Greve das 30 horas: a vingança continua

    Daniel, de camisa preta, foi incansável na greve das 30 horas e agora é punido por isso.
    Daniel, de camisa preta, foi incansável na greve das 30 horas e agora é punido por isso.

    Notícia da exoneração do trabalhador Daniel Dambrowski, que foi um dos líderes da greve das 30 horas em 2014, mobiliza os técnico-administrativos da UFSC. A medida de desligamento do trabalhador, que à época da greve estava em estágio probatório, segundo consta no processo, foi encaminhada pela reitora Roselane Neckel, nos últimos dias de mandato.

    O começo 

    Os trabalhadores técnico-administrativos da Universidade Federal de Santa Catarina fizeram história em 2014 quando deflagraram uma greve de ocupação. Em vez de parar os trabalhos, como é normal nas greves, eles ofereceram ainda mais opções de horário para a comunidade. Era a greve da luta pelas 30 horas, na qual os trabalhadores se organizaram e garantiram que a universidade atendesse das 7 da manhã até às 22h sem interrupção, com a montagem de turnos de seis horas.

    A greve foi deflagrada depois de um longo processo de luta que incluiu um relatório completo sobre a situação funcional da UFSC, apontando a possibilidade concreta dos turnos de seis horas, que significaria redução de jornada e ao mesmo tempo mais opção de horários para usufruto da comunidade. Os trabalhadores entendiam que os avanços tecnológicos criados pelo homem já permitiam a redução de jornada, bem como a estrutura da UFSC já se prestava a isso. Não se baseavam no nada, e sim no decreto lançado em 2003 (decreto 4.826), pelo presidente Lula, que definia ser possível a redução de jornada nos setores que permanecessem abertos por mais de 12 horas ininterruptas.

    Naqueles dias, a reitoria era comandada por duas mulheres – Roselane Neckel e Lúcia Pacheco – que inclusive tinham sido eleitas com propostas mais à esquerda. Mas, contraditoriamente foram as dirigentes mais violentas contra os trabalhadores. Mesmo tendo aprovado a criação do grupo Reorganiza, para estudar a implantação das 30 horas, terminado o relatório, a administração se recusou a reconhecê-lo. Foram muitas as tentativas de conversa, reuniões e diálogo que não encontraram eco nas reitoras. A greve foi, então, inevitável.

    A greve das 30 horas foi um dos mais bonitos movimentos dos trabalhadores da UFSC nos últimos tempos. Levantou em luta, principalmente os mais jovens, os que entraram depois da longa noite de destruição das universidades vivida durante o governo de FHC. E, como não era uma greve que parava os trabalhos, foi acolhida de maneira surpreendente pela comunidade. A universidade vibrava com a movimentação dos trabalhadores que, além de garantirem a abertura da UFSC das 7 às 22h, ainda realizavam uma série de atos buscando o diálogo com a reitoria.

    Foi também a greve que mais ataques recebeu por parte de uma administração. A reitora Roselane Neckel fugia de qualquer contato, sempre enviando seu chefe de gabinete para a realização do “trabalho sujo”, que era de reprimir e invisibilizar a luta dos trabalhadores. Não reconhecia que a UFSC tinha condições de trabalhar em turnos e não aceitava os resultados do grupo de trabalho Reorganiza, que ela mesmo criou. Pela primeira vez na história da UFSC um dirigente criminalizava a luta dos trabalhadores, entrando na justiça. Roselane nunca reconheceu que havia uma greve, cortou salários de quem estava no movimento, outra coisa inédita, e mandou dar falta injustificada para todos os grevistas.

    Até aí tudo dentro da “normalidade”, afinal, greve é um risco. Mas o que ficou de perplexidade foi ver uma dirigente desconhecer uma luta tão forte e inédita, na medida em que ampliava o trabalho, para o melhor conforto da comunidade. E foi tanta dureza, e ataques e violência, que os trabalhadores encerraram a greve, derrotados. A universidade voltou a fechar no horário do meio-dia e os estudantes do período noturno voltaram a ficar sem as secretarias de curso.

    O pós-greve também foi traumático. Nunca um setor de pessoal fora tão agressivo e duro com os trabalhadores. Ainda assim, depois, com muita batalha, foi possível reverter o abuso praticado pela administração que cortara o ponto de quem nunca havia parado de trabalhar. A própria justiça deu ganho de causa aos servidores, pois como era uma greve de ocupação, não poderia ter havido falta. O salário foi devolvido e as faltas eliminadas.

    Mas, a guerra da administração contra os trabalhadores não parou por aí. Havia que perseguir e derrotar no cotidiano as jovens lideranças que haviam assumido o comando da luta pelas 30 horas, a despeito do Sindicato que praticamente se omitiu. E assim, começaram a aparecer os casos de violência e assédio nos locais de trabalho. Três dos trabalhadores que haviam liderado a greve chegaram a adoecer gravemente, tendo, inclusive, que se afastar do trabalho por causas médicas. Foi um tempo de grande tristeza, pois os ataques aos lutadores também colocavam medo nos demais trabalhadores. A paz na UFSC era de cemitério.

    Em 2015 a universidade viveu eleições para reitoria e a então reitora Roselane Nekel foi derrotada fragorosamente, ficando em quarto lugar na disputa. Assumiu em maio de 2016 o professor Luis Carlos Cancelier.

    Contra os trabalhadores, tudo!

    Mas, a herança de violência da administração passada não haveria de acabar aí. Surpreendentemente, na primeira semana de dezembro, um dos jovens líderes da greve das 30 horas, que na época estava em estágio probatório, é chamado na Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas para ser avisado que seria exonerado no dia 9 de dezembro. A expulsão da universidade do trabalhador Daniel Dambrowski fora possivelmente o último ato da reitora Roselane Neckel, antes de sair. O motivo para isso foram duas avaliações negativas recebidas pelo trabalhador.

    Quando alguém está em estágio probatório, precisa passar por três avaliações. A primeira, quando Daniel não estava ainda mergulhado na luta, foi boa. A segunda, quando Daniel estava inclusive, dispensado de parte da jornada de trabalho para participar do grupo Reorganiza, com portaria assinada pela própria reitora, foi ruim. E, de maneira irregular, foi assinada por uma única pessoa, quando a comissão precisa ter três pessoas. Naqueles dias, como Daniel estava mergulhado no trabalho de diagnóstico da UFSC, os membros do grupo de trabalho, no qual tinha também representantes da administração, fizeram uma avaliação muito boa do seu trabalho e encaminharam para ser registrada. Pois ela não foi considerada. Para efeitos de avaliação do trabalhador, contou apenas a que fora feita de forma irregular e que o reprovava.

    O final da greve, a perseguição e a violência adoeceram Daniel e ele precisou se afastar para tratamento de saúde. Assim que a terceira avaliação feita depois do seu retorno acabou selando a sua exoneração. Mesmo estando afastado ele foi avaliado, e negativamente. Ou seja, pagou por adoecer. E não uma doença qualquer, mas provocada pelo assédio violento desde a greve e depois dela.

    De maneira surpreendente, mesmo com todas as denúncias feitas, a Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas, agora dirigida pela trabalhadora Carla Búrigo, deu sequência ao processo. Para fechar, encaminhou à Procuradoria uma consulta sobre o caso. A pergunta feita aos procuradores já deu o veredito. O registro foi: considerando que o trabalhador em estágio probatório teve duas avaliações ruins, considera-se ele estável ou não? A resposta não poderia ser outra. Claro que não. Mas, em nenhum momento foi explicado que as duas avaliações feitas no período do trabalho do Reorganiza e depois da greve estavam irregulares.

    A saída, como sempre acontece quando a burocracia é mais forte que a verdade, foi a mobilização dos colegas. Uma assembleia foi chamada e, com a presença do reitor, o caso foi relatado. A exoneração de Daniel é uma medida política, de punição, que não leva em conta as regras estabelecidas pela própria instituição. O processo está eivado de vícios. As avaliações foram irregulares.

    No começo da conversa a pró-reitora e o próprio reitor deixaram claro que a decisão da Procuradoria não tinha como ser revertida. Por ser da área do direito, o reitor insistia que ele mesmo não poderia reverter o caso com uma canetada. “Há que cumprir as regras e os procedimentos legais”. E foi justamente esse o argumento de todos os trabalhadores que se manifestaram. Se há que seguir as regras, e elas não foram seguidas no processo, como dar seguimento a uma clara injustiça?

    Ao final da assembleia, que se foi até a uma hora da tarde, o que se conseguiu foi que o processo agora estará nas mãos do advogado de Daniel e que ele terá um período de tempo para fazer sua defesa, coisa que não foi concedida no período das avaliações. Nesse sentido, a exoneração, que deveria ser oficializada nessa sexta-feira, está suspensa até que o processo retorne. A partir daí novas medidas serão tomadas.

    Para os colegas – que conhecem a história de luta de Daniel Dambrowski – fica uma certeza. A medida foi política e injusta e a luta pela sua estabilidade vai seguir. Assim como ele – junto com outras jovens lideranças  – não abandonou os trabalhadores na histórica luta das 30 horas, agora tampouco ficará sozinho. Somos todos Daniel. A injustiça não passará.

    Fonte: TAEs livres.

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