Verdadeiros heróis em tempos de paz, os sapadores angolanos desbravam a terra para dela retirar artefactos que a guerra plantou durante longos anos. Deles depende, em muitas regiões do país, a reabilitação de estradas e o regresso das populações às antigas zonas em que habitavam. O Jornal de Angola esteve na via entre Caxito, província do Bengo, e Nzeto, no Zaire, que está a ser alargada e asfaltada. Antes dos operários e máquinas, toda a zona é limpa de minas. No meio do mato e debaixo de um sol abrasador, especialistas do Instituto Nacionalç de Desminagem, na sua maioria antigos militares, dizem temer mais as moscas do sono e as feras do que as minas que têm de localizar e desactivar ou destruir.
António Quitumba trocou a arma de fogo por um detector de minas. Para ele, hoje, a guerra é outra. O antigo militar das FAPLA trabalha na desminagem há 15 anos e considera um privilégio o facto de poder continuar a defender Angola, abrindo caminhos para a reconstrução.
“Estamos hoje em paz e fazer parte da equipa que trabalha na desminagem é uma honra. Sinto que estou a fazer a minha parte como cidadão angolano, protegendo o meu próximo das minas que ainda se encontram espalhadas pelo país”, disse o sapador, que faz parte da brigada do Instituto Nacional de Desminagem (INAD).
Sapador experiente, Quitumba já não teme as minas e outros explosivos, que, amiúde, tem de desactivar. Outros obstáculos incomodam-no mais. “Muitas vezes, deparamo-nos com leões, cobras e outros animais ferozes. Temos encontrado também muita vegetação, o que dificulta o nosso trabalho, que pretendemos fazer com perfeição”.
Os sapadores da brigada de desminagem do INAD passam por um curso de 30 dias na Escola Técnica de Desminagem, ao fim do qual fazem uma demonstração para se ter a certeza de que estão aptos a exercer a actividade. Na sua maioria, são ex-militares, com experiência a lidar com minhas e explosivos.
A brigada do INAD está a fazer a desminagem no troço Caxito/Nzeto, numa extensão de cerca de 200 km, que está a ser alargado e reabilitado, e toda a área ao redor, num total de 208 km2, dos quais 107 já estão limpos de minas. O trabalho inclui operadores de desminagem do Estado incluem as Forças Armadas Angolanas (FAA), o Gabinete de Reconstrução Nacional (GRN e a Casa Militar da Presidência da República.
No Km 55, próximo da aldeia do Tabe, município de Caxito, província do Bengo, um grupo de sapadores explicou aos membros de uma delegação governamental, chefiada pelo ministro da Assistência e Reinserção Social, João Baptista Kussuma, o seu dia-a-dia. O processo de desminagem inclui, além dos conhecidos detectores, equipamento moderno.
Alfredo Simão Macanda faz parte do grupo de desminagem mecanizada, que tem na máquina de marca Hitachi, de fabrico japonês, o seu mais fiel aliado. A máquina, de 32 toneladas, tem capacidade para desminar mil metros quadrados por hora. Totalmente blindada, ela desbrava o mato, limpa campos minados ocultos, e destrói todos os artefactos explosivos que encontrar pela frente. Usa um forte campo magnético que destrói todos os fragmentos de metal deixados por minas e outros dispositivos.
Macanda afasta com a mão enluvada uma mosca atrevida. O insecto foge e não conseguimos vislumbrar se se tratava de uma tsé-tsé. As moscas do sono são outro dos incómodos dos sapadores e, de certa forma, preocupam mais do que as minas, sobretudo para os membros do grupo de desminagem mecanizada.
O ex-militar aproveita o movimento para limpar o suor da testa. No meio da mata faz muito calor, além do que os sapadores usam um equipamento de segurança que inclui um capacete com viseira, macacão, botas especiais com caneleiras e coletes apropriados.
O peso do equipamento é grande, mas não tanto quanto o orgulho de Macanda. “É um orgulho estar a contribuir para o progresso do meu país. Sei que depois destes trabalhos que estamos a fazer, muitas famílias vão poder transitar com os seus produtos e voltar às suas áreas de origem”, sublinhou.
O ministro do Urbanismo e Construção, Fernando Fonseca, também esteve no local, em visita de constatação e, além de louvar o trabalho dos sapadores, mostrou-se satisfeito com o andamento das obras. Ao lado do titular da Assistência e Reinserção Social, ele prometeu uma nova deslocação ao local ainda este mês.
População agradece
Os próximos três meses, afirmou, vão ser de “trabalho árduo” para as empreiteiras encarregadas da reabilitação da via. Os trabalhos são de grande profundidade e incluem a terraplenagem, reperfilamento e constituição das camadas de perfuração de base, que está a decorrer neste momento, para se seguir o asfaltamento.
À medida que a desminagem dos terrenos vai sendo concluída, as populações reocupam as terras para a construção de habitações e a abertura de novas lavras. A limpeza das minas na via Caxito/Nzeto pode estar concluída dentro de três meses.
João Baptista Kussumua garantiu que o seu Ministério da Aisstência e Reinserção Social está a cumprir a sua missão, que é dar segurança às empresas de construção civil que reabilitam as vias com as acções de desminagem. “Dentro de três meses o processo naquele troço estará concluído”, garantiu o ministro, que adiantou ser o trabalho de desminagem extensivo a toda a região entre os rios Lufena e Dande.
À medida que a desminagem dos terrenos vão sendo concluídas, as populações reocupam as terras para a construção de habitações e a abertura de novas lavras. O fim da reabilitação da estrada é aguardado com grande expectativa. No Nzeto, aonde a delegação ministerial chegou após duas horas de viagem, enfrentando troços esburacados e de terra batida, os moradores aguardam impacientes a conclusão dos trabalhos.
O cidadão Hélder Simão, que acompanhava os trabalhos de reabilitação, disse à reportagem do Jornal de Angola que a nova estrada vai beneficiar não só a população da comuna do Nzeto, mas de toda a província. “Vamos ter mais facilidades no escoamento dos produtos agrícolas, que vão ser comercializados na capital do país. Vamos ganhar também com o turismo, porque o município de Nzeto é uma aldeia turística por excelência”, disse.
António Lázaro mostrou a sua alegria pela iniciativa do Executivo em desminar as áreas e acredita que, com a conclusão das obras, muita coisa vai mudar na província. “Nós não pensamos só no benefício da via, mas nas famílias que vão poder cultivar e construir as suas cubatas nas zonas já desminadas”, referiu.
As áreas desminadas são assinaladas, mas a atenção principal é dada àquelas em que ainda existe o perigo de minas. Os sapadores preocupam-se e procuram a todo o custo evitar os acidentes com os civis que, em 2011, provocaram 34 mortos e 43 feridos em todo o país. No ano passado, foram detectadas, removidas ou neutralizadas cerca de 440 mil minas anti-pessoal e 24 mil minas anti-tanque e destruído outro material letal.
Segurança e desenvolvimento
Os números de artefactos localizados e neutralizados vem aumentando com o aprimoramento dos conhecimentos do pessoal e da tecnologia empregue. Desde 1996 a Março de 2012 foram destruídas 436.109 minas anti-pessoal, 24.110 minas anti-tanque, 2.4 milhões de engenhos explosivos não detonados e 2.7 de quilos de outro tipo de material letal.
Os reflexos da desminagem no desenvolvimento do país são enormes. Os destaques vão para os 3.200 km de caminhos-de-ferro, 6.061 km de fibra óptica e 3.822,2 quilómetros de linhas de transportação de energia eléctrica de alta tensão que se viram livres de minas. Angola tem já neste momento uma área limpa de quase cerca de 978 mil quilómetros quadrados, ou seja perto de 78 por cento do território.
Esses dados poderiam dar alguma tranquilidade, mas a situação está longe de ser resolvida, já que a incidência de minas é muito maior em determinadas zonas do país, onde o conflito armado de longos anos mais se fez sentir.
Os sapadores não deixam isso de somenos. Há sempre a preocupação de assinalar as zonas limpas, mas, sobretudo as que ainda constituem perigo. As autoridades desenvolvem esforços para a educação da população sobre o flagelo das minas.
A sensibilização sobre o perigo de minas nas comunidades constituiu um factor importante para o êxito do processo, disse João Baptista Kussumua.
“É primordial a colaboração da população no exercício da desminagem, porque conhece melhor as áreas suspeitas de minas. Este exercício contribui para evitar acidentes e, de forma indirecta, ajuda no sucesso do programa nacional de desminagem”.
“Vamos continuar a organizar campanhas de sensibilização junto dos refugiados e das famílias nómadas que constantemente se deslocam pelo território minado, para que estejam conscientes dos perigos que as minas representam”, acrescentou.
O ministro acredita ser possível fazer de Angola um local seguro para a população. “Com trabalho e dedicação, o nosso povo vai circular em paz na terra que lhe pertence. Queremos ainda que as próximas gerações possam voltar ao nosso típico estilo de vida, sem o perigo eminente de pisar uma mina”, disse o ministro da Assistência e Reinserção Social.
Imagem: Governador do Zaire e os ministros do Urbanismo e Construção e da Assistência e Reinserção Social durante a visita no terreno Fotografia: João Gomes