“Grupo extremista Hezbollah”, o novo “espantalho” midiático para justificar as ações de Israel. Por Francisco Fernandes Ladeira.

Este tipo de linha discursiva, ao recorrer à prática conhecida como “jornalismo de adjetivação”, busca induzir o público a acreditar que, de um lado, há um Estado soberano, em seu legítimo direito de defesa; e, de outro lado, há uma “organização extremista”, cujas ações não têm nenhum tipo de legalidade.

Por Francisco Fernandes Ladeira.

É tradição nos noticiários internacionais da grande imprensa brasileira. Cada nova ação bélica de Israel é acompanhada de determinadas manipulações midiáticas, visando “justificar o injustificável” e esconder a realidade, ou seja, o fato de o Estado sionista ser o principal fator de instabilidade geopolítica no Oriente Médio.

Como se sabe, desde que foi arbitrariamente criado, em 1948, Israel está em constante estado de guerra contra os palestinos (em particular) e seus vizinhos árabes (de maneira geral). Tal situação não seria possível, ao menos no campo discursivo, se não fosse o incondicional apoio dos veículos de comunicação do Ocidente (incluindo, naturalmente, a grande imprensa brasileira).

Assim, o caráter colonial/expansionista do projeto sionista e as décadas de genocídio do povo palestino são estrategicamente ocultados nos noticiários, fator que permitiu a construção da narrativa de Israel como “vítima” dos “raivosos, fanáticos e selvagens” vizinhos árabes. Além disso, há a clássica cartada de rotular qualquer crítico a Israel como “antissemita”, como se o sionismo representasse todos os judeus.

Nos últimos dias, em mais um capítulo de seu vasto histórico beligerante, Israel promoveu uma série de ataques na região sul do Líbano. O argumento da vez, logo comprado pela mídia hegemônica, é combater o Hezbollah, grupo político e militar com forte influência na política de Beirute. Nesse sentido, surgiu a manchete, repetida ad nauseam nos maiores jornais, emissoras e portais de internet do país: “Conflito entre Israel e grupo extremista Hezbollah”.

Este tipo de linha discursiva, ao recorrer à prática conhecida como “jornalismo de adjetivação”, busca induzir o público a acreditar que, de um lado, há um Estado soberano, em seu legítimo direito de defesa; e, de outro lado, há uma “organização extremista”, cujas ações não têm nenhum tipo de legalidade.

No entanto, o Hezbollah está presente na coalização que governa o Líbano e, desde 2008, o grupo teve oficialmente reconhecido seu direito a ter uma força armada própria (com a ressalva de que combatesse apenas inimigos externos). Portanto, o Hezbollah não é uma organização “extremista”, que age à revelia do poder estabelecido; é um ator político/militar respaldado por Beirute.

A narrativa “Israel versus Hezbollah” também é utilizada para criar a falsa narrativa de que o Estado sionista está em guerra contra uma “organização extremista”; e não contra o Líbano e seu povo. Outro engodo!

Antes da criação do Hezbollah, em meados da década de 1980, Israel já havia invadido o Líbano três vezes. Na primeira vez, em 1967, durante a “Guerra dos Seis Dias”, Israel, sob o argumento de “defesa nacional”, ocupou ilegalmente (e ocupa até hoje) a região libanesa conhecida como “Fazendas de Shebaa” (localizada próxima a tríplice fronteira entre Síria, Líbano e Israel). Posteriormente, em 1978 e 1982, entre os argumentos israelenses para invadir o país vizinho, estava o combate a potenciais “células terroristas palestinas” (disfemismo para “resistência”). Na época, os campos de refugiados palestinos e libaneses de Sabra e Chatila, situados em Beirute Oeste, foram palcos de um massacre promovido pela milícia maronita liderada pelo político de extrema-direita Elie Hobeika, com amplo apoio do exército sionista.

Conforme apontado, Israel tem um caráter inerentemente expansionista. Seu objetivo não é ficar restrito ao território sugerido pela partilha da ONU; tampouco à Palestina histórica. Em última instância, o sionismo visa reconstituir a antiga Terra de Israel (Eretz Yisrael), que se estende do Rio Eufrates ao Nilo, o que engloba o atual território libanês.

Diferentemente do que os discursos geopolíticos da mídia insinuam, não é de hoje que Tel Aviv é hostil com o Líbano. Em suma, independentemente do supracitado Hezbollah, do Hamas, ou qualquer outro grupo “espantalho” para justificar suas ações genocidas, o sionismo tem como condição sine qua non a agressividade contra todo povo que ocupe terras da Eretz Yisrael. Via de regra, contará com apoio das potências ocidentais e dos poderosos conglomerados de comunicação (e, como dito no início deste texto, da subserviente grande mídia brasileira).

Francisco Fernandes Ladeira é Doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).  Licenciado em Geografia pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac). Especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Geografia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).

A opinião do/a/s autor/a/s não representa necessariamente a opinião de Desacato.info.

Assista à coluna de Francisco Fernandes Ladeira no vídeo abaixo

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