No dia 12/12 ocorreu na Assembleia Legislativa de Santa Catarina – ALESC uma homenagem póstuma à Marco Aurélio Da Ros. Estiveram presentes familiares, amigos, colegas e militantes do Partido Comunista Brasileiro, partido ao qual pertencia. O Portal Desacato esteve presente e realizou uma transmissão ao vivo desse importante reconhecimento ao Marcão, como era conhecido pelos colegas e amigos. No evento foi lida uma mensagem escrita por Bernadete Aued que conta sobre a vida e legado de Marco, segue abaixo o texto na íntegra:
“Diante da honrosa atribuição que a família Da Ros me deu, expressarei em poucas palavras o legado que Marco nos deixa, ou simplesmente Marcão, como todos o conhecemos.
Marcão era vizinho de bairro, amigo, compadre, colega de trabalho na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), líder sindical e camarada, o que torna suspeita a minha fala. Ainda assim, penso que vale a pena compartilhar facetas de uma personalidade tão interessante. Entre estar aqui e já não estar, não cabe apenas dizer adeus, Marcão deixa importante herança.
No decorrer de sua existência Marcão apostou na ciência. Em gravíssimas hospitalizações, onde jogou xadrez com a morte, como no filme “O sétimo selo” de Bergman, teve uma sobrevida, pois nessa circunstância aprendeu que todo aquele que consegue dar um sentido na vida, consegue mantê-la por mais um tempo. Forjado na resistência às adversidades e enfermidades não se entregou a elas. No entanto, no dia 16 de novembro, aos 72 anos encerra a sua história, ao lado de Silvia, sua companheira de mais de 50 anos. O livro Intermitências da morte, de José Saramago tem como cenário da morte que resolve fazer greve. O romance inicia assim: “No dia seguinte ninguém morreu”. Se eu pudesse reescreveria a primeira frase desse livro: no dia 16 de novembro de 2022 ninguém morreu. Mas não posso.
Marcão viveu intensamente cada minuto de sua trajetória. Numa metáfora, Marcão é incansável plantador de sementes e o fez a vida inteira, sob a forma do gesto, da palavra ou, ainda, da música com violão.
Em tempos idos Marcão e Silvia, filhos de classe média, realizam um gesto ousado. Recém formados na faculdade, vão morar no Murialdo, uma favela do Morro da Cruz, em Porto Alegre, como parte do programa de residência comunitária entre 1976 e 1977. Guiado pela curiosidade de aprender, vem dessa época a aproximação com “os de baixo”, como sugere Florestan Fernandes. Vem dessa época, também, a opção de realizar uma medicina longe das clínicas privadas.
Após fazer concurso na UFSC, em 1978, consolida essa sua opção da medicina coletiva. Nessa instituição planta a semente do acesso à universidade pública, gratuita e de qualidade. Sonha muito e luta mais ainda. Se atualmente não se cobra mensalidade na universidade, isso se deve à atuação diuturna de pessoas como o Marcão, juntamente com o coletivo que luta em favor da Educação independente de poder aquisitivo.
Na vida, onde Marcão se encontra, planta sementes da luta coletiva: no movimento sanitarista que resulta na criação do SUS; na sala de aula, no posto de saúde, no sindicato ANDES. Se luta por melhorias, luta também para a construção de outra sociedade. O fio de ouro que organiza a sua luta é a sua inserção politico partidária dentro do Partido Comunista Brasileiro, o Partidão. Marcão não deixa que se apague a chama ousada da luta coletiva. Luta acertando, errando, porém sempre o faz dentro de um coletivo.
Marcão forja-se pouco a pouco no calor dos embates estudantis de 1968. Como estudante vincula-se ao Centro Popular de Cultura (CPC) criado pela União Nacional dos Estudantes (UNE). Vem dessa inserção o seu olhar aguçado acerca da cultura popular. A palavra representada no teatro de rua, o livro escrito de forma a alcançar grande público popular, a roda de música enfatizando a leveza e a poética da vida. Marcão mergulha de “corpo e alma” nas formas de aproximação das forças populares. Mesmo quando o AI5 coloca mordaças nos estudantes vinculados ao CPC, Marcão não desiste, canta por metáfora. Quem não se lembra de
“Subdesenvolvido?
(de Carlos Lyra, Billi Blanco e Chico Assis)
O Brasil é uma terra de amores, alcatifada de flores,
onde a brisa fala amores, nas lindas tardes de abril.
Correi prás bandas do sul, debaixo de um céu de anil,
Encontrareis um gigante adormecido, Santa Cruz,
Hoje Brasil.
Mas um dia o gigante despertou
Deixou de ser gigante adormecido
E dele um anão se levantou
Era um país
Subdesenvolvido… Subdesenvolvido…
Ou ainda:
Prá não dizer que não falei de flores
(Geraldo Vandré)
“Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas nos campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Vem, vamos embora que esperar não é saber!
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer!”
Para concluir, a história de um homem finda, mas o legado de lutador, não. Marcão se foi, mas alguém tem que substitui-lo. A sua trajetória espelha a cultura onde o passado se conserva e o futuro se prepara como diz Benjamim. Liga o que foi e o porvir. Os problemas pelos quais Marcão lutou incansavelmente não se foram, cito apenas um deles: mais de 60 milhões de brasileiros passam fome. Todos os dias milhares de crianças são internadas por desnutrição. Fazendo jus às sementes lançadas por Marcão, nossa tarefa é urgente, temos que dar um basta a essa situação. Ninguém pensa com fome! Quentinha distribuída nas esquinas de Santiago, como se fez no Chile, na época de Allende, restaurante popular a 1 real o prato, como já existem em diversas cidades brasileiras. Como diria Marcão, porque não? Aceitem as sementes que ora distribuímos como uma singela lembrança dele, de suas generosas e ousadas palavras eivadas de sonhos, “Desistir da luta, jamais! Numa maneira de dizer “adeus” àquele que esteve entre nós e já não está mais aqui, cantemos a Internacional que tanto Marcão gostava de fazê-lo.”
E quando se findou a leitura do texto todas, todos e todes no plenarinho Paulo Stuart Wright começaram a cantar a Internacional Comunista em memória à Marcão!