Por Giselle Zambiazzi, para Desacato.info.
Análise II: Nildo Ouriques
Pedro Parente. Um nome que participa dos governos há quatro décadas, mas que raramente foi questionado pela população brasileira durante todos esses anos. Ao contrário. Até pouco tempo atrás, poucas pessoas saberiam dizer quem é ele. Hoje, é um nome está presente na maioria dos debates no Brasil.
Um dos motivos foi a greve dos caminhoneiros, uma paralisação que durou 10 dias entre maio e junho e que, além de afetar a rotina de cada vivente deste país, trouxe à tona vários detalhes sempre tão escondidos no debate político. Para Nildo Ouriques – o segundo economista da nossa série de três entrevistas sobre a análise do cenário atual brasileiro – a greve não foi um fato isolado e nem espantoso, mas é resultado de um conjunto de fatores que compõem um processo que julga estar em curso: a revolução brasileira.
Segundo ele, a crise instalada no Brasil é produto de uma política que sempre foi a norma por aqui: a entrega do patrimônio público nacional e o consequente empobrecimento da população. “Foi assim com FHC, foi assim com Lula, foi assim com Dilma e está sendo assim com Temer”, analisa. “Fernando Henrique, inclusive, tentou mudar o nome da Petrobras para Petrobrax e nomeou um francês para a presidência, o que é ilegal”, lembrou.
Política de preços
Outro assunto que a greve dos caminhoneiros e em seguida a paralisação dos petroleiros trouxeram à tona foi a política de preços dos combustíveis vendidos no Brasil. Para Nildo Ouriques, essa é somente parte da verdade.
Um dos pontos fundamentais para o debate é olhar criticamente para a Lei da Partilha (12.351), de dezembro de 2010, assinada pelo presidente Lula e que determina as diretrizes para a exploração e a produção de hidrocarbonetos fluidos (petróleo e seus derivados) sob o regime de partilha entre a Petrobras e outras empresas interessadas especialmente no pré-sal.
O economista acredita que Dilma Rousseff, que poderia ter estancado a abertura dos ativos da estatal, foi uma das pessoas que mais lucrou com a operação ao lado de José Serra. “Ela quer ficar bem com o império. Dilma tem um compromisso com os Estados Unidos”, afirma. “Ela poderia ter derrotado Serra, mas aprovou com ele a Lei da Partilha”.
O economista lembra da atuação do senador petista Lindbergh Farias, que já questionava o comprometimento do Ministério de Minas e Energia do governo Dilma com o capital estrangeiro e a entrega da Petrobras a empresas internacionais.
Rentismo
Outra ponta que Nildo Ouriques junta a essa análise é a consequência plantada pelo projeto de economia rentista à qual está submetida o país. “Vivemos o capitalismo rentístico de 1994 sem limites agora”, afirma, fazendo referência à criação do Plano Real e que está na origem desse modelo.
O rentismo é responsável pelo lucro sem medida do mercado financeiro que explora o país. Entram nesse pacote os grandes industriais, latifundiários, comerciantes e banqueiros que investem pesado em títulos da dívida pública e cobram pelos seus juros, conduzindo as políticas implantadas pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central sempre em função desses lucros.
Para atender a esses compromissos, Dilma Rousseff colocou em prática o pacote de medidas de Joaquim Levy, cometendo, assim, um estelionato eleitoral. “Ela venceu a eleição com um programa e colocou em prática o programa do Aécio”, aponta Nildo.
Projeções
O economista aponta um futuro bastante turbulento para o Brasil. Os grevistas conseguiram derrubar Pedro Parente da presidência da Petrobras. “Mas quase nada muda. Temer continua lá”, acrescenta. “Todo o período eleitoral será atravessado por greves”.
E greves cada vez mais radicais, já que as medidas austeras continuam em vigor. O corte dos investimentos públicos segue e a Petrobras permanece sem gerar riquezas para o país. A exploração sobre os trabalhadores e a consequente guerra de classes deverá se intensificar sobremaneira. Uma brutal quantidade de demissões de servidores públicos pode estar a caminho.
Some-se a isso, a completa falta de legitimidade não só do governo como do próprio sistema político brasileiro. “Não tem saída por dentro do sistema. Ou acontece a revolução ou seremos devorados por um regime autoritário”, acredita. “O próximo presidente vai fazer exatamente o mesmo que está sendo feito. A sociedade não acredita mais na podridão desse sistema político. Prestem atenção na quantidade de votos brancos, nulos e abstenções que teremos este ano. E mais: a massa vai reagir à retirada de direitos”, aposta.
A intensificação do conflito de classe será inevitável e a saída é a reconstituição de uma vanguarda de esquerda que hoje não existe mais no Brasil, conforme a sua avaliação. Porém, á uma nova geração que já está surgindo. “Nesse contexto, tudo pode acontecer, mas uma coisa é certa: depois da greve dos caminhoneiros, nasceu uma nova esquerda”, finaliza.
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Giselle Zambiazzi é jornalista, ativista política e militante pela neurodiversidade. Mora em Brusque/SC.