Guerra sem fim no Complexo do Alemão

Base da UPP do Alemão foi depredada por manifestantes
Base da UPP do Alemão foi depredada por manifestantes

Guerra sem fim no Alemão prejudica acesso a serviços de saúde e educação. Quem sai perdendo, como sempre, é a população privada do acesso a serviços básicos.

Por Flavio Araujo, Marcello Vitor, Felipe Carvalho, e Athos Moura.

Educação?

O Complexo do Alemão é atendido por 15 unidades escolares do estado e outras 33 do município, que, juntas, oferecem 25.960 vagas desde a creche até o ensino médio. O desafio é ensinar e aprender em estado de permanente tensão.

Segundo a aposentada Ana Maria Alves, moradora de Inhaúma, o neto dela, aluno de uma escola municipal próxima da Nova Brasília, repetiu de ano por conta do excesso de faltas. “Eu não deixava meu neto ir à escola por causa dos tiroteios e, mesmo se permitisse, os ônibus não param nos pontos em dia de confronto. Entre ter meu neto debaixo da terra e repetir o ano, optei pela reprovação”, conta.

Segundo Pedro Campos, de 31 anos, que deu aulas de História no Alemão entre os anos de 2013 e 2014, o professor, além de se sentir exposto, se sente frustrado, por compreender a importância de sua presença numa área de risco.

Pedro conta que os próprios alunos enviavam mensagem pelo celular para que ele não fosse trabalhar por causa do clima tenso. “Os alunos são aliados dos professores para fugir da insegurança. Mas na maioria das vezes éramos informados pela própria escola sobre a impossibilidade de trabalharmos. Quando recebi uma outra proposta de emprego, aceitei”, disse o professor.

A Secretaria estadual de Educação informou que 38 professores das escolas do entorno do Complexo estão em licença. O município não informou quantos professores estão licenciados.

Saúde sem médicos nem estrutura

A situação de exposição ao risco se repete entre os profissionais de saúde. Segundo o presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro (Sinmedrj), Jorge Darze, as reclamações da classe são a falta de segurança e de estrutura.

Darze contou que, na UPA e na Clínica da Família que atende ao Complexo, a rotatividade é grande, e a maior parte das alegações para o desligamento é a violência. “Os médicos são submetidos a trabalhar em condições ruins e sem segurança. Além de enfrentar toda a violência, ele ainda vê a população se virando contra o médico por causa da precariedade do atendimento”, disse ele.

Menino de 10 anos morto em operação

Os gritos de um grupo de moradores para policiais militares, em vídeo postado nas redes sociais, ficam ainda mais chocantes quando a câmera do celular é voltada para o corpo de Eduardo Ferreira, de 10 anos. Em meio a uma poça de sangue, ele tinha se tornado a mais recente vítima inocente da guerra que os moradores do Complexo do Alemão vivem há cerca de 90 dias.

Eduardo Ferreira estava sentado com o caderno escolar na porta de casa quando foi atingido.

A Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) informou que houve um confronto entre bandidos e PMs do Batalhão de Choque — que desde quinta-feira está no Complexo, assim como o Bope e outras forças especiais — e o garoto foi atingido. As armas dos PMs foram recolhidas para perícia, a Delegacia de Homicídios foi acionada e um Inquérito Policial Militar, instaurado, segundo comunicado da CPP.

Testemunhas que pediram anonimato contaram outra versão. “O menino estava estudando com um caderno na porta de casa. O policial atirou e ficou dizendo que o garoto estava com arma. Depois que os moradores foram para cima dele, ele fugiu”, relatou um vizinho da vítima.

Um dia antes, a dona de casa Elizabeth Alves de Moura Francisco, de 41 anos, morrera ao ser baleada dentro de casa. Quinta-feira, o marido de Elisabeth desabafou no Instituto Médico Legal. “Já tive muita vontade de deixar (o Alemão), mas ainda tenho esperança de viver dias melhores. De ver paz por lá. Hoje, o policial atira para tudo quanto é lado. Se veem que alguém correu, mandam bala sem piedade e direção. Falta preparo”, disse Carlos Roberto Francisco, de 59 anos.

Incêndio de uma base da UPP no Alemão

A repetição diária dos tiroteios pode ter sido o motivo de outro episódio ocorrido nes quinta: a depredação e incêndio de uma base da UPP no Alemão, pela manhã. Na base da UPP da Rua Canitar os policiais militares que atuam na região viram quinta-feira de manhã o contêiner onde já funcionou a unidade virar alvo de depredação e fogo, supostamente em protesto de moradores contra o número de vítimas inocentes atingidas em confrontos. Além da dona de casa Elisabeth Moura, 49, e do menino Eduardo Ferreira, de 10 anos, que morreram, outros moradores já foram vítimas de balas perdidas.

Quarta-feira, D., de 15 anos, foi baleado na Fazendinha e os policiais disseram que ele estava entre os traficante que atiraram. “Não acredito que meu filho seja bandido e que ele estivesse com uma pistola trocando tiros com a polícia. Se não fosse um morador socorrê-lo, ele estaria morto”, disse Waldenir Pereira da Silva, 45, em visita ao Hospital Getulio Vargas, onde o adolescente está internado. O pai, no entanto, admitiu que o garoto passava muito tempo fora de casa.

A violência na região se espalha pelo Complexo da Penha, vizinho ao Alemão. Quinta-feira de manhã, um menor de 17 anos foi baleado na perna durante troca de tiros entre policiais da UPP Parque Proletário e criminosos. Um PM caiu de uma laje e feriu o ombro. Ambos foram medicados no Getúlio Vargas.

Em outubro do ano passado, dois contêineres da UPP Lins foram totalmente incendiados em um protesto. Em fevereiro do mesmo ano, caso semelhante mais grave foi registrado na comunidade do Mandela, no Complexo de Manguinhos, quando cinco contêineres, um ônibus e várias viaturas da PM foram atacados e queimados.

Em nota oficial, o governador Luiz Fernando Pezão comentou quinta os recentes episódios de violência. “É minha também a dor das famílias vitimadas. Lamento profundamente e determinei empenho máximo à polícia nas investigações para que os culpados sejam punidos”.

Fonte: O Dia 

 

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