Hoje na História: 1935 – Morre Fernando Pessoa, poeta português e ícone da literatura do século XX

Por Max Altmann.

Um de vários, consagrou-se pelo uso de heterônimos; com sua partida, também se foram Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro, entre outros.

“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”

“O poeta é um fingidor / Finge tão completamente / Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente”

Fernando Antônio Nogueira Pessoa, poeta e escritor português, morre em Lisboa em 30 de novembro de 1935, aos 47 anos. Foi internado no dia anterior no Hospital de São Luís dos Franceses, vítima de uma crise no fígado. A suposta causa de seu falecimento se deve a uma cirrose hepática provocada pelo excesso de álcool ao longo da sua vida. Nos últimos momentos da sua vida pede os óculos e clama pelos seus heterônimos. Sua última frase é escrita no idioma no qual foi educado, o inglês: “I know not what tomorrow will bring” (“Eu não sei o que o amanhã trará”).

É considerado um dos grandes poetas da língua portuguesa e da literatura universal.O crítico literário Harold Bloom considerou a sua obra um “legado da língua portuguesa ao mundo”. Na comemoração do centenário do seu nascimento em 1988, seu corpo foi transladado para o Mosteiro dos Jerônimos, confirmando o reconhecimento que não teve em vida.

Por ter sido educado na África do Sul, para onde foi aos seis anos, Pessoa aprendeu perfeitamente o inglês, idioma em que escreveu poesia e prosa.

Ao longo da vida trabalhou em várias firmas comerciais de Lisboa como correspondente de língua inglesa e francesa. Foi também empresário, editor, crítico literário, jornalista, analista político, tradutor, inventor, astrólogo e publicitário, ao mesmo tempo em que produzia sua obra literária em verso e prosa. Como poeta, desdobrou-se em múltiplas personalidades conhecidas como heterônimos, objeto da maior parte dos estudos sobre sua vida e sua obra.

Trajetória

Nasceu em 13 de junho de 1888 em Lisboa. Após a morte do pai por tuberculose, ocorrida quando ele só tinha cinco anos, a mãe se vê obrigada a leiloar parte da mobília e os dois mudam-se para uma casa mais modesta. É também nesse período que surge seu primeiro pseudônimo, “Chevalier de Pas”, assim como o primeiro poema, curto, com a infantil epígrafe de “À Minha Querida Mamã”. Sua mãe casa-se pela segunda vez em 1895 com o comandante João Miguel Rosa, cônsul de Portugal em Durban, África do Sul.

Muda-se com a mãe para a cidade sul-africana, onde passa a maior parte de sua juventude. Recebe uma educação britânica, o que lhe proporciona um profundo contato com a língua inglesa. Seus primeiros textos e estudos são feitos em inglês. Teve desde cedo contato com autores como William Shakespeare, Edgar Allan Poe, John Milton, Lord Byron, John Keats, entre outros. Utiliza o idioma para traduzir textos de poetas ingleses, como “O Corvo” e “Annabel Lee” de Edgar Allan Poe, chegando a publicar em 1918 e 1921 coletâneas de poemas em inglês de sua autoria.

Percorre com sucesso todos os graus de ensino em Durban e, em 1903, se candidata à Universidade do Cabo da Boa Esperança. Não obtém boa classificação, mas tira a melhor nota entre os 899 candidatos no ensaio de estilo inglês. Recebe por isso o “Queen Victoria Memorial Prize”.

Deixando a família em Durban, regressa definitivamente à capital portuguesa, sozinho, em 1905. Continua a produção de poemas em inglês e, em 1906, matricula-se no curso superior de Letras da Universidade de Lisboa, curso que abandona sem completar sequer o primeiro ano.

Entra em contato com importantes escritores portugueses, interessa-se pela obra de Cesário Verde e pelos sermões do Padre Antônio Vieira. Passa a se dedicar à tradução de correspondência comercial. Nessa profissão trabalha a vida toda, tendo uma modesta vida pública.

Heteronímia

Podemos dizer que a vida do poeta foi dedicada a criar. De tanto fazê-lo, criou outras vidas através de seus heterônimos, que se constituíram em sua grande criação estética. Os heterônimos, diferentemente dos pseudônimos, são personalidades poéticas completas: identidades que, em princípio falsas, se tornam verdadeiras através da sua manifestação artística própria e diversa do autor original. Entre os heterónimos, o próprio Fernando Pessoa passou a ser chamado ortônimo, porquanto era a personalidade original.

Os três heterônimos mais conhecidos foram Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro. Um quarto heterônimo de grande importância na obra de Pessoa é Bernardo Soares, considerado um semi-heterónimo, autor do Livro do Desassossego, importante obra literária do século XX.

Através dos heterónimos, Pessoa conduziu uma profunda reflexão sobre a relação entre verdade, existência e identidade. Este último fator se destaca no enigmático que perpassa a obra do poeta.

Escreveu desde sempre, com seu primeiro poema aos sete anos e pondo-se a escrever até mesmo no leito de morte. Sua vida foi uma constante divulgação da língua portuguesa. Nas palavras do poeta, expressas pelo heterônimo Bernardo Soares, “minha pátria é a língua portuguesa”. Ou então, através de um poema: “Tenho o dever de me fechar em casa no meu espírito e trabalhar quanto possa e em tudo quanto possa, para o progresso da civilização e o alargamento da consciência da humanidade.” Analogamente ao general romano Pompeu que disse, por volta de 70 a. C., que “navegar é preciso; viver não é preciso”, Pessoa diz, no poema “Navegar é Preciso”, que “viver não é necessário; o que é necessário é criar”.

O poeta mexicano e Prêmio Nobel de Literatura Octavio Paz disse que “os poetas não têm biografia. Sua obra é sua biografia” e que, no caso de Pessoa “nada em sua vida é surpreendente – nada, exceto seus poemas”. O crítico literário norte-americano Harold Bloom considerou-o como o mais representativo poeta do século XX, ao lado do chileno Pablo Neruda.

Imagem: Wikimedia Commons.

Fonte: Ópera Mundi.

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