Por José de Castro e Silva.
Quando estudamos, os livros e professores de geografia recontam que o Haiti é o país mais pobre das Américas e um dos mais miseráveis do mundo. Vezes por outra, vemos na televisão e nos jornais milhões de pessoas em condições sub-humanas, o que gera fome, violência e desordem civil. Alguns milhares deles já vieram para o Brasil em busca de uma vida melhor. Outros tantos se espalharam pela América em busca da própria sobrevivência e de suas famílias.
A situação se agravou em janeiro de 2010, quando um terremoto de grandes proporções arrasou o país, destruindo vidas e esperanças. No Brasil, temos a triste lembrança da morte da Dra. Zilda Arns, que lá se encontrava em campanha humanitária, e morreu junto com inúmeros haitianos.
Recentemente, o jornal THE TIMES publicou uma matéria de Bem Macintyre, que a agonia do país aumentou com o terremoto, mas o Haiti já era uma zona economicamente inviável, fragilizada por uma dívida com séculos de existência para com o seu antigo senhor colonial, a França.
Segundo o autor, a falha que destruiu o país tem uma história de mais de duzentos anos, diretamente da França colonialista. A verdadeira história relata que até o século XVIII, o Haiti era a joia da coroa imperial francesa, a pérola do Caríbe, o maior exportador de açúcar do mundo. Os escravos das plantações de cana do açúcar eram tratados de uma forma verdadeiramente inumana. Morriam em tal número que, por vezes, a França importava 50 mil escravos por ano para assegurar o número de trabalhadores e os lucros.
Em 1781, os escravos se rebelaram sob a liderança de Toussaint Louverture, um escravo autodidata. Após uma guerra sem tréguas, o exército napoleônico foi derrotado. E o Haiti tornou-se independente em 1804.
A França não lhe perdoou a insolência e a perda de receitas: 800 plantações de cana-de-açúcar destruídas, 3 mil plantações de café tomadas. O país foi alvo de um brutal bloqueio comercial. Em 1825, a França exigiu uma indenização de 150 milhões de francos, ouros, em cinco vezes mais do que os lucros anuais de exportação do pais. A Ordenação Real foi reforçada por 150 canhões. Mesmo com a redução da dívida para 90 milhões de francos, o Haiti nunca se recompôs da sua dívida.
Sob o peso da divida externa, que só seria liquidada em 1947, o Haiti nasceu praticamente falido. Nessa altura, a economia do Haiti encontrava-se irremediavelmente destruída, o território desflorestado, mergulhado na pobreza, política e economicamente instável, e presa fácil do capricho na Natureza e da depredação dos autocratas.
A história precisa ser revista e a França precisa resgatar o seu passado, com esta brutal dívida com os haitianos. Que os americanos e outros povos, inclusive os brasileiros, que lá participam com a Força de Segurança, deem esperança e resgatem a grandeza de um povo pobre e humilhado por uma das nações mais ricas do mundo.
A França se posta para o restante da humanidade como guardiã da democracia, sob o jargão “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, além do respeito integral aos direitos humanos e o Estado de Direito. Quem sabe, um dia, possam resgatar o Haiti que foi explorado até as estranhas e deixou um legado de miséria, que constrange e envergonha toda humanidade pela condição dos irmãos que lá vivem e sofrem.
Gostaria de continuar admirando a França como um país sério e que respeita os direitos humanos. Infelizmente, existe esta dívida imensa com os irmãos haitianos e outras colônias francesas na África, onde lhe foram roubadas as riquezas e os sonhos de seus povos. Aprendi a História de uma maneira diferente e ela precisa ser ministrada sem as mentiras e mazelas que envergonham toda a humanidade.
Sem ser sociólogo ou cientista social, estas verdades precisam ser recontadas. Quem sabe, um dia a justiça se restabeleça. E a História seja recontada, devolvendo ao Haiti um pouco do muito que lhe foi roubado com o sangue e a vida dos nativos.
José de Castro Silva é professor e advogado.
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Fonte: Ecodebate.