, em comparação com os veículos tradicionais.

O diferencial estava, e ainda está, na abertura que deram à população, aos representantes da resistência e, em geral, qualquer hondurenho que estivesse contra a situação imposta. “Há um casamento entre o meio de comunicação e o povo. O jornalista não pode estar em todos os lugares e o povo é o melhor repórter que temos”, explica o diretor-executivo da Radio Globo, David Romero Ellner. Depois que passou a efervescência da resistência, mantiveram sua cobertura, só que em menor intensidade, até porque a própria resistência diminuiu a sua intensidade.

A utilização de meios como a Radio Globo e o Canal 36, por exemplo, por parte da população serviu não só como canal de transmissão de idéias, mas as denúncias, muitas vezes, puderam garantir a segurança de muitas pessoas ou, pelo menos, a menção de acontecimentos que eram simplesmente ignorados pelos outros veículos ou pelas autoridades. “Acredito que com o golpe, o povo deixou de ter medo do sistema”, comemora Ellner.

“Acredito que eles fizeram uma opção correta porque havia uma situação anormal, uma situação de emergência e eles se adaptaram a essa situação”, opina o jornalista e historiador catarinense Celso Martins, que manteve um blog sobre o caso. Depois, houve a necessidade de reacomodação e foi o que os profissionais daquele veículo fizeram. Durante o período da crise, a cobertura jornalística em Honduras tomou um perfil mais radical, a tal ponto que a troca de farpas foi mútua entre os golpistas e a resistência. “O Micheletti foi apelidado de Goriletti e havia ilustrações dele com a boca cheia de sangue, parecendo vampiro.”

Nesse período, para ele, ficou evidente nos dois lados o que não se deve fazer no Jornalismo e o que empobrece essa prática. O lado da resistência abandonou a argumentação, a denúncia, a apresentação de provas, de fatos e passou a ridicularizar, falar mal e o outro lado fez a mesma coisa. “Nessa polarização, quem perdeu foi o Jornalismo, de modo geral. A análise e a apresentação de fatos foram eliminadas.” Atualmente, a rádio continua como uma interlocutora da resistência, mas com a prudência do Jornalismo, esforço de isenção, ouvindo as partes, enfim, dando um quadro mais amplo para o ouvinte tirar a sua conclusão.

Capítulos anteriores:

Cap 1

Cap 2

Cap 3 

Cap 4

Cap 5

Cap 6

Cap 7

Cap 8

Cap 9

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