Por Rachel Duarte.
Eles vieram para o Brasil na tentativa de conseguir uma vida melhor para as suas famílias. Dos cerca de 3 mil imigrantes que entraram pelas fronteiras dos estados brasileiros fugindo da crise humanitária do Haiti, 175 trabalham no Rio Grande do Sul. A maioria foi buscada por empresários no Acre, principal porta de entrada dos haitianos após o terremoto que assolou o país caribenho em 2010. Alguns também entram por Manaus e são levados para região sudeste do país para trabalhar. Porém, a dificuldade linguística e de refúgio são alguns dos desafios que precisam ser superados para o sonho da vida melhor dos haitianos no Brasil.
A maioria dos haitianos que entra no país exerce trabalhos braçais, como serventes de obra, pedreiros, coletores de lixo, alimentadores de linhas de produção, ajudantes de motorista, entre outras funções. A dificuldade na comunicação, uma vez que a língua falada no Haiti é o francês, é uma das razões que deixa os estrangeiros vulneráveis.
Há quatro meses no Brasil, Valcin Aider foi buscado do Acre para trabalhar em pousada no litoral norte do Rio Grande do Sul. Ele e outros quatro conterrâneos foram contratados para realizar os serviços gerais da pousada, mas tiveram os documentos detidos pela dona do empreendimento e trabalhavam de forma exploratória no local. “Era de domingo a domingo. Mesmo se estivesse chovendo. E não tínhamos dinheiro suficiente para enviar para nossa família no Haiti”, conta, em bom português. “Eu aprendi (a língua). Temos que nos virar na vida. Mas eu mais compreendo do que falo”, disse, ainda que não estivesse confundindo nenhuma palavra de forma visível.
Por uma denúncia feita à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (AL-RS), os haitianos foram resgatados e transferidos para a empresa Massas Romena, em Gravataí. “Fomos avisados de que tinha este grupo de Osório e como já tínhamos outros haitianos trabalhando conosco, empregamos eles”, conta o empresário André Rosa.
A indústria de massas de Gravataí emprega 21 haitianos. Dois grupos foram buscados no Acre, um especificamente de mulheres. Além da carteira de trabalho, a empresa providenciou alojamento e todos os benefícios para os funcionários. “Somos tratados como os brasileiros”, conta o haitiano Jacksin Etienne, tradutor do grupo na empresa.
Por ser professor e falar inglês, além do francês, Jacksin Etienne foi contratado como tradutor na fábrica de massas. “Mas eles não queriam um tradutor. Disseram que era uma função desnecessária. E que o salário não seria bom”, fala.
175 haitianos trabalham no Rio Grande do Sul | Foto: Claudio Bochese
O empresário André Rosa reconhece que o atrativo dos haitianos é a possibilidade de mão de obra, frente à escassez no país. “Com a ascensão econômica das classes, muitas funções estão com falta de pessoas para desempenhá-las”, alega.
Conforme levantamento da Comissão de Direitos Humanos da AL-RS, no estado gaúcho os haitianos trabalham em indústrias e empresas de Porto Alegre, Gravataí, Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Vale Real, Marau e Sarandi.
Segundo o presidente do Sindicato da Indústria da Alimentação de Caxias do Sul, José Cesa Neto, a chegada dos haitianos para trabalhar em empresas da cidade não coloca em risco os postos de trabalho para a população local. Ele também sublinhou que os haitianos que vieram trabalhar em Caxias do Sul foram recrutados no Norte do Brasil e todos estão com sua situação trabalhista regularizada.
A preocupação da Comissão não é apenas que se dê oportunidade de trabalho aos cidadãos haitianos que entram no Brasil, mas quanto ao ramo de trabalho em que irão atuar e os riscos que correm, principalmente na área da construção civil.
“Eles ficam em um ginásio quando chegam ao Acre e são escolhidos pelos empresários que vão até lá. Este tratamento nos preocupa. O encaminhamento para os estados tem que ser feita de forma digna. Que eles possam optar para onde querem ir e se querem trabalhar em determinadas funções. Nós queremos que o estrangeiro que chega ao nosso país seja bem atendido. Tem que ter além do trabalho, todas as outras condições de subsistência”, defende o presidente da Comissão, deputado estadual Miki Breier (PSB).
Haitianos buscam fazer a vida no Brasil
Haitianos no alojamento da empresa, em Gravataí | Foto: Imagem do projeto fotográfico ‘Viv Ansanm’, de Claudio Bochese.
A maioria empregada espera conseguir enviar dinheiro para manter as famílias vivendo no Haiti. Porém, com a crise instalada no país, muitos sonham em fazer a vida no Brasil. A entrada de cidadãos haitianos levou o Conselho Nacional de Migração a decidir em 2012 por uma concessão especial capaz de dar guarida a essas pessoas. A partir desta situação, a embaixada brasileira no Haiti iniciou a concessão de vistos temporários de cinco anos para cidadãos haitianos que quisessem ingressar no Brasil.
O embaixador Paulo Antônio Pereira Pinto, chefe do Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores no Rio Grande do Sul, destacou a resolução normativa que concede aos cidadãos haitianos até 1,2 mil vistos anuais permanentes por até cinco anos, sem necessidade de qualificação profissional ou de apresentação de contrato de trabalho. ”Esta modalidade especial de visto permanente se soma com as modalidades ordinárias de visto de trabalho, turismo e de negócios”, destacou.
Porém, a responsabilidade do Brasil na questão do Haiti é maior do que a concessão de vistos. O próprio representante do Itamarty salienta que “o visto não é a concessão de um direito e não o direito garantido. Isso depende de outros ministérios”.
“O Haiti precisa mais do que repasse de recursos”, diz representante do Comando Militar do Sul
O Brasil coordena a Minustah, missão de paz da ONU que está no Haiti desde 2004, e é o vizinho latino mais rico do país da América Central. Recentemente a presidenta Dilma Rousseff reforçou a cooperação na reconstrução do país, que sofre até hoje as consequências do terremoto de dois anos atrás, quando morreram mais de 220 mil pessoas, e resultou numa grande epidemia de cólera.
James Bolfoni do Comando Militar do Sul integrou a missão de pacificação no Haiti de 2004 a 2009 | Foto: Galileu Oldenburg/ Agência ALRS
O tenente-coronel James Bolfoni da Cunha, representante do Comando Militar do Sul, e que participou da missão da Minustah, fala que a situação vivida pela nação caribenha e os motivos que levaram milhões de haitianos a buscarem refúgio em outros países é extremamente precária. “Não tem cultura democrática no país. Eles não elegem presidente. Só dois governo conseguiram terminar mandatos. Os mais instruídos acabam migrando e eles ficam sem massa crítica para reconstituição do país. Isso sem falar nos problemas culturais, que envolvem valores religiosos, de família e de como eles enxergam a figura das autoridades”, comenta.
Bolfoni comenta que, após o processo de pacificação do país, com auxilio da tropas militares brasileiras, a transição estava começando ser construída. “Mas com extrema dificuldade de restabelecer a confiança da população”, ressalva. “Usamos a força na missão. Algumas áreas tivemos que entrar assim, mas sempre respeitando de forma rígida os direitos humanos dos civis e a integridade de seu patrimônio. As próprias ONGs tinham receio de entrar nas áreas conflagradas por não acreditar na pacificação”, conta. Segundo ele, aos poucos, a comunidade foi percebendo que era melhor viver sem tantos conflitos. “Porém, tem uma lacuna entra a intervenção militar e as políticas necessárias para reconstrução do país. O que fizemos não durará muito tempo. As carências são muitas, falta água, luz e comida. Não é só repasse de dinheiro que irá resolver”, acredita.
Esperança de um futuro melhor
Haitianos que vivem e trabalham no Rio Grande do Sul são fotografados para o projeto “Viv Ansanm” | Foto: Claudio Bochese
Mesmo diante das dificuldades, o estudante haitiano que realiza mestrado de Administração na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alix Georges, sonha em se formar e voltar ao seu país. “Vou fazer minha pesquisa de campo lá e quero voltar melhor preparado”, projeta. Desde 2006 ele vive na república estudantil da universidade, onde concluiu a faculdade de Engenharia da Computação. “Eu queria estudar fora e como a disputa por bolsa para estudar na Europa e na América do Norte era muito grande, aproveitei a chance de vir para o Brasil”, diz.
Como muitos haitianos, Alix administra as saudades da família com o auxílio da tecnologia e da internet. Solidário por essência, ele desempenha voluntariamente apoio na interlocução com haitianos que chegam ao estado. “Eu oriento sobre como regularizar o visto, onde buscar emprego e tudo mais que eles precisarem”, conta. Segundo ele, que esteve nesta semana na Polícia Federal, os haitianos que estão empregados em Gravataí estão com protocolo de encaminhamento do visto. “Deve sair daqui a pouco. Sem problemas”.
A situação dos haitianos no Rio Grande do Sul foi discutida em uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da AL-RS nesta quarta-feira (23). Na oportunidade foi formado um grupo de trabalho para discutir o tema, monitorar a situação dos imigrantes e acompanhar o diálogo entre os governos gaúcho e federal para conceder refúgio aos haitianos. Os relatos da audiência serão levados pela Comissão ao encontro da União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais (Unale), em Natal (RN), e no encontro dos Parlamentares Latinoamericanos em Assunção, no Paraguai.
Fonte: http://sul21.com.br/
“Não tem cultura democrática no país. Eles não elegem presidente.”
É espantoso que idéias no mínimo preconceituosas, quando não pura e simplesmente ato de má fé, sejam ainda replicadas acriticamente pela imprensa.
O que na verdade o tenente-coronel queria dizer é:
“Não tem cultura democrática no país. Eles não elegem presidente que NÓS gostamos”,
onde NÓS incluiu um seleto grupo de nações encabeçadas por EUA, ao qual não se sabe bem porquê – ou melhor, talvez se saiba – o Brasil decidiu juntar-se