Grécia: o caminho é e não é sempre em frente

Por Miguel Queiroz.

Dentro de alguns dias a Grécia vai a votos. O que podemos esperar?

É anunciada a vitória do Syriza, isto é da franja mais radical da Social-Democracia grega que a pulso toma o lugar do Pasok e recompõe as forças de governação da esquerda do sistema (capitalista). Não é portanto de espantar que tenha vindo a lume que uma antiga ministra da economia do Pasok (sim, de um governo Papandreu) se tenha aliado ao Syriza. São pormenores, mas são pormenores que contam: esta última foi a responsável pelo primeiro plano de austeridade (de 2009 se não estou em erro).

O que esperar desta social-democracia recomposta? É difícil antever algo mais que capitulação face aos fundamentos ideológicos que regem a Europa. Membro do Partido de Esquerda Europeu o Syriza tem vindo a demonstrar uma hostilidade crescente para com o KKE (Partido Comunista Grego) e para com as forças progressistas que procuram fazer frente às forças do capital europeu e grego. Poderão objectar que não: que esta esquerda dita radical está apostada em defender os interesses dos trabalhadores e do povo grego, que as esperanças depositadas num governo do Syriza são justificadas e que a política será necessariamente anti-austeridade e anti-troika. A questão que se impõe então é até onde estão prontos a ir?

A dúvida legítima impõe-se, ela também: será que um partido como o Syriza, que apoia os fundamentos desta construção europeia, a mesma construção que permitiu o ascendente do capital europeu, a consequente repressão e austeridade que a classe trabalhadora e os povos hoje sofrem, terá como prioridade fundamental os interesses mais profundos da classe trabalhadora, ou capitulará perante os fundamentos da construção com a qual está (e quer estar) comprometido? Basta pensar que a não rejeição do MEE [1] manieta a política económica e financeira de qualquer governo grego, basta lembrar que as formações que compõem o Syriza apoiam o tratado de Maastricht, etc…

As prioridades parecem estar bem estabelecidas se atendermos à hostilidade desta formação para com o KKE e à proximidade crescente que vai ganhando com a burguesia (grande) grega. A vontade de formar um governo verdadeiramente patriótico e progressista não parece ser uma realidade (até pelo presente envenenado que lançou na direcção do seu pretenso aliado).

Querer “salvar a Europa” é tão megalómano como abstractamente bonito, mas a questão é: Salvar a Europa para quem? Uma crítica cuidada da construção europeia leva à conclusão de que quando a social-democracia grega diz querer salvar a Europa o que está realmente a dizer é que quer salvar o sistema do capitalismo europeu tal como o conhecemos. Este processo de “salvamento” reveste-se, é sabido, tanto de ganhos pontuais para os trabalhadores (que, enquadrados devidamente, nunca são de desprezar) como de ganhos estruturais para os capitalistas. Em última a análise estarão dispostos a sacrificar os interesses dos trabalhadores gregos para “salvar” a Europa (isto é o sistema do capitalismo).

A verdade é que politicamente o Syriza concorre para salvar o sistema capitalista (em geral, mas também na sua declinação particular actual – a aliança da burguesia grega com a burguesia europeia). A questão que sobra é: quanto tempo até o povo grego ver deitadas por terra as suas ilusões de uma superação peremptória da actual situação política e económica? Assim, as eleições de domingo 17 de Junho não serão uma solução concreta, elas são apenas mais uma etapa na luta do povo grego.

Passemos ao KKE, partido que tem sido alvo da fúria de toda a burguesia europeia, da calúnia de todos os meios de comunicação, e do desdém de todo e qualquer intelectual pequeno-burguês encantado com a perspectiva auto-ilusória de uma reforma (isto é de que tudo mude para que no fundo os fundamentos e o rumo concreto não mude).

O porquê de tais reacções é facilmente explicável pela influência deste junto da classe trabalhadora grega e pelo seu já heróico papel na resistência face às actuais políticas. A unidade é, e será certamente, a tarefa que se impõe neste momento ao KKE, trazer à unidade o que puder ser trazido e combater aquilo que fizer frente aos interesses profundos dos trabalhadores gregos respondendo concretamente aos desafios que das novas realidades que se lhe vão abrindo a cada momento.

Sem ganhar a confiança dos trabalhadores e do povo grego, sem que estes vejam nele uma formação responsável capaz de caminhar ao lado da classe trabalhadora e de elevar a sua consciência, sem o esforço profundo de construção de tal unidade nenhuma solução é possível. Os comunistas gregos terão de estar à altura da complexidade dos acontecimentos. Os meandros da táctica podem facilmente fazer ruir a estratégia. Mais do que ninguém estes estarão consciente dos problemas e das condições concretas das tarefas que se lhes apresentam e não nos cabe prescrever receitas abstractas e polidas para a sua luta. Se a táctica é questionável a estratégia é firme e a solidariedade é um dever. De uma coisa podemos ter a certeza: nenhuma solução transformadora é possível para a Grécia sem o KKE, tão simplesmente porque nenhuma solução é possível fora da luta de massas. Ser solidário também é confiar que os comunistas gregos encontrarão o seu caminho e imprimirão à sua luta a direcção necessária para a superação da actual crise.

05/Junho/2012

[1] MEE: Mecanismo Europeu de Estabilidade

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