Por Elaine Tavares.
Quem esteve na barqueata promovida pelos pescadores da Ponta Coral, em Florianópolis, sabe muito bem das dificuldades que esses trabalhadores enfrentam na dura lida de tirar do mar a comida do dia. Com a sistemática destruição do ambiente, os pescadores artesanais estão perdendo o seu “escritório”, seu lugar de trabalho, o mar. Expulsos das praias, eles acabam tendo de abandonar a profissão ou virar empregado de barcos pesqueiros comerciais. Os jovens já não sonham mais em domar o mar, como nos tempos mais antigos.
“No meu tempo, o jovem carregava no sangue um forte desejo de se tornar um homem do mar. Logo que completava 16 anos, ele tirava sua matrícula na Capitania dos Portos e já se embarcava. E por que este desejo? Porque o mar tem seus encantos naturais. Uma noite de lua cheia em alto-mar é de uma beleza fascinante! Olhar o céu, em uma noite estrelada, com cometas cruzando para todos os lados, é inesquecível! Quem não se entusiasmaria com grandes lances de sardinha que chegavam a atingir 100 toneladas? Eu não fui diferente…”
Essas são palavras de um pescador das antigas, lá da praia de Penha, que, preocupado com a destruição da profissão de pescador, decidiu escrever suas memórias para que a lida no mar ficasse eternizada em palavras. Seu nome é Alfredo José Rosa, nascido e criado no vilarejo de Armação de Itapocoroy, onde viveu da pesca desde os anos 50, sustentando com o braço firme uma família de sete filhos. Aposentado nos anos 80, passou a registrar suas histórias, que viraram crônicas, algumas publicadas na Revista Pesca e Navegação, do jornal Diarinho, de Itajaí.
O material escrito por Alfredo foi reunido por sua filha, a jornalista Renata Rosa, e se transformou num livro que, além de contar das belezas e agruras da vida do mar ganha importância histórica uma vez que a cidade de Penha, onde fica a Armação de Itapocoroy, vive hoje um outro ciclo econômico baseado muito mais no turismo do que na pesca, iniciado com a chegada do Parque Beto Carrero. Assim, as palavras do velho pescador se concretizam em memórias de um tempo que se esboroa, uma vez que a juventude do lugar já não sonha em “embarcar”.
Alfredo morreu no ano de 2009, aos 74 anos, vítima de câncer cerebral, mas a vivência de mais de 30 anos no mar hoje se fazem eternas no livro editada pela editora itajaiense Ipê Amarelo, que, além das crônicas já publicadas no Diarinho, oferece outras seis histórias inéditas. “Alfredo, um pescador” é um documento de memória importantíssimo para quem vive no litoral, pois, na medida em que cristaliza a vivência de um único pescador, acaba oferecendo a visão de toda uma atmosfera universal que perpassa a lida diária dos pescadores da nossa terra.
O lançamento do livro em Florianópolis está sendo organizado pela jornalista Renata Rosa, que além de proporcionar a beleza das memórias de Alfredo, oferecerá aos que vierem celebrar esse momento, a tradicional “concertada”, uma bebida ancestral, típica do litoral catarinense. E, assim, entre um gole e outro de pura vida, os relatos de Alfredo navegarão pela sala, embalando os leitores numa jornada úmida, no caminho do mar, trazendo o passado para o hoje e evocando a possibilidade da resistência da pesca artesanal. Porque enquanto houver um pescador na beira do mar, o chamado das ondas despertará a canoa.
Que venham todos os pescadores ouvir as crônicas do velho Alfredo. Porque ele é cada um, na esperança da pesca farta que ainda resiste nas velhas canoas de tronco de Garapuvu. O lugar não poderia ser mais propício: à beira da lagoa da conceição, no centro cultural.
Serviço
O quê? Lançamento do livro “Alfredo Pescador”
Quando? Dia 24 de Abril de 2015, às 20h30
Onde? Centro Cultural Bento Silvério, a rua Henrique Veras do Nascimento, 50, Lagoa da Conceição.
Quanto? R$ 30,00
Fonte: Blog Palavras Insurgentes
Foto: Divulgação
Elaine Tavares é jornalista.