“Guardiões da terra”, povos Guarani resistem a empreendimento em SP

Povos Guarani ocuparam terreno de construtora ao lado da aldeia no Jaraguá e afirmam que lutam para salvar suas “irmãs”: as árvores

Thiago Henrique Karai Jekupe é uma das lideranças Guarani | Foto: Caio Castro/Ponte Jornalismo

Por Caio Castor e Paloma Vasconcelos.

Os povos Guarani que moram nas Terras Indígenas Jaraguá, nos arredores do Parque Turístico do Jaraguá, na zona norte da cidade de São Paulo, podem ser extintos. É o que diz Thiago Henrique Karai Jekupe, 25 anos, uma das lideranças locais.

O motivo é uma construção imobiliária que pretende erguer pelo menos 800 apartamentos para famílias de baixa renda no local, onde hoje existem milhares de árvores. A construção, afirma Thiago, pode acabar com a cultura e o modo sagrado de vida dos indígenas das seis aldeias da região. O local fica a cerca de 100 metros da aldeia.

“Temos um histórico de luta aqui. É dito que nós estamos no meio da cidade, mas a verdade é que a cidade cresceu ao nosso entorno. Essa selva de pedra não para, vemos isso com essa resistência”, defende Thiago.

“Lutamos pela nossa demarcação, lutamos contra a criminalização dos povos indígenas, lutamos para manter a nossa cultura, preservar nossa língua e nossa crença”, afirma a liderança.

Para lutar contra o que os povos Guarani estão chamando de crime ambiental, os indígenas da Tekoa Ytu, menor aldeia da cidade, ocuparam o terreno no dia 30 de janeiro. A construtora Tenda, responsável pela construção, já derrubou cerca de 500 árvores, entre elas exemplares de cedro, árvore sagrada para os Guarani.

Indígena fumando cachimbo na entrada da ocupação | Foto: Caio Castro/Ponte Jornalismo

Na tarde de quarta-feira (5/2), os indígenas receberam a informação de que uma reintegração de posse havia sido autorizada pela Justiça. A desocupação estava marcada para manhã desta quinta-feira (6/2), por volta das 6h da manhã, mas, apesar da tensão e do temor dos Guarani, ela não aconteceu.

Por volta das 5h, alguns indígenas que dormiram ali para proteger o terreno já estavam acordados. Eles acenderam uma fogueira para se esquentar e, assim, começar a preparar a primeira refeição do dia.

A fogueira foi acessa por volta das 5h40 e iniciou o dia dos Guarani | Foto: Paloma Vasconcelos/Ponte Jornalismo

Thiago conta que a Tenda procurou a comunidade e informou que apenas árvores isoladas seriam derrubadas. A construtora também afirmou que tinha autorização da Funai (Fundação Nacional do Índio) para realizar a construção no local. O documento, segundo Thiago, apenas afirma que as terras ali não estavam demarcadas.

“A Tenda pegou esse documento e usou de má fé dizendo que a Funai teria autorizado eles a fazer essa obra. Mas a autorização não funciona dessa forma, tem que ter o estudo para dizer se é viável construir a obra ou não”, explica.

Quando uma árvore sagrada morre, os indígenas fazem uma cerimônia fúnebre em sua homenagem. Foi por isso que eles entraram no terreno, quando perceberam que centenas de árvores foram mortas pela construtora.

Na decisão de reintegração de posse, a juíza Maria Cláudia Bedotti, da 4ª Vara Cível, afirma que o tempo de cerimônia, porém, já havia ultrapassado o período suficiente, “não se podendo admitir que os índios permaneçam o imóvel indefinidamente, tampouco para fins outros que não o propósito divulgado”.

Foto: Caio Castro/Ponte Jornalismo

Os povos Guarani afirmam que a Tenda não respeitou duas legislações federais iniciando a derrubadas das árvores: a Portaria Interministerial nº 60 de 2015, que determina que nenhuma obra possa ser feita a 8 quilômetros de uma terra indígena sem o estudo de impacto ambiental e sociocultural, e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais, que garante a consulta prévia aos indígenas sempre que uma obra causar impacto na comunidade.

No lugar da construção da Tenda, os Guarani pedem que seja feito um Parque Ecológico gratuito para realização de bioconstrução, agrofloresta, espaço de educação ambiental e preservação da história de seu povo

“Não vamos deixar que nenhuma árvore seja tombada. É um direito de todos nós de defender o meio ambiente, pois aqui é uma área remanescente de Mata Atlântica, uma mata contínua do Pico do Jaraguá e nós devemos proteger essa área”, crava Thiago.

O cedro, árvore sagrada para os povos Guarani, está entre as árvores derrubadas | Foto: Caio Castro/Ponte Jornalismo

Maria Arapoty, 54 anos, uma das lideranças femininas da aldeia, conta o histórico de luta dos Guarani. Ela mora nas Terras Indígenas Jaraguá há mais de 30 anos: “A gente se sente muito acuada. Nesses anos que estou aqui na nossa aldeia aprendi a lutar pelos nossos direitos, a cuidar da nossa natureza. O único lugar de Mata Atlântica que nós temos é aqui no Jaraguá e muito pelo povo Guarani estar aqui. Dependemos muito da mãe terra, da natureza”.

Outra liderança feminina que representa a juventude da aldeia, Tamikuã Txihi, 26 anos, lamenta a derrubada das árvores, a quem chama de “irmãs”. “Queremos respeito para os povos originários dessa terra chamada Brasil. Cada uma dessas árvores que eles derrubaram tem um espírito. A Tenda não falou com a comunidade sobre o impacto social e ambiental. Estamos aqui porque somos os guardiões dessas terras”.

Em nota, a Funai informou que “os indígenas da Terra Indígena Jaraguá aguardam de forma pacífica uma resposta da Prefeitura de São Paulo sobre a suspensão do corte de árvores em uma obra da Construtora Tenda nas imediações daquele território indígena”.

Outro lado

Ponte procurou a Construtora Tenda por e-mail. A construtora alega que “o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concedeu liminar para a reintegração de posse do terreno que abrigará empreendimento imobiliário destinado exclusivamente à moradia popular”.

A Tenda também afirma, em nota, que “respeita os questionamentos da comunidade indígena local e reitera que o projeto prevê preservação de 50% da área” e que “o empreendimento irá levar infraestrutura e saneamento à região, além de beneficiar até 2 mil famílias de baixa renda, por meio do programa Minha Casa, Minha Vida”.

“A primeira fase do projeto favorece 880 famílias e atende a todos os procedimentos necessários para a legalização do empreendimento nas três esferas do Executivo, incluindo autorização para o manejo arbóreo, que prevê a supressão de 528 árvores, o replantio de outras 549 no local e a doação de 1.099 mudas para o município”, finaliza a empresa.

A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria de Habitação, informou que a construção foi aprovada em 10 de janeiro e afirma que “o perímetro objeto da aprovação é classificado como Zona Especial de Interesse Social — com vegetação já demarcada como bosque — e não está sobre área indígena, não sendo necessária consulta a órgão de defesa de direitos indígenas”.

A Prefeitura completa que o terreno, por estar localizado em ZEIS, é destinado exclusivamente para construção de unidades habitacionais para famílias de baixa renda.

“As questões ambientais foram devidamente tratadas no Termo de Compromisso Ambiental firmado junto à Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, que prevê a supressão de 528 exemplares arbóreos e a compensação ambiental com o plantio de 549 mudas no local”.

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