Haitianos no Brasil. Entrevista com Rutemarque Crispim

Instituto Humanitas Unisinos.

“A imigração vai continuar fazendo parte da cultura brasileira”, assinala Rutemarque Crispim, pároco de Nossa Senhora das Dores, em Brasileia, no Acre.

A pequena cidade de Brasileia, localizada no Acre, faz divisa com a Bolívia e tem sido o destino inicial de muitos haitianos que migram para o Brasil.Depois de encaminharem a documentação para permanecerem oficialmente no país, eles viajam para outros estado sem busca de trabalho e moradia fixa, pois o Acre não tem estrutura para mantê-los durante um longo período. “Lembro que, quando nós começamos a preparar a alimentação deles na cozinha paroquial, ficávamos angustiados porque passávamos um dia inteiro elaborando uma única refeição. Às vezes não tínhamos panelas para cozinhar o feijão. É desumano eles virem para o Brasil e não serem bem acolhidos”, relata Crispim à IHU On-Line, em entrevista concedida por telefone.

Padre Crispim recebe os haitianos desde janeiro de 2011, quando assumiu a Paróquia Nossa Senhora das Dores, e revela que um dos maiores desafios ao trabalhar com imigrantes é compreender as leis para orientá-los. Em sua avaliação, o Brasil continuará recebendo imigrantesnos próximos anos e precisa se preparar para acolhê-los. “Outro grande desafio é nos preocuparmos com o ser humano, porque às vezes somos tentados a ver os haitianos apenas como uma mão de obra barata. Temos de ter clareza de que eles sofreram bastante e de que vêm para o país com uma angústia muito grande, pois deixaram suas famílias no Haiti e precisam enviar dinheiro para elas. A imigração vai continuar fazendo parte da cultura brasileira”, conclui.

Rutemarque Crispim é pároco de Nossa Senhora das Dores, em Brasileia, no Acre.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Desde quando os haitianos estão migrando para o Acre e qual a situação dos que chegam a Brasileia?

Rutemarque Crispim – Nós estamos acolhendo os haitianos que chegam ao Acre desde meados de 2010. Os primeiros imigrantes que chegaram ao país tinham muito medo, pois, antes de virem para o Brasil, foram para países como o Peru, onde não foram bem recebidos. No primeiro contato que tive com eles, na praça de Brasileia, percebi que estavam assustados porque não sabiam o que iria acontecer com eles, especialmente porque não conseguiam se comunicar em função do idioma. Alguns falam inglês, espanhol e francês, e poucos brasileiros conseguiam compreendê-los.


IHU On-Line – Como acontece a passagem dos imigrantes pelas fronteiras da Bolívia e do Peru?

Rutemarque Crispim – Eles tentam migrar pelo Peru, mas como geralmente encontram a ponte fechada pela polícia, entram no Brasil pela rota boliviana, depois pegam um táxi e chegam ao país à noite, de maneira clandestina. Essa situação é bastante difícil, pois até chegarem ao Brasil alguns são assaltados e sofrem violência.

IHU On-Line – Quantos estão em Brasileia neste momento?

Rutemarque Crispim – Atualmente poucos haitianos estão no Acre, pois eles chegam aqui e em seguida encaminham a documentação para permanecerem no país, e migram para outros estados, em busca de trabalho. Hoje, existem menos de 40 haitianos no Acre.

IHU On-Line – Como a população de Brasileia reage diante da chegada dos imigrantes?

Rutemarque Crispim – A onda de imigração já teve várias fases. Como Brasileia faz divisa com a Bolívia, em 2008 a cidade acolheu os bolivianos refugiados políticos que foram expulsos de seu país. Brasileia sempre foi muito solidária no sentido de acolher o estrangeiro.

No entanto, quando os haitianos chegaram, a situação foi um pouco diferente, pois a população tinha medo e receio de serem contaminados por alguma doença, já que havia comentários de que os haitianos tinham cólera, HIV, bactérias. Queira ou não, a cultura brasileira é racista. De todo modo, foi possível acolher os imigrantes e as pessoas foram solidárias. A Igreja pediu ajuda e contribuição para as famílias, que doaram alimentos e roupas. Alguns haitianos chegaram sem nada, pois eram assaltados ao longo do caminho.

A juventude também foi bastante solidária; os jovens conversavam com os haitianos, principalmente aqueles que falam inglês. Eles queriam saber da cultura e dos problemas enfrentados no Haiti.

IHU On-Line – O governo do Acre distribui passagens para que os imigrantes possam ir para outros estados. Como o senhor avalia essa postura? O Acre tem condições de receber e abrigar os imigrantes ou um percentual deles?

Rutemarque Crispim – O Acre não tem estrutura para mantê-los no estado, pois os hospitais e postos de saúde são muito limitados e não há locais para hospedá-los. Lembro que, quando nós começamos a preparar a alimentação deles na cozinha paroquial, ficávamos angustiados, porque passávamos um dia inteiro elaborando uma única refeição. Às vezes não tínhamos panelas para cozinhar o feijão. É desumano eles virem para o Brasil e não serem bem acolhidos. Então, a iniciativa do governo do Acre foi de grande valor para os haitianos e para algumas empresas que não tinham condições de pagar as passagens para seus futuros funcionários. Desde o início deste ano, as empresas que irão empregar os haitianos estão comprando as passagens para eles. Mandá-los para outros estados não é uma opção de repulsa nem de preconceito, mas uma forma de ajudá-los, porque eles querem trabalhar. A maioria deles quer mudar para São Paulo.

IHU On-Line – Como a Igreja tem se posicionado diante destas migrações e como tem atuado junto aos haitianos?

Rutemarque Crispim – Assumi a paróquia no ano passado, no dia 2 de janeiro. Em seguida, recebi aproximadamente 300 haitianos. Eu sabia pouco em relação a refúgio, à documentação. Então, tive que estudar para compreender como deveria agir diante desta onda migratória, porque, às vezes, queremos ajudar, mas podemos fazer algo errado. A Cáritas Diocesana nos ajudou muito, além de Pe. Raimundo, pároco de uma cidade vizinha. Ainda estamos aprendendo a lidar com os imigrantes e refugiados que chegam ao Estado.

A estrutura da Igreja é pequena, e ainda não temos a Pastoral da Mobilidade Humana, uma pastoral dos imigrantes; neste mês queremos fundá-la. Como sabemos, haitianos, africanos, quenianos, bolivianos vão continuar entrando no Brasil pela fronteira com a Bolívia, e temos de ter uma estrutura para ajudá-los.

IHU On-Line – Quais são os maiores desafios de atuar junto dos imigrantes?

Rutemarque Crispim – O primeiro desafio é ter compreensão das leis, para saber como proceder com as pessoas que chegam ao Brasil.

Outro grande desafio é nos preocuparmos com o ser humano, porque às vezes somos tentados a ver os haitianos apenas como uma mão de obra barata. Temos de ter clareza de que eles sofreram bastante e de que vêm para o país com uma angustia muito grande, pois deixaram suas famílias no Haiti e precisam enviar dinheiro para elas. A imigração vai continuar fazendo parte da cultura brasileira. O Brasil é formado de imigrantes e continuará sendo. Por isso temos de amadurecer essa ideia de como acolhê-los da melhor maneira possível para crescermos como comunidade.

Fonte: Adital

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