Foto: (Reprodução/Grupo de Puebla)
Com a crise gerada pela pandemia do coronavírus, calcula-se que 44 milhões de pessoas perderão seus empregos
*Por Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
Em Carta Capital
Líderes progressistas da América Latina defendem uma renda mínima universal para todos os cidadãos como forma de combater a pobreza que atingirá a 230 milhões de pessoas na região. Com a crise gerada pela pandemia do coronavírus, calcula-se que 44 milhões de pessoas perderão seus empregos e 2,7 milhões de empresas latino-americanas vão quebrar.
Da reunião virtual do Grupo de Puebla na sexta-feira 10 surgiu a decisão de se fazerem representar, através dos governos de Argentina, México e Espanha, no G20, reunião das maiores economias do mundo, prevista para ser realizada em novembro desde ano. Serão dois os assuntos principais: a redução da dívida externa dos países de renda média e novas fontes de financiamento, através de organismos multilaterais de crédito e de novos impostos às empresas beneficiadas pela pandemia.
Argentina e México fazem parte do G20. A Espanha é uma convidada permanente. Os três países estão hoje alinhados com o Grupo de Puebla, cuja reunião virtual, ao longo de sexta-feira, celebrou o seu primeiro ano de vida sob o lema “Agenda Progressista para Superar a Crise da Pandemia”.
Alicia Bárcena, moderadora da reunião virtual e secretária-executiva da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), órgão ligado às Nações Unidas, acrescentou que, a partir da ONU, também se impulsiona a inclusão desses países em iniciativas para aliviar o pagamento das dívidas e para novos financiamentos.
O ex-presidente colombiano, Ernesto Samper, calculou que a dívida dos países latino-americanos possa ser reduzida, de forma amistosa, entre US$ 300 e US$ 500 bilhões. Isso permitiria, segundo Samper, obter os 2 ou 3 pontos do Produto Interno Bruto (PIB) que cada país precisará para financiar uma bandeira com a qual todos concordaram: uma renda básica universal como proteção social aos efeitos da pandemia, mas que seja adicional e não substitutiva dos atuais programas sociais.
“Quem vai pagar a fatura da pandemia?”, perguntou-se Samper para responder: “Não podem ser as vítimas, pobres extremos e pequenas empresas”.
Tombo da América Latina durante a pandemia
Alicia Bárcena, da Cepal, também pôs números ao impacto da pandemia na América Latina que, afirmou, “evidenciou graves brechas estruturais na região”. Ela alertou o Grupo que “se não fizermos nada, teremos uma sociedade mais desigual, mais pobre, mais desnutrida e furiosa”. “Haverá uma contração (do PIB) de 9% na região, uma queda de 20% no comércio e 2,7 milhões de micro e pequenas empresas fechadas”, apontou.
“Mas o mais grave é o aumento da pobreza a 230 milhões de pessoas, das quais 95 milhões estarão na pobreza extrema. O desemprego chegará a quase 44 milhões. Isso é gravíssimo numa sociedade com tanta informalidade como a que existe na América Latina”, indicou. A população na região é de 569 milhões.
O economista colombiano José Antonio Ocampo expôs um leque de propostas, com as quais todos concordaram, para aumentar a renda dos países para que enfrentem essa renda mínima adicional.
As propostas incluem a tributação de empresas digitais; das transações financeiras digitais; imposto adicional às empresas beneficiadas pela pandemia; empresas que não pagam impostos num país, mas atuam em outros; uma taxa mínima universal de 25% sobre as utilidades das empresas para evitar uma disputa de países; um registro mundial de ativos de pessoas físicas que impeça a evasão do imposto à riqueza.
“Socialismo ou capitalismo amigável?”
Sem Lula, o Brasil foi representado pela ex-presidente Dilma Rousseff e pelos ex-ministros Aloízio Mercadante e Celso Amorim. O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, mandou uma carta para dizer que segue o Grupo.
O ex-senador e ex-chefe da Casa Civil de Lula e de Dilma Roussef, Aloízio Mercadante, propôs transformar todas essas iniciativas do Grupo em projetos para se tornarem leis nos Congressos da região.
O ex-chanceler Celso Amorim também cobrou identidade política: “O que queremos? Queremos uma sociedade que caminhe ao socialismo ou queremos uma sociedade que seja pelo ‘capitalismo amigável’? Sinceramente, eu não creio no ‘capitalismo amigável’. A desigualdade é um fenômeno político, econômico e social que o capitalismo cria e recria, produz e reproduz”, concluiu.
Participação portuguesa e união latino-americana
Celso Amorim questionou que o Grupo de Puebla fale sobre questões iberoamericanas, mas não inclua Portugal e pediu incluir ainda os países do Caribe “antes que sejam absorvidos pelos grandes países desenvolvidos do Norte”.
Alicia Bárcena concordou e prometeu convidar o secretário-geral da ONU, António Guterres. “Talvez seja ele o português que possamos convidar. Seria fantástico! Eu farei isso sem falta. Temos de trazê-lo”, avançou.
Já o espanhol José Luis Rodríguez Zapatero pediu a união dos países latino-americanos, pondo como exemplo a União Europeia. “O que vai permitir à União Europeia sobreviver a esta crise será a sua integração. A América Latina precisa urgentemente integrar-se”, pediu.
“No momento que mais precisamos é justamente o momento que estamos mais desintegrados”, lamentou Ernesto Samper, em referência aos governos de direita da região.
O Grupo de Puebla nasceu há um ano na cidade homônima mexicana como um espaço de ideias e ações para conter o avanço das forças liberais que ganharam quase todas as eleições desde 2015, pondo fim, na região, a um ciclo de 12 anos de governos de esquerda, populistas para unos; progressistas para outros.
Do grupo fazem parte um presidente (Alberto Fernández, Argentina), dez ex-presidentes e chefes de Governo como Lula e Dilma Rousseff (Brasil), Evo Morales (Bolívia), José Mujica (Uruguai), Rafael Correa (Equador), Ernesto Samper (Colômbia) e Jose Luis Rodríguez Zapatero (Espanha) além de chanceleres (Argentina e Espanha), ex-chanceleres e ex-legisladores num total de 40 membros de 17 países.