São Paulo – Há 10 dias, ataques armados de garimpeiros contra indígenas Yanomamis tem ocorrido de forma sistemática na aldeia Palimiu, na região Uraricoera, no interior da Terra Índigena (TI) Yanomami, em Roraima. Pelo menos duas crianças já morreram afogadas, depois de se perderem durante a fuga no primeiro dia dessa sequência de ataques, em 10 de maio, de acordo com a Hutukara Associação Yanomami (HAY). No domingo (16), por volta das 21h40, 15 barcos se aproximaram da comunidade e dispararam, além de tiros, bombas de gás lacrimogêneo.
A fumaça, que pode levar à asfixia quando inalada, se espalhou pela comunidade que, há sete dias está sem profissionais de saúde para atendê-los. Em paralelo, a divulgação de bombardeiros também tomam o noticiário internacional, com as denúncias de truculência por parte de Israel à população da Palestina. No mesmo dia que se iniciaram os ataques aos Yanomamis, uma onda de violência se espalhou naquela região do Oriente Médio. Já são mais de 200 mortos, incluindo crianças e idosos e milhares de feridos. Levantamento das Nações Unidas aponta ainda que 132 prédios foram destruídos e outros 316 danificados pelos ataques aéreos na Faixa de Gaza, na Palestina.
Entre os escombros, estão ainda seis hospitais, nove centros de saúde, e a Usina de Dessalinização. O que tem dificultado o acesso à água potável para cerca de 250 mil pessoas da região. A ONU calcula também que a hostilidade de Israel forçou o deslocamento de ao menos 52 mil palestinos. Mas, para além da coincidência das datas, os dois conflitos que acometem indígenas no Brasil e a Palestina têm muito em comum. É o que destaca o professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), Wagner Ribeiro, em sua coluna na Rádio Brasil Atual.
Yanomamis e palestinos: a mesma colonização
Vice-coordenador do Laboratório de Geografia Política da USP, Ribeiro afirma, em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, que os dois conflitos “tratam de uma questão territorial”. Segundo o geógrafo, é a luta pela soberania dos palestino e pela autodeterminação dos povos indígenas que provocam a oposição daqueles que buscam o controle e posse dos territórios, para interesses políticos e econômicos. A disputa acontece, porém, no caso do Brasil, em um território reconhecido pela Constituição Federal – a Carta Magna do país. Assim como a Palestina, atestada pela comunidade internacional e a própria ONU, na partilha em 1947.
“No caso dos Yanomamis estamos assistindo um massacre, infelizmente, que pode ser classificado como genocídio, etnocídio, a tentativa de se extinguir um grupo social. E isso é muito sério e não muito diferente da situação da Palestina”, explica. O poder de fogo usado contra ambos ainda revela em comum “como a extrema direita coordena, lidera e age em relação à alteridade, o direito de ser outro. Ao não reconhecer a possibilidade de que um grupo social possa ter a sua singularidade como manifestação e expressão de vida”, detalha Ribeiro.
“Indígenas e palestinos são afrontados por ações militares consentidas ou não, às vezes com ação do Estado, como Israel, e outras vezes com as vistas grossas do Estado que permite esse tipo de ação nas terras Yanomami”, explica. No Brasil, por exemplo, é o presidente da República, Jair Bolsonaro, o principal responsável por acirrar os conflitos territoriais, potencializando os ataques, em nome de interesses econômicos, como a exploração mineral em TI por meio dos garimpos.
As ameaças aos Yanomamis
Esse tipo de exploração, no entanto, é devastadora para o meio ambiente e implica, necessariamente, na derrubada da floresta. Atingindo, portanto, a organização e modo de vida dos povos tradicionais. Os principais responsáveis por manter a floresta em pé e com ela os serviços ambientais que contribuem para todo o mundo. Todas essas contribuições estão em risco, uma vez que os indígenas e, principalmente, os Yanomamis nunca estiveram tão ameaçados quanto agora.
Na mais recente ofensiva, os garimpeiros são ligados à facção paulista PCC, como comprovou reportagem da Amazônia Real. A organização, que domina o tráfico de drogas em Roraima, tem potencial para tornar a situação insustentável para os Yanomamis que já sofrem com invasões históricas que levaram doenças, como a do novo coronavírus, a malária e a desnutrição para dentro das TIs.
O acesso à água pelos palestinos
A questão ambiental também está presente no conflito árabe-israelense, de acordo com o geógrafo da USP. “Há uma tese de doutorado, defendida por Guilherme Rodrigues, que tive o prazer de orientar, em 2010. É um trabalho muito interessante, que já mostrava naquele momento ações geopolíticas do estado de Israel, especialmente pelo exército, que destruíam toda e qualquer infraestrutura de captação de água em território palestino”, aponta.
O estudo identifica a água como mais um elemento político na disputa do conflito e as preocupações de Israel sobre a sua segurança hídrica em meio a dificuldade de acesso pelo povo palestino. Na região ainda, tomada por invasões de colônias judaicas, até a geografia dos muros erguidos por Israel para enclausurar a Palestina, reflete esses interesses, ao desviar as paredes de concreto para incorporar as nascentes, conforme garante o professor.