Por Elaine Tavares.
Sempre me encantou a cidade de Porto Alegre. Desde que me lembro, é muito comum ver os velhos circulando pelas ruas, no comércio e principalmente nos restaurantes. Geralmente são aqueles que vivem sozinhos os que têm o costume de comer fora, por conta da comodidade. E é bacana ver como os restaurantes estão completamente adaptados à presença dessas pessoas que, ao contrário dos adultos, são lentas e, por vezes confusas. Sempre há um trabalhador pronto para ajudar, e no mais das vezes, sorridente e prestativo.
Mas, penso que isso é uma raríssima exceção. No geral, as pessoas tratam muito mal os velhos, ignorando que eles estão num outro patamar da realidade, completamente diferente da loucura que já foi incorporada pela maioria das gentes, desse mundo acelerado e tecnológico. No serviço público, a situação é lamentável. Outro dia, levei meu pai a UPA do Sul, por conta de uma febre de 39 graus. Ele tem 85 anos e sofre do mal de Alzheimer. O enfermeiro que o atendeu para a triagem pediu que ele colocasse o termômetro embaixo do braço. E o pai completamente confuso, atarantado pela febre, deixava o termômetro cair. Foi assustadora a reação do rapaz. Falou com o pai de maneira desrespeitosa, voz alta, ríspido.
-Eu já coloquei esse termômetro três vezes, tem de segurar.
Pois não via ele que ali estava um velhinho doente? Não podia ter um pouco de paciência? Não! Não teve o cuidado de tratar com carinho alguém que não estava no seu normal. E que nem fosse carinho, mas com um pouco de respeito pela condição da pessoa idosa.
Da mesma forma são absurdas as regras do SUS. Para marcar consulta o velho tem de ir até o Posto, ficar na fila, às seis da manhã. Tem a opção de marcar pelo telefone, mas no geral é para dois ou três meses. Logo, se quer ser atendido tem de ir para a fila. Não importa se está doente, se não pode caminhar, se está com febre. Também o remédio de uso contínuo só pode ser retirado pelo paciente, “para evitar fraudes”. E olha que nunca uma palavra significou tão bem: paciente. Haja paciência para lidar com tudo isso. Quem mora longe do posto, e não tem carro, cada vez que precisa pegar o remédio tem de carregar o velhinho, todo estropiado, pelo transporte desintegrado. Um absurdo. Com certeza deve ter uma forma mais humana de lidar com isso sem dar moleza para a fraude.
Mas um dos lugares onde o velho mais padece é no banco. Obrigado que é a receber sua aposentadoria nessas malditas casa de usura, lá vai ele todo o mês para retirar seu pagamento. Os mais velhos não conseguem acompanhar a loucura da informatização. E por mais que o funcionário explique, a coisa é incognoscível. Experimente tentar ensinar como é que retira o dinheiro aplicando a senha de 4 dígitos, depois a senha de letras e números e toda aquela sorte de botões. Não dá! É impossível. Outro dia vi uma velhinha chorado copiosamente, dizendo: “não entendo, não entendo”. E não podia entender mesmo, e o funcionário fazendo cara de paisagem. Por que, com todos os caralhos, não capacitam essa gente para lidar com os velhos? Isso deveria ser prioridade num país onde o número de velhos aumenta significativamente a cada ano.
Tenho andado por aí com meu pai e vivenciado essas experiências todo o dia. É de arrasar. Porque a gente fica pensando que um dia também vai chegar nossa hora e teremos de igualmente viver toda essa sorte de humilhações e desrespeitos.
O velho pertence à classe dos homens e mulheres lentos. Tudo neles é pausado, tranquilo, vagaroso. Eles demoram a decidir a comida, eles demoram em entender as sentenças imperativas, eles se confundem com os sinais, as placas, eles param no meio da rua para olhar os passarinhos, eles escutam, mas por vezes não ouvem, eles se distraem com uma música, eles caminham bem devagar, eles são frágeis e precisam que as pessoas lhe toquem o braço, sorriam e repitam várias vezes as mesmas coisas, sem exasperação, sem rispidez, sem pressa. Eles não são crianças, para serem tratados como bebezinhos. São velhos. Portanto precisam que as pessoas os reconheçam na sua capacidade e autonomia. Estão baleados, mas ainda sabem quem são. Estão confusos e lentos, mas ainda podem tomar decisões sobre as coisas. Só demoram um pouco mais.
Fico pensando que, talvez, quando os capitalistas descobrirem que os velhos são também “consumidores”, quem sabe comecem a mudar a forma de atender, respeitando essa diferença. Mas, seria bom que as pessoas já pensassem sobre isso e começassem a mudar no trato com eles. Não custa nada desacelerar e ouvir delicadamente a confusão. Depois, ir desenrolando o novelo da desordem, com carinho e atenção. Veja o velho como um espelho. Ele é tu amanhã.
E a considerar a reforma da Previdência que o governo Temer está planejando para os brasileiros, o destino de todos os trabalhadores será esse: de sofrimento, miséria e desrespeito. Barrar a reforma é preciso, mas ainda há muita estrada para caminhar no que diz respeito ao cuidado com os velhos do Brasil.