Grupos de mulheres enfrentam o projeto de lei que aumentará o risco de vida de mulheres e recém-nascidos no Brasil

Uma deputada do PSL tentou apresentar na semana passada, em caráter de urgência, por dois dias consecutivos, o Projeto de Lei 435/2019 que supostamente dará autonomia às mulheres para escolherem fazer uma cesárea no Sistema Único de Saúde.

Hoje, quando se realiza uma cesariana é preciso constar em prontuário qual o motivo que leva à escolha da cirurgia, isso é importante visto que a cesárea trás riscos a saúde das mulheres e dos recém-nascidos.

No Sus temos hoje uma taxa de 42% de cesáreas e na rede privada aproximadamente 80%. A recomendação da OMS é que somente 10% a 15% dos bebês nasçam de cesariana, que é a estimativa dos casos que realmente precisam da intervenção.

Entre os argumentos para esse projeto de lei, está o de que não é justo que as mulheres que tem planos de saúde possam “escolher” por uma cesariana e as mulheres no sistema público não tenham esse “direito”. A primeira vista o projeto pretende corrigir uma desigualdade, mas precisamos olhar essa questão com cautela para entender qual a raiz do problema.

Entendendo a violência obstétrica e por que muitas temem o parto normal no Brasil

Historicamente, o Brasil é um país com longa história de violência obstétrica, tanto no setor público, quanto no privado. O termo Violência Obstétrica foi uma conquista importante dos movimentos de mulheres pois coloca em evidência algumas práticas que ainda que rotineiras e as vezes sem intenção de ferir, ferem.

O uso rotineiro e indiscriminado de ocitocina (para acelerar o parto), a manobra de Kristeller (onde se empurra a barriga para fazer o bebê nascer mais rápido), a episiotomia de rotina (corte na vagina), a não permissão de acompanhantes obrigando a mulher a ficar sozinha durante o trabalho de parto, além de agressões verbais, são alguns exemplos de pôr que precisamos falar sobre violência obstétrica.

Essa longa trajetória de violência, fez com que no início dos anos 80, nas cidades do Sul e Sudeste do Brasil as taxas de cesárea começassem a subir no país, pois ter acesso a uma cesariana sem precisar “sofrer” o parto se tornou uma questão de status. O parto normal passa ser popularmente conhecido como parto de mulheres “pobres” e o projeto pretender dar equidade “dando” cesáreas para todas.

Ou seja, não se propõe resolver o problema de fundo, simplesmente se propõe andar, mais ainda, na contramão de um desafio que o Brasil já tem, que é baixar as taxas de cesárea no nosso país.

Cesárea é ruim?

Em primeiro lugar é importante lembrar que é uma cirurgia e apesar de parecer redundante dizer isto, não é.

É uma cirurgia altamente banalizada no Brasil, e muitas mulheres não só não gostariam de passar por ela, como em geral, não são informadas sobre os reais riscos da mesma.

A cesariana aumenta o risco de prematuridade, infecção na mãe e no recém-nascido, hemorragia materna, choque anafilático, complicações em futuras gestações, entre outras consequências e impactos na vida e saúde das pessoas nascidas por cesariana.

Por outro lado é uma cirurgia que, quando é necessária, aumenta muito os bons resultados frente a complicações no pré natal e no parto.

O Parto Normal é melhor?

Sim, a melhor via para se nascer é o parto normal. Todas as mulheres poderão ter um parto normal? Não, alguns casos (estimados entre 10 e 15% das gestações) que a cesariana será a melhor via de nascimento.

Essa afirmação vem de grandes estudos realizados em todo o todo o mundo e é consenso entre Organização Mundial de Saúde (OMS), Organização das Nações Unidas (ONU), Unesco, além dos Ministérios da Saúde do Brasil e dos demais países no mundo.

Uma gestação de risco habitual, ou seja, uma gestação que correu bem e sem intercorrências, o parto normal deve ser a via de escolha. Também nos casos de alto risco o parto normal é muitas vezes a melhor via de nascimento, mas cada caso deve ser avaliado pela equipe médica.

O primeiro benefício do parto normal espontâneo é que o bebê sinaliza que está pronto para nascer. Isso diminuiu muito o número de bebês prematuros e as consequências da prematuridade. Também existe um “despertar” neurológico e imunológico durante a passagem do bebê pelo canal vaginal materno. Tanto o corpo materno quanto do feto se preparam melhor para amamentação quando passam pelo parto normal. O risco de hemorragia em uma cesárea é de duas a três vezes maior que um parto normal. A cesariana necessariamente precisa ser com anestesia, aumentando as chances de reações adversas, como o choque anafilático. Já, o parto normal, pode ou não ter anestesia. A recuperação de um parto normal é muito mais rápida que de uma cesariana e isso é importante principalmente quando já existem outros filhos que precisam ser cuidados pela mulher.

Uma pesquisada realizada em 2011 no Brasil mostrou que 70% das brasileiras querem tentar um parto normal, porém ao longo do pré natal vão sendo desencorajadas e assustadas em relação a esse processo, em grande parte por medo de sofrerem intervenções e terem desfechos negativos, acabam desistindo e aceitando a cesárea.

O que sim vale dizer é que no PL 435/2019 está contemplado o direito a analgesia durante o parto, hoje não disponível no SUS. Essa medida pode ajudar mulheres informadas das vantagens e riscos da anestesia a se sentirem mais encorajadas a terem um parto normal.

Os movimentos de mulheres a favor do parto normal

Nas duas tentativas de aprovar essa lei sem que haja tido uma discussão técnica sobre o assunto, foi a presença do movimento de mulheres e algumas deputadas e deputados que conseguiram adiar a votação, porém nesse dia 11/06/19 novamente o projeto será apresentado.

Hoje, novamente os grupos de mulheres e pessoas preocupadas com o projeto de lei irresponsável proposto pela Deputada Janaína Paschoal, farão resistência à votação do projeto.

O que as mulheres querem é uma atenção de qualidade, segura e acolhedora para seus partos, ou seja, serem respeitadas em sua diversidade e que se coloque fim à violência praticada rotineiramente nas instituições de saúde.

Para saber mais:

Sobre a OMS e as taxas de cesárea: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.pdf;jsessionid=7DB8E8876966E1BF27664809A018A2DF?sequence=3

Pesquisa Nascer no Brasil: http://www6.ensp.fiocruz.br/nascerbrasil/

Sobre o Parto normal: http://www.ans.gov.br/parto-e-normal

obstetriz formada pela USP, atua no Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde e colaboradora da REHUNO em saúde- Rede Humanista de Notícias em saúde

Imagem de capa: Pintura “Mater” de antton idiazabal

 

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