Guantánamo: Cartas narram punição contra detentos em greve de fome

Documentos revelam que a greve em Guantánamo foi uma campanha deliberada para esmagar o moral dos detidos. 

Guantánamo

Imagem mostra uma das entradas do campo de Guantánamo, prisão militar dos Estados Unidos

Por Mark Townsend.*

Os militares dos Estados Unidos usaram secretamente diversas táticas para quebrar a decisão dos grevistas de fome na baía de Guantánamo, que incluíam colocá-los em confinamento solitário se continuassem a recusar alimentação, como revelam entrevistas com os detidos, recém-divulgadas.

Um prisioneiro também disse que o último residente britânico mantido no campo, Shaker Aamer, 44, foi visado e humilhado pelas autoridades ao ponto de que se tornou impossível para ele continuar seu protesto.

Os militares norte-americanos anunciaram recentemente o fim da greve de fome iniciada há seis meses entre os prisioneiros na baía de Guantánamo. Mas grupos de direitos humanos afirmam que essas declarações são enganosas, pois pelo menos 16 detentos ainda são alimentados à força diariamente e dois estão no hospital.

Um detido, o sírio Abu Wa’el Dhiab, de 42 anos, relatou que a equipe Força Reação Extrema, o esquadrão militar antimotins do campo, “invadia” a cela de Aamer cinco vezes por dia, na tentativa de quebrar sua decisão durante a greve.

Em cartas que contam o tratamento dado a Aamer, que só agora foram desclassificadas como secretas. Wa’el disse: “Eles o privaram de comida, água e remédios. Depois o esquadrão antimotins usa a desculpa de lhe dar água, comida e remédios para invadir sua cela novamente”.

Wa’el, que como Aamer passou 11 anos no campo, acrescentou: “Eles o levaram à clínica, rasgaram suas roupas e o deixaram só de cueca durante horas, provocando-o”.

Outro detento, Samir Mukbel, do Iêmen, que também teve sua libertação autorizada, alegou que atirar os prisioneiros no isolamento ajudou a encerrar o protesto, que durou mais de 200 dias e atraiu grande atenção internacional, fazendo o presidente Barack Obama reiterar sua intenção de fechar o campo.

Ahmed Belbacha, um detido argelino que teve sua libertação anunciada, confirmou a alegação de que o confinamento solitário era usado como punição para os prisioneiros que faziam declarações políticas. Belbacha, de 43 anos, descreveu como as autoridades puniam os grevistas de fome confiscando seus pertences. “Meus óculos, documentos, pasta e escova de dentes, todas as minhas necessidades foram levadas”.

Os depoimentos de Belbacha, Mukbel e Aamer estão entre os que foram apresentados em uma animação narrada pelos atores David Morrissey e Peter Capaldi, mostrando a vida em Guantánamo. O filme também usa depoimentos do recém-libertado Nabil Hadjarab, fornecidos por seus advogados da organização jurídica Reprieve.

Mukbel, de 35 anos, acrescentou que outras táticas foram utilizadas para reduzir a duração da greve de fome. Ele disse que a temperatura era deliberadamente manipulada para tornar as condições no interior do campo ainda mais desconfortáveis. Mais: durante a greve de fome as buscas nas celas eram programadas para atrapalhar o sono dos detidos.

Cori Crider, um advogado da Reprieve disse: “As autoridades norte-americanas anunciaram com certa alegria que a greve de fome terminou. O que elas deixaram de contar são as coisas horríveis que fizeram para esmagar o moral dos grevistas, como meus clientes descreveram. No entanto, ainda há pelo menos 16 homens em greve e sendo brutalmente alimentados à força duas vezes por dia”.

Os advogados de Aamer, entretanto, estão preocupados com sua saúde. Ele recusou uma visita e três telefonemas desde agosto, e sua família, que mora no sul de Londres, teme que seu tratamento tenha enfraquecido perigosamente sua saúde. Enquanto isso, soube-se que o primeiro-ministro David Cameron escreveu recentemente para o presidente Obama em mais uma tentativa direta, destinada a “garantir a libertação de Aamer e seu retorno ao Reino Unido”.

Em outros lugares, o ímpeto para conseguir a libertação dos 164 detidos parece estar crescendo, com notícias na semana passada de que o Pentágono indicou um novo enviado para a tarefa polêmica de finalmente fechar Guantánamo. Autoridades de vários órgãos do governo deverão reavaliar as determinações anteriores de que alguns homens detidos na base norte-americana em Cuba são perigosos demais para ser libertados.

Os EUA ainda não disseram quantos dos 164 prisioneiros atualmente em Guantánamo terão a pena revisada. Mais de 80 já tiveram sua libertação ou transferência autorizada, mas continuam detidos por causa de restrições impostas pelo Congresso ou porque são do Iêmen, que é considerado instável demais para receber ex-prisioneiros.

* The Observer

Foto: Chantal Valery / AFP

Fonte: Carta Capital

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