Por Daniel Pardo.
Militares colombianos aposentados, que falam inglês e têm treinamento em armamentos sofisticados, inteligência e operações internacionais. Muitos deles integravam unidades de contra-guerrilha, em parte financiadas pelos Estados Unidos.
Em linhas gerais, esse é o perfil dos 26 colombianos que, segundo as autoridades haitianas, estão envolvidos no assassinato do presidente do país Jovenel Moïse. Desse grupo de 26 indivíduos, 15 estão detidos, três foram mortos e oito estão foragidos.
O presidente foi assassinado em sua residência durante a madrugada do dia 7 de julho. Ele levou 12 tiros, um deles na cabeça. Também há indícios que Moïse foi torturado.
Ele chegou a ficar trancado em casa durante meses, em meio a uma crise política que cada vez mais diminuía sua legitimidade e aumentava as vozes que pediam sua renúncia.
Até agora, não se sabe quem pagou os mercenários colombianos para matar o presidente haitiano.
Nas horas que se seguiram ao assassinato, que ganhou um caráter internacional, começaram a surgir os primeiros detalhes sobre os ex-militares que supostamente executaram o plano.
E há algumas características que revelam um aspecto essencial da guerra que assolou a Colômbia nas últimas décadas: o surgimento de uma indústria de mercenários que emergiu após as operações de combate ao narcotráfico e ao “terrorismo”, muitas delas financiadas pelos Estados Unidos.
Esses grupos estiveram envolvidos em diversos conflitos internacionais e são requisitados por causa de suas habilidades militares e dos valores relativamente baixos cobrados pelos serviços que prestam.
Quem matou o presidente?
Na manhã de sexta-feira (09/07), a imprensa colombiana divulgou aos poucos os nomes, as trajetórias e as fotos dos militares aposentados que parecem estar envolvidos no assassinato.
Em sua maioria, eles têm cerca de 40 anos, eram soldados e, como não foram promovidos na carreira militar, se aposentaram ainda jovens, há cerca de dois ou três anos.
A esposa de Eladio Uribe, que aparentemente está detido no Haiti, disse à W Radio que o ex-militar foi um soldado profissional durante 20 anos e recebeu várias honrarias antes de se reformar em 2019.
Segundo o relato, Uribe foi investigado por um esquema conhecido como “falso positivo”, em que as mortes de civis durante combates armados eram contabilizadas como óbitos de guerrilheiros. Mas o militar acabou absolvido.
E ele estava na República Dominicana, contratado por uma suposta empresa de segurança que pagava 3 mil dólares (R$ 15 mil) por mês, de acordo com o depoimento de sua esposa. “Não lhes foi dito exatamente para onde seriam levados. Era uma oportunidade de trabalhar com uma agência para cuidar de famílias de xeiques”, disse.
A mídia colombiana também destacou o caso de Manuel Antonio Grosso, paraquedista e membro de forças especiais antiguerrilha, que postou fotos na República Dominicana há uma semana. Tudo indica que ele cruzou a fronteira com o Haiti um dia antes do assassinato de Moïse.
Produto tipo exportação
Não é a primeira vez que mercenários colombianos chegam ao noticiário mundial após operações militares que cruzam fronteiras.
Nas últimas duas décadas, centenas de ex-militares do país foram contratados por empreiteiros privados de países como os Estados Unidos ou o Reino Unido e forneceram apoio em guerras no Afeganistão, no Iraque e no Iêmen.
Os salários no Exército colombiano são, segundo as declarações de ex-ministros da Defesa, entre 15% e 20% mais baixos do que recebe um soldado reformado em operações privadas no exterior.
Especialistas em segurança explicam que a indústria mercenária passou por uma mudança importante após os ataques às Torres Gêmeas de Nova York em 2001. O início da chamada “guerra ao terror”, inclusive, foi parcialmente financiada por empreiteiros privados.
E esses movimentos já vinham crescendo aos poucos: depois da Guerra Fria, argumentam os pesquisadores, os Estados Unidos estavam interessados ??em terceirizar intervenções militares em países pequenos, mas com conflitos complexos. O objetivo era reduzir o impacto político do sacrifício de tropas americanas em operações do tipo.
“As guerras no Iraque e no Afeganistão permitiram que a indústria militar privada amadurecesse, com redes mercenárias estabelecidas e o desenvolvimento de um padrão de melhores práticas”, escreve Sean McFate, especialista em segurança americano.
O setor contou com a criação de empresas como a Blackwater, uma companhia militar privada que, segundo relatórios do Departamento de Estado dos Estados Unidos, treinou militares e paramilitares colombianos em 2005.
McFate explica em um de seus ensaios que outros países “imitam o modelo americano, e todos os dias novos grupos militares privados surgem em países como Rússia, Uganda, Iraque, Afeganistão e Colômbia. Os serviços são mais robustos do que os da Blackwater, eles oferecem maior poder de combate e disposição para trabalhar pela oferta mais alta, com pouca consideração pelos direitos humanos. Eles são mercenários em todos os sentidos da palavra”.
A Colômbia, inclusive, entrou na guerra contra o terrorismo com o apoio do presidente Álvaro Uribe, que governou o país entre 2002 e 2010, e já tinha uma experiência consolidada na contratação e na criação de empresas de segurança privada.
Nos anos 1990, o país afrouxou as leis para a criação desse tipo de empresa militarizada, com o objetivo de fortalecer os grupos que enfrentavam a guerrilha no campo.
“O dilema do país é optar por ter ou não ter cooperativas de segurança rural”, disse o então ministro da Defesa, Fernando Botero Zea. “A verdadeira escolha é entre permitir cooperativas supervisionadas pelo Estado ou ter o desenvolvimento descontrolado de grupos de autodefesa e paramilitares criados fora da lei”.
O resultado foi, no entanto, uma consolidação dos exércitos paramilitares por lá. Em paralelo, a Colômbia já era a principal aliada dos americanos na luta contra o narcotráfico.
O famoso Plano Colômbia, um programa multimilionário de combate ao tráfico de drogas, tornou o país o maior destinatário de assistência militar dos Estados Unidos na América Latina. E isso também ajudou a desencadear a criação de empresas de segurança privada no país.
De acordo com um relatório de 2011 do Comitê de Segurança Interna do Senado dos Estados Unidos, entre 2005 e 2009, o governo gastou 3,1 bilhões de dólares (R$ 15,5 bilhões) em contratos privados para políticas contra os narcóticos na América Latina.
Esse valor representa um aumento de 32% nos investimentos na área dentro desses quatro anos. A maioria das empresas contratadas nesse esforço de guerra estava justamente na Colômbia.