Hollande enfrenta rebelião no PS contra pacote de arrocho

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Por Eduardo Febbro*

A política de austeridade promovida pelo presidente socialista François Hollande encontrou seu melhor adversário no interior da maioria socialista governista. O chefe de Estado e seu primeiro ministro, Manuel Valls, estão a um passo de não contar com a maioria necessária para aprovar o “programa de estabilidade” que deve ser votado dia 29 de abril na Assembleia Nacional por causa de uma rebelião protagonizada por um grupo de parlamentares socialistas. Os apoios internos necessários à implantação de um plano de custosas consequências sociais e privilégios para as empresas diminuem a cada semana. O bloco presidencial tenta, há meses, evitar a fratura. Esta, porém, se configurou logo após a estrondosa derrota dos socialistas nas eleições municipais de março, quando o PS perdeu uma grande parte das cidades médias que controlavam.

François Hollande promoveu uma mudança no seu gabinete e colocou à frente do Executivo um representante do chamado socialismo liberal, Manuel Valls. A figura foi diferente, mas não a linha política. A primeira coisa que Valls fez foi apresentar um plano destinado a reduzir em 50 bilhões de euros os gastos públicos. A mudança foi histórica porque o arrocho atinge em boa medida as políticas de proteção social.

Os socialistas, que já haviam se manifestado antes das eleições municipais para questionar a carga tributária, os cortes e o conjunto de medidas destinadas a atingir, em 2015, o limite do déficit em 3% do PIB, imposto pela União Europeia, voltaram à carga. Um grupo de cem parlamentares do PS escreveu a Manuel Valls, denunciando esse “plano economicamente perigoso” cujas consequências, para eles, implica “retrocessos sociais e perturbações em serviços públicos essenciais”. O segundo ato dessa revolta consiste em colocar sobre a mesa um plano econômico distinto do preparado por Manuel Valls, ou seja, evitar que ocorra, os cortes de benefícios sociais previstos inicialmente.

Impávido até esta semana, o governo seguiu promovendo sua panaceia liberal como única alternativa enquanto vários parlamentares da maioria de declararam “estupefatos” ou confessaram que se sentiam “enganados”. Em resumo, François Hollande fixou uma meta diametralmente distinta daquela apresentada durante a campanha eleitoral que levou a sua vitória em 2012. Deve haver poucos exemplos tão descarados como o que simboliza o presidente Hollande: fazer pouco caso das promessas, da maioria que o elegeu, de sua própria maioria parlamentar e seguir uma política mais radical que a direita que estava no poder até dois anos atrás, essa tem sido sua “frequência” política.

Meu inimigo é a finança, disse Hollande quando se lançou na campanha presidencial. A aritmética das reformas se complicou agora com a rebelião dos parlamentares que promovem uma iniciativa alternativa aquela que o Executivo busca implementar. Nas fileiras do PS, se fala de “protesto maior” e de “desassossego”. Para muitos, parece óbvio que, em sua versão atual, o programa de arrocho encontrará a oposição de um consistente segmento dos socialistas. Para evitar esse desastre, deputados do PS que integram a Comissão de Finanças elaboraram medidas alternativas a fim de garantir a aprovação do chamado “programa de estabilidade”. O governo coloca belos nomes nessas políticas. Por exemplo, o dispositivo mediante o qual as empresas se beneficiarão com cerca de 50 bilhões de euros de redução de encargos patronais se chama “pacto de responsabilidade”, e o que o governo prometeu para as famílias se chama “pacto de solidariedade”. Estabilidade, solidariedade, responsabilidade e, ao final, uma colossal fratura.

Trata-se, neste momento, de encontrar um ponto de equilíbrio entre o Executivo e a maioria já que, até agora, o governo agiu como se essa maioria não existisse ou estivesse aos seus pés. O jornal Le Monde revelou uma nota do grupo de trabalho informal oriundo da Comissão de Finanças, na qual este núcleo de parlamentares socialistas evoca “outra trajetória para as economias”. Os parlamentares questionam tanto a forma como o propósito desenhado pelo Executivo para cortar 50 bilhões de euros. Os dissidentes socialistas alegam que “o poder aquisitivo dos franceses foi muito afetado pelos esforços orçamentários e não é possível pedir mais”. Entre as mudanças que antecipam, está a ideia que não se congele os benefícios sociais como está previsto no plano original do governo (um corte de cerca de 2 bilhões de euros).

De fato, desde que chegou ao poder, Hollande fez vários cortes na área dos benefícios sociais. O chefe de Estado corta com tesouras de ouro os magros benefícios de quem pouco tem. Os setores mais liberais celebram com champagne gelado a ousadia do presidente: terminar de sepultar o socialista. Os socialistas rebelados não se opõem a que se economize 50 bilhões de euros, mas sim que esse custo recaia sobre as classes médias e mais pobres que já pagaram um alto tributo. O ajuste fiscal, teleguiado desde Bruxelas, concebido pela Alemanha e defendido pelo Executivo, contempla o congelamento dos salários dos funcionários, de vários benefícios sociais – aposentadorias, por exemplo -, sem a mais tímida contrapartida exigida do grande empresariado, o qual, sem explicar como nem onde, jura sobre o código trabalhista, que essas medidas criarão centenas de milhares de empregos.

Esse otimismo liberal é diariamente matizado por outros estudos que advertem que, contrariamente ao que se acredita, o coquetel de austeridade e cortes, em vez de impulsionar a economia, só criará mais pobreza e, é claro, benefícios para as empresas. A situação é por demais crítica: 11% de desemprego e um crescimento que, segundo reconheceu o próprio ministro de Finanças, Michel Sapin, está estagnado: “saímos de cinco anos de crescimento zero. Ao final de 2013, a França tinha o mesmo PIB de 2008”.

O governo não tem outro caminho do que buscar um acordo com os rebeles, mas o caminho é intrincado, tanto para o Executivo como para o PS. Michel Sapin voltou a confirmar que “os grandes equilíbrios não serão modificados”. A saída parece trancada. Hollande já não conta com o voto dos comunistas, nem como o da Frente de Esquerda, de Jean-Luc Mélenchon, nem com o dos ecologistas. Só lhe resta os próprios parlamentares socialistas para garantir uma maioria. Isso não retira um só ingrediente da lamentável comedida política protagonizada pelos socialistas. O novo primeiro secretário do PS, Jean-Christophe Cambadélis, se atritou com os rebeldes em nome do princípio segundo o qual está bem protestar contra a direita, mas é preciso prestar uma “exigente solidariedade” ao primeiro ministro Manuel Valls.

Os eleitores que votaram nos parlamentares que hoje saem à público contra seu próprio governo não parecem existir. O socialismo de Hollande se assemelha muito a essas atrizes de comédia musical que mudam de roupa várias vezes durante o espetáculo. Vermelho, azul, farrapos, saias, vestidos decotados e roupas de freiras. Cambadélis dirige hoje o PS, mas há um ano, quando era vice-presidente do Partido Socialista Europeu (PSE), escreveu um contundente texto contra as políticas que defende agora. O texto de Cambadélis denunciava o fato de que o “projeto comunitário está ferido por uma aliança de circunstância entre os acentos thatcherianos do primeiro ministro britânico – que só concebe a Europa como um menu e a baixo preço – e a intransigência egoísta da chanceler Merkel, que só pensa na poupança dos alemães, na balança comercial de Berlim e seu futuro eleitoral”.

A mesma farsa está na origem com o famoso “meu inimigo é a finança”, de François Hollande. O poder muda as ideias. Na França do século XXI, parece que para conter a dita austeridade é preciso votar na direita.

* Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Fonte: Carta Maior

Foto: Reprodução Carta Maior

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