Homofobia, eleições e laicidade

Por Toni Reis.*

As eleições municipais deste ano têm o objetivo de definir quem serão os/as prefeitos/as e os/as vereadores nos municípios brasileiros no período de 2013 a 2016. Assuntos do âmbito do legislativo e executivo federal, inclusive a união estável ou o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e a adoção de crianças e adolescentes por estas, ou até o enfrentamento e a criminalização da homofobia, não são da alçada da esfera municipal. Por que então introduzir estes assuntos no debate eleitoral municipal?

É perverso utilizar-se da homofobia com o intuito de manipular parte do eleitorado para ganhar votos com base em argumentos que são irrelevantes para o pleito municipal. A ocorrência desse fenômeno é um forte indicador da debilidade do sistema educacional em épocas anteriores, resultando em eleitores desprovidos de senso crítico e sem a consciência de que estão sendo utilizados por líderes inescrupulosos para fins igualmente duvidosos.

Não é de hoje que essa Estratégia vem sendo empregada. No segundo turno  das eleições presidenciais de 1989, fomentou-se a inverdade de que Lula iria tolher a liberdade religiosa caso fosse eleito presidente. Hoje é a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) que está sendo acusada de querer “amordaçar” a liberdade de crença e expressão. Trata-se da estratégia da demonização – inclusive por meio de concessões públicas de meios de comunicação – por parte de líderes religiosos fundamentalistas daquele ou daqueles que não condizem com seu plano de transformar a sociedade em uma teocracia. Isto representa uma ameaça à tolerância e à cultura da paz. Basta considerar que todas as principais guerras e atrocidades da humanidade envolveram e continuam envolvendo conflitos entre religiões divergentes.

As eleições deveriam estar voltadas para o bem dos municípios e pela laicidade do Estado, pelos princípios fundamentais da república e da democracia, e não pelos interesses espúrios de quem não respeita esses preceitos. O Estado brasileiro é laico desde 1890. O artigo 19 da Constituição Federal, que vem sendo sistematicamente ferido, estabelece que é vedado ao governo “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.  Da mesma forma, nas eleições, é uma violação da Constituição as religiões interfirem no andamento do processo eleitoral. Por outro lado, a cada pessoa, caso queira, cabe levar em consideração seus valores religiosos, caso tenha, na escolha de seu/sua candidato/a nas eleições. Isto é liberdade de convicção e crença. No entanto, a manipulação proposital do voto dos fiéis pelos líderes religiosos é inadmissível e se constitui em uma prática antidemocrática hedionda.

Está na hora de garantir a integralidade do ciclo da promoção da transparência que já se exige dos órgãos governanentais, das organizações não governamentais, das empresas e demais pessoas jurídicas,  bem como dos/das candidatos/as à eleição, fazendo com que as igrejas também prestem contas de suas receitas e despesas, revelando a face oculta dessas instituições, inclusive aquelas que apoiam campanhas  políticas, abertamente ou não.

A prioridade do movimento LGBT para as eleições em todos os âmbitos é que haja políticas de educação, ética e respeito às diversidades sexuais. Se não aceita a homossexualidade,  tudo bem, ninguém é obrigado. Porém,  temos todos e todas o dever constitucional de respeitar todo e qualquer ser humano. Não admitimos ser usados como moeda política. É repulsivo utilizar para fins eleitoreiros – ou para qualquer outro fim – da fragilidade de uma população que, segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República,  sofre anualmente 6.809 violações de seus direitos humanos (18,6 por dia) e que é vítima de pelo menos um assassinato bárbaro em média a cada um dia e meio nacionalmente só pelo fato de ser LGBT.

É essencial também o mesmo respeito às demais diversidades existentes na sociedade, inclusive as diversidades religiosas e também o respeito às pessoas (8% da população segundo o censo de 2010) que não têm nenhum tipo de religião ou que são ateias e agnósticas.

Nas eleições deste ano há pelo menos 165 candidaturas LGBT, de 25 partidos, em 24 estados. Há também 57 candidaturas de pessoas que, independente da pressão dos opositores, declaradamente apoiam a causa LGBT. Queremos o voto consciente, o voto no/na candidato/a que relamente irá trabalhar em prol do bem do município e do bem-estar de todos os cidadãos e todas as cidadãs que nele habitam, independente da ideologia religiosa, da orientação sexual, da identidade de gênero ou qualquer outro fator.

Ainda, queremos apontar que, segundo pesquisa da Datafolha em 30 de setembro de 2012, nas eleições municipais de 2012, entre 57% e 70% dos/das entrevistados/as não votariam em candidatos apoiados por igrejas, indicando claramente que é limitada a tolerância da interfêrencia religiosa no processo eleitoral.

No dia 7 de outubro votemos em candidaturas comprometidas com a universalidade dos direitos humanos, sem acepção de qualquer natureza.

Viva a democracia, viva a laicidade do Estado e viva a diversidade, inclusive a diversidade sexual.

* Toni Reis é doutor em educação e presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais

 

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