Por Dana Frank*.
Poderia ser apenas mais um episódio de violência brutal em um país encharcado de sangue. Nas primeiras horas da manhã de 11 de maio, um helicóptero disparou contra um grupo de indígenas viajando de canoa em um rio na região de Mosquitia, nordeste de Honduras. Quando os tiros cessaram, pelo menos quatro pessoas estavam mortas. Dentre elas, segundo relatos, duas mulheres grávidas.
Em Honduras, a violência está longe de ser excepcional. Mas esse ataque desnudou o papel preponderante dos Estados Unidos na guerra hondurenha. Autoridades americanas sustentam que os agentes do DEA a bordo dos helicópteros não atiraram naquela manhã; as armas teriam sido disparadas por policiais hondurenhos. Mas ninguém duvida de que as forças americanas estavam profundamente envolvidas no ataque, e que os helicópterios são propriedade do Departamento de Estado americano.
O fato é que, silenciosamente, os Estados Unidos têm aumentado a presença militar em Honduras, despejando verbas militares e forças de segurança no regime do presidente Porfirio Lobo, em nome do combate às drogas. O DEA está usando métodos de contra-insurgência desenvolvidos no Iraque contra traficantes de Honduras, e destacando esquadrões treinados nas Forças Especiais do exército americano para trabalhar em estreita colaboração com a polícia e o exército hondurenhos. A embaixadora americana em Honduras, Lisa Kubiske disse recentemente: “Nós temos uma oportunidade agora, porque os militares não estão mais em guerra no Iraque . Usando a verba militar que deixou de ser gasta lá, teríamos maior disponibilidade de recursos para trabalhar aqui”.
A história oficial omite – e os oficiais americanos e a mídia jamais mencionam – o fato de que o regime de Lobo, aliado dos Estados Unidos, é fruto do golpe militar de junho de 2009, que depôs o presidente eleito democraticamente, Manuel Zelaya. Embora o presidente Barack Obama e a secretária de Estado, Hillary Clinton, tenham criticado o golpe de estado à época em que Roberto Micheletti o liderou, acabaram por legitimá-lo. Apesar de a maioria esmagadora dos candidatos de oposição (e os observadores internacionais) terem boicotado a eleição pós-golpe, que levou Lobo ao poder, os Estados Unidos o parabenizaram por “restaurar a democracia” e promover a “reconciliação nacional” enquanto os chefes de estado de toda região negavam-se reconhecer sua presidência. E o Departamento de Estado e Hillary Clinton continuaram a dizer as mesmas baboseiras, como se viu quando o presidente Obama recebeu Lobo na Casa Branca, em outubro passado.
Os agentes americanos esquivam-se das questões políticas e culpam o tráfico de drogas por quase todos problemas do país. “Seria gratificante atribuir os problemas de Honduras a generais de óculos escuros ou a eleições manipuladas”, insistiu o ex-embaixador americano no país, James Creagan, numa carta ao New York Times de 5 de fevereiro. “Mas não é verdade. Não estamos nos anos 1970 quando se falava em golpes na América Central dos Contra e dos revolucionários”. A violência em Honduras, declarou, “é causada por drogas, gangues e corrupção… guiadas pelo mercado de derivados de folhas de coca”.
Mas é no contexto pós-golpe que podemos compreender a real crise do tráfico de drogas em Honduras. É verdade que uma cultura nefasta de drogas já existia, assim como as gangues e as autoridades corruptas. Mas a ilegalidade absoluta do golpe abriu as portas para que o tráfico prosperasse numa escala sem precedentes. O narcotráfico está arraigado no próprio Estado – do policial de rua ao alto escalão do governo, segundo fontes consistentes. Críticos proeminentes e até membros do governo, incluindo Marlon Pascua, o ministro da Defesa, falam em “narco-juízes” que barram processos e “narco-congressistas” que comandam cartéis. Alfredo Landaverde, um ex-congressista e comissário de polícia encarregado de investigações de tráfico, declarou que um a cada dez membros do Congresso é traficante e que dispõe de evidências de que “grandes personalidades nacionais e políticas” estão envolvidas no tráfico de drogas. Landaverde foi assassinado em 7 de dezembro.
Muito além das gangues criminosas nas ruas e traficantes agindo independentemente, é o próprio Estado que fez de Honduras, segundo a Associated Press, “um dos mais perigosos lugares do planeta”.
O governo americano argumenta que está ajudando Honduras a limpar sua polícia e fornecendo ajuda financeira para “treinamento”. Mas como o ex-presidente Zelaya sublinhou em uma conversa no Dia do Trabalho: “Os policiais são os traficantes de drogas. Se você financia a polícia, você está financiando os traficantes de drogas”.
De novo os generais de óculos escuros
Quando Lobo tomou posse, em janeiro de 2010, manteve no comando os mesmos militares (de óculos escuros e tudo mais) que conduziram o golpe. Entre eles o líder, general Romeo Vásquez Velásquez, que é o chefe da Hondutel, a rede telefônica de propriedade do Estado. No último verão, Manuel Enrique Cáceres, um ministro de alto escalão no gabinete do governo pós-golpe de Micheletti, foi nomeado diretor do órgão de aviação hondurenho, a Dirección General de Aeronáutica Civil (DGAC).
O golpe liberou uma onda de violência por parte das forças de segurança hondurenhas que mantém a intensidade. Em 22 de outubro, um grande escândalo veio à tona quando a polícia de Tegucigalpa matou o filho de Julieta Castellanos – reitora da maior universidade do país e integrante da Comissão da Verdade – e um amigo dele. As autoridades policiais admitiram que a polícia foi responsável pelas mortes, mas permitiram que os suspeitos desaparecessem, precipitando uma enorme crise de legitimidade, enquanto personagens proeminentes como Landaverde manifestavam-se, denunciando a corrupção policial maciça. Eles acusam o departamento de polícia de estar incrustado por esquadrões da morte e traficantes de drogas nos mais altos escalões.
“Dá mais medo encontrar com cinco policiais na rua do que encontrar com cinco membros de gangue”, declarou em novembro a ex-comissária de polícia María Luisa Borjas. Segundo o Comitê de Famílias de Presos e Desaparecidos de Honduras (Cofadeh), mais de 10 mil pedidos oficiais sobre abusos de policiais e militares foram protocolados desde o golpe. Nenhum deles foi atendido. Marvin Ponce, vice-presidente do Congresso, acusou 40% da polícia hondurenha de envolvimento no crime organizado.
A completa perversão da polícia foi escancarada no Dia dos Namorados, 14 de fevereiro, quando o pior incêndio em uma prisão da história contemporânea matou 361 presidiários em Comayagua. Parte da tragédia foi causada porque os guardas – policiais comuns – impediram por 30 minutos a entrada dos bombeiros.
Medidas de reforma têm sido prometidas pelo governo de Lobo e pelo Congresso, mas ainda não chegaram a lugar algum. Uma comissão de alto escalão foi desmantelada e uma nova ainda não foi efetivada. Figuras-chaves envolveram-se na “faxina” incluindo Eduardo Villanueva, um dos ministros mais importantes de Micheletti depois do golpe, e Héctor Ivan Mejía, atual porta-voz da polícia. Como chefe de polícia em San Pedro Sula, Mejía emitiu uma ordem em 15 de setembro de 2010 para que se disparasse gás lacrimogênio contra uma demonstração pacífica da oposição, incluindo uma banda de uma escola de ensino médio.
Em resposta aos chamados de grupos de direitos humanos, Lobo nomeou, em 24 de abril, uma nova comissão liderada pelo general Aquiles Blu Rodriguez, ele próprio apontado por obstrução à justiça e alvo de acusações relacionadas a drogas no Chile. O governo hondurenho admitiu em 1o de maio que só 18 casos contra policiais tiveram andamento.
E respondeu à crise de segurança com repressão ainda maior. A Cofadeh, o Center for Justice e o International Law Institute manifestaram preocupações sobre as recentes medidas governamentais “que presumidamente tentam combater a criminalidade, mas restringem os direitos humanos da população”, entre elas uma lei que retira restrições para obter autorização de grampos telefônicos e outra que permite a inspeção de dados bancários de organizações sem fins lucrativos. O Congresso hondurenho também está debatendo uma lei a métodos contraceptivos que está entre as mais rigorosas do mundo, que criminaliza a distribuição da pílula do dia seguinte, inclusive a vítimas de estupro. Em 20 de março, uma medida de “emergência” permitindo que o exército assuma responsabilidades policiais cotidianas, tais como o patrulhamento das ruas, foi estendida para três meses. Lobo já declarou querer que esta medida se torne permanente, violando a separação total entre polícia e exército estabelecida pela Constituição hondurenha.
Também há corrupção no exército. Em primeiro de novembro de 2010, um avião usado pelo tráfico de drogas foi “roubado” de uma base militar em San Pedro Sula. Segundo o La Tribuna, um jornal de direita, pelo menos 19 membros do exército foram cúmplices, incluindo oficiais intermediários e graduados. Em agosto de 2011, 300 rifles automáticos e 300 mil balas desapareceram de um arsenal da unidade de elite Cobra. Apesar deste marco de corrupção, um novo decreto permite que o exército aceite contratos sem licitação – um sinal verde para mais corrupção.
O mais pernicioso de tudo é que o governo tem atacado a oposição sem misericórdia desde o golpe. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos relata “graves incidentes de violência e repressão” contra manifestações políticas. Pelo menos 22 jornalistas e funcionários de meios de comunicação foram mortos desde o golpe, segundo a ONG Repórteres Sem Fronteiras; a maioria deles, críticos ao governo. Em 16 de maio, o corpo de um conhecido repórter de rádio, Alfredo Villatoro, foi achado vestido com um uniforme policial, uma semana depois de ser capturado. No dia 7 de maio, Erick Martinez, um jornalista benquisto, ativista LGBT e candidato ao Congresso pelo partido de oposição, LIBRE, foi encontrado morto, estrangulado ao lado de uma estrada. A AFL-CIO também relata, desde o golpe, “numerosos assassinatos, ataques e ameaças a sindicalistas por suas atividades políticas e dentro da categoria”.
Aqueles que ousam documentar a situação estão correndo risco tremendo. A ONU relatou em fevereiro que “defensores de direitos humanos continuam a sofrer execuções extrajudiciais, desaparecimentos, tortura e tratamento hostil, ameaças de morte, ataques, assédio e estigmatização”. Em 22 de fevereiro, por exemplo, um grupo paramilitar chamado CAM, ligado aos esquadrões da morte dos anos 1980, mandou uma mensagem de texto para Dina Meza, assessora de imprensa e co-fundadora da Cofadeh, dizendo: “Nós vamos queimar sua vagina com cal até você gritar e depois todo esquadrão vai te abusar”. No final de abril, o mesmo grupo paramilitar começou a mandar ameaças de morte para duas mulheres, uma britânica e outra francesa, que acompanhavam pessoas ameaçadas. Mesmo quando o governo promete proteção, ela é raramente ocorre de fato e muitas vezes as vítimas são “protegidas” pela mesma polícia que as ameaça.
Camponeses ativistas pagam o preço mais caro. No baixo vale de Aguán, pelo menos 46 trabalhadores rurais que lutam por direitos agrários foram mortos desde o golpe, ao que se diz por um acordo entre a polícia, exército e o exército privativo de Miguel Facussé, o mais rico e poderoso homem do país e peça-chave do golpe. Os autores dos crimes gozam de quase total impunidade. Em 24 de junho de 2011, por exemplo, 75 policiais destruíram toda comunidade rural de Rigores, queimando mais de 100 casas e demolindo 3 igrejas e uma escola, e nenhum deles foi indiciado. Pelo menos 10 seguranças e outros morreram no conflito. Em uma resposta por email a perguntas para este artigo, Facussé admitiu que em um incidente quatro camponeses foram mortos durante um “tiroteio” com seus seguranças.
Em média, um homem, mulher ou criança hondurenho é morto a cada 74 minutos. De acordo com a ONU, em 2011 o país tinha o maior índice de assassinatos do mundo. Algumas dessas mortes são do tipo que acontecem numa briga de bar ou num desentendimento doméstico, quando alguém saca uma arma ou um facão porque eles sabem que nada acontecerá por conta do sistema judiciário disfuncional de Honduras. Segundo a Humans Rights Watch, mulheres e a população LGBT têm sido alvo preferencial de assassinatos, incluindo os praticados pela polícia. Em meio ao caos, as gangues controlam vizinhanças inteiras na capital, onde cobram taxas sobre negócios e veículos.
Corrupção, repressão política e crime desenfreado
Qual diferença que um golpe de estado faz? Some a corrupção descarada do estado hondurenho ao crime desenfreado e à repressão impiedosa à oposição e será impossível culpar apenas o tráfico e as gangues pela crise; assim como não há como separar o crime organizado e o narcotráfico do regime criminoso de Porfirio Lobo e das oligarquias hondurenhas.
A legitimidade da aliança dos Estados Unidos com um governo tão brutal está finalmente sendo questionada em Washington. Em 28 de novembro, Howard Berman, o líder do Partido Democrata na Comissão de Relações Exteriores da Câmara Americana, mandou uma carta para a secretária Hillary Clinton perguntando se os Estados Unidos estariam de fato dando armas e recuros a um regime nefasto. 94 membros do Congresso, dentre eles muitos dos líderes Democratas, assinaram uma moção em 9 de março, apresentada por Jan Schakowsky, pedindo a suspensão da ajuda militar e policial, especialmente por causa da situação no vale do Aguán. Em 5 de março, sete senadores assinaram uma outra mensagem, redigida por Barbara Mikulski, expressando preocupação com “o aumento no número de violações dos Direitos Humanos” em Honduras.
O Congresso americano não tomou essa atitude por iniciativa própria. Ativistas da Honduras Solidarity Network e seus aliados batalharam por quase três anos para construir uma base de apoio com poder de influência em Washington – e em Honduras. Em resposta, o Departamento de Estado reconheceu as questões de direitos humanos e a crise de segurança, mas ainda não assumiu com firmeza as denúncias por repressão e corrupção contra o governo de Lobo. Em resposta às graves indagações de ativistas americanos de direitos humanos a respeito de esquadrões da morte, a embaixada disse que comunicou sua preocupação ao governo Lobo, mas que não requisitou uma investigação sobre o CAM especificamente, alegando que “infelizmente, a capacidade das forças policiais hondurenhas em conduzir investigações eficientes é limitada. O governo dos Estados Unidos está os auxiliando a melhorar esta capacidade”.
A ideia de que o governo hondurenho depende dos Estados Unidos para se aprumar – que os críticos mais brandos consideram na melhor das hipóteses “ingênua” diante da falta de vontade do governo de Lobo de se reformar – é a forma que as autoridades americanas encontraram para justificar o apoio ao regime de Lobo. O vice-presidente americano, Joe Biden, viajou a Honduras em 6 de março prometendo que “os Estados Unidos estão absolutamente comprometidos em continuar a trabalhar com Honduras para vencer a batalha contra os narcotraficantes”. Biden prometeu aumentar a ajuda militar e policial para a marca de 107 milhões de dólares por meio da Central American Security Initiative. O orçamento proposto por Obama para 2013 mais que dobra os valores desses recursos para Honduras.
A visita de Biden ocorreu em meio a um coro crescente de críticas à política americana de combate às drogas por toda a região. Os presidentes Juan Manuel Santos, da Colômbia, e Otto Pérez Molina, da Guatemala já clamaram abertamente pela legalização das drogas, repudiando as soluções militares conduzidas pelos EUA, que eles consideram ineficazes.
O que conduz a política agressiva do governo americano? Há muito tempo os EUA consideram Honduras, o vassalo mais cativo na América Latina, como estrategicamente importante. Como nos anos 1980, quando Honduras serviu como base americana para a guerra dos contra contra a Nicarágua, o país é o ponto de ligação para as operações dos EUA na América Central. Honduras recebeu mais de 50 milhões em licitações do Pentágono no último ano, incluindo 24 milhões para construção de alojamentos na base aérea Soto Cano, o que não ocorria desde 1954. Soto Cano possui uma grande significado estratégico por ser a única base aérea americana entre os EUA e a América do Sul. O Departamento de Defesa para a América Central em 2011, destinou 62% de seus recursos para Honduras.
Além disso, são grandes os interesses de empresas americanas em Honduras, incluindo mineração e investimentos em hidrelétricas, as crescentes transações de banana da Dole e da Chiquita (empregando 11 mil pessoas), e aparelhos, peças de automóveis e outras manufaturas que empregam mais de 110 mil pessoas, incluindo 2 mil trabalhadores da Lear Corporation em San Pedro Sula, que fabrica sistemas de transmissão elétrica.
O golpe militar tornou possível o que os hondurenhos chamam de “segundo golpe”: a implementação da pauta econômica de investidores internacionais e da elite hondurenha, que agora estão livres para usar o governo como bem entenderem. A privatização de funções básicas do Estado está no topo de seus interesses. Projetos de Lei no Congresso privatizam os sistemas de água e energia do país, além dos portos. Em março de 2011, o Congresso aprovou uma lei que abre portas para a privatização das escolas, um ataque aberto aos poderosos e militantes sindicatos de professores de Honduras.
Os direitos trabalhistas também estão sob forte ataque. Em novembro de 2010, foi validada uma lei que estimula os empregadores a trocar a oferta de cargos permanentes de tempo integral por trabalhos temporários de meio período – o que faria com que os trabalhadores perdessem direitos como plano de saúde e organização sindical. Em março último, AFL-CIO registrou uma queixa no Departamento de Trabalho dos EUA por meio da Central American Free Trade Agreement (CAFTA) documentando um mar de violações sistêmicas dos direitos de trabalho mais básicos, a demissão de centenas de trabalhadores envolvidos na organização de sindicatos, pagamentos coletivos ou abaixo do salário mínimo. Os trabalhadores hondurenhos “tem visto pouquíssima aplicação de seus direitos trabalhistas, enquanto as leis trabalhistas nacionais são ineficazes e violadas com impunidade”, conclui o documento da AFL-CIO.
Talvez a lei mais extrema seja a de “Cidades Modelo”, aprovada em julho, que permite zonas econômicas autônomas que não teriam de respeitar a Constituição Hondurenha, o código penal e as mais básicas estruturas de governança democrática, concedendo liberdade irrestrita aos investidores transnacionais para inventar suas próprias sociedades.
Dentro do Departamento de Estado, a locomotiva política tem sido conduzida por experts em América Latina da era Bush que ainda estão no poder, trabalhando em sintonia com a direita cubana-americana, cujos líderes comemoraram o golpe hondurenho como uma vitória contra os governos de centro-esquerda eleitos democraticamente por toda América Latina nos últimos 15 anos. O candidato republicano Mitt Romney, ecoando os argumentos da direita cubana, atacou Obama em dezembro acusando-o de apoiar Zelaya durante o golpe: “Quando Honduras quis expulsar seu presidente marxista, nosso presidente o apoiou”.
No entanto, a grande responsabilidade recai sobre o presidente Obama e a secretária de Estado, Hillary Clinton, que estão usando Honduras para reafirmar o poder americano na região.
Ocupação militar americana
Sob fogo americano, os hondurenhos têm denunciado a crescente militarização do Estado. Em um artigo mordaz em resposta à visita de Biden, com o título “Obediência”, Cofadeh declara: “A guerra contra as drogas são apenas um pretexto para uma maior ocupação militar pelos Estados Unidos e um bloqueio da onda de mudança política liderada pela resistência nacional”.
Depois de três anos de repressão, porém, as pessoas que compõem a resistência estão exaustas, embora não tenham perdido a coragem: as marchas continuam tomando as ruas, enfrentando gás lacrimogênio e espancamentos. Só no último mês de março, protestaram motoristas de taxi e ônibus, lésbicas e gays, trabalhadores do setor elétrico, professores e estudantes. No começo de junho, trabalhadores ocuparam as famosas ruínas maias de Copán, protestando contra uma nova lei que dá aos municípios controle sobre artefatos históricos em suas jurisdições.
Os diversos agentes que se juntaram depois do golpe para formar a Frente Nacional de Resistencia Popular (FNRP) continuam presentes, embora a efervescente coalizão dos dois primeiros anos desde o golpe esteja de alguma forma desarticulada. Estes grupos incluem o movimento indígena, os afro-indígenas Garifuna, Feministas Resistentes, Advogados Resistentes, Juízes Resistentes e muitas outros segmentos sociais – com o respaldo de uma extraordinária cultura de mídia alternativa. Em maio de 2011, o deposto Zelaya obteve permissão para voltar ao país. Sua mulher, Xiomara Castro de Zelaya, é a candidata presidencial do LIBRE, novo partido político fundado pela FNRP. No Dia do Trabalho, centenas de milhares encheram as ruas em marchas organizadas pelo LIBRE e todas as três federações do trabalho.
A resistência também floresce na cultura popular hondurenha. Para dar apenas um exemplo, encantador: no Ano Novo hondurenho é tradição fazer estatuetas que representam as coisas ruins que aconteceram no ano que passou para então queimá-las. No primeiro ano depois do golpe, bonecos representando o ditador Micheletti estiveram por todos os lugares. No último ano, foi a vez de Lobo. Neste ano, os manifestantes foram mais audaciosos: fizeram um carro de polícia em tamanho real de papelão com dois bonecos de pano no banco de trás, representando o filho assassinado da reitora e seu amigo. Um outro grupo fez um tanque com Lobo e a diretoria corrupta da companhia elétrica estatal no topo. Os jornais de Honduras divulgaram as fotos dos bonecos por todo país
Para o povo hondurenho e seus apoiadores nos EUA e pelo mundo, o caminho fica mais difícil a cada passo. Não há soluções fáceis. Defensores dos Direitos Humanos, da Cofadeh até a ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, já apelaram ao governo hondurenho a fim de que sejam implementadas medidas imediatas para garantir os direitos mais básicos. Entre elas cessar a repressão à oposição com gás lacrimogêneo, os grampos telefônicos, as ameaças e execuções extrajudiciais; aplicar a lei, incluindo direitos trabalhistas; limpar as prisões, fazer uma “faxina” no judiciário, na polícia e nas forças militares, expurgando os criminosos comprovados; e sancionar uma reforma agrária de fato.
Mas quem fará isso se o presidente Lobo e o Congresso Hondurenho, eles próprios supostamente envolvidos com o comércio de drogas e o crime organizado, claramente não tem vontade política para mudar – e os EUA os ajudam? A oposição reafirma que o único caminho é a completa reconstituição da base do Estado hondurenho por meio de uma assembleia constituinte, composta democraticamente, como as empreendidas com sucesso em outros países latino-americanos nos últimos anos.
Neste meio tempo, a Cofadeh e vozes proeminentes da sociedade civil hondurenha estão clamando alto pela suspensão da ajuda militar e policial dos EUA e de outros países a Honduras. “Parem de alimentar o monstro”, exigiu a reitora Julieta Castellanos em novembro.
Infelizmente, parece que estamos nos anos 80 mais uma vez, quando os EUA, comandados por Ronald Reagan, favoreceram governos de direita na América Latina. As implicações do sucesso do golpe hondurenho são nefandas. Como foi dito por Tirza Flores Lanza, uma ex-magistrada da corte de apelações em San Pedro Sula que foi despedida junto com outros quatro outros juízes por fazer oposição ao golpe: “O golpe em Honduras destruiu a democracia incipiente que, com tanto esforço, nós estávamos construindo, e reviveu o espectro das ditaduras militares que agora estão de novo prontas para atacarem por toda América Latina”.
Para ler o original em inglês: http://www.thenation.com/article/167994/honduras-which-side-us
*The Nation.
Fonte: http://apublica.org/