O Brasil não é este nem aquele. É todos.
Isso soa a frase feita, mas foi o que me ocorreu à leitura, tardia como sempre, de “Noites Tropicais” de Nelson Motta, no trecho em que relembra o confronto de ideias e propostas nos fins dos anos 60. Zé Celso Martins Correa e Teatro Oficina de um lado, Guarnieri, Boal e Teatro Arena do outro. Chico e Vandré, Caetano e Gil. Um confronto de iguais. A oposição à oposição. E juntos todos se opunham à ordem imposta do Planalto Central. Cada qual com sua linguagem, cada um em sua gramática e estética, mas todos em comum contra o engessamento, a homogeneidade pretendida pelos militares, embora não se unissem entre si.
Críticas às intolerâncias e incompreensões que promoviam essa desunião à parte, o que importa agora é naqueles anos se comprovou uma realidade nacional: não há nada menos brasileiro do que o unívoco. Somos um país inviável às propostas de padrão de comportamento único.
Decididamente não dá! Viemos, sim, de três raças muito tristes, como cantava Vinícius de Moraes, mas na miscigenação dessas e de todas as demais que ao Brasil chegaram depois, tornamo-nos numa irreverente tragicomédia onde o imbecil da história é sempre o incapaz de divergir ou aceitar às diferenças.
Esses são os estúpidos. Tanto que as propostas muito radicais nunca angariaram a simpatia do povo brasileiro. A princípio até podem entusiasmar alguns, mas quanto mais se radicalizavam, menos adeptos e maior afastamento até dos simpatizantes de primeira hora.
Como já se disse, e essa sim é uma frase feita, mas de total precisão: “O Brasil não é para principiantes”.
Um exemplo que se há de se reconhecer: por mais meramente investidores em retornos financeiros assegurados pela truculência e corrupção do regime mantido por criminosos, até os patriarcas dos meios de comunicação do Brasil tinham sensibilidade para distinguir onde não podiam se arriscar a perder o que em primeira instância justificava todas as outras de suas existências: a opinião pública.
Disso me lembrou o amigo Ruy Fernando Barboza recentemente, em meio aos meus rancores à Folha de São Paulo dos tempos em que Otávio Frias cedia a frota da empresa para a repressão da ditadura militar dar sumiço aos colegas de profissão. Ruy fez com que me recordasse de que apesar de tão íntima conivência com os crimes dos tiranos, Frias então mantinha o Cláudio Abramo como editor do jornal. Abramo também foi do O Estado de São Paulo, considerado o mais reacionário dos veículos da direita, onde se publicava Gustavo Corção, o Olavo de Carvalho de então. No entanto, assim como todos de sua família, o brilhante Cláudio Abramo era assumidamente socialista.
Até o Roberto Marinho tinha esse “faro” (se é que se pode dizer assim, pois correto seria considerar oportunismo empresarial) e enquanto trocava abraços e beijos com os generais, mantinha na folha de pagamento da Globo diversos intelectuais de esquerda como Dias Gomes, reiteradamente censurado desde 1965.
Quando ao Civita, o próprio Ruy Barbosa e tantos outros dispersos pelas publicações de esquerda que hoje restam pelo país, são suficiente exemplo.
E não são poucas dessas publicações. Se surgisse alguém com um pouco de visão empresarial na área das comunicações, reuniria a experiência e talento desses tantos e, sem dúvida, criaria uma nova e verdadeira grande imprensa do Brasil.
Claro que a essas inteligências não se pode mais pretender coordenar através do anacrônico patriarcalismo dos Chateaubriand, Civita, Frias, Mesquita e Marinho. Isso acabou. E a prova de que acabou é que seus herdeiros só conseguem manter imbecis nas suas redações e editorias. Só jambazeiros e escritores ou faladores de palavra fácil, dedilhadores de teclado a baixo custo e por qualquer preço.
De pais empresários, viraram ventríloquos de bonecos bem acabados na forma, mas de péssima articulação e sem nenhuma originalidade. Todos uníssonos no que não pensam e até no enorme silêncio em que se tornou toda a grande imprensa brasileira.
Acabou!
Mas era de se imaginar. Desde o princípio deste século 21 se faz evidente que as grandes oligarquias da mídia chegaram ao final do ciclo. Foram-se os capitães do mato do pau brasil, os bandeirantes dos minérios e pedras preciosas, os senhores dos engenhos de cana, os barões do café, do cacau… E agora, a falência das elites midiáticas prenunciada pela derrota da maior coesão de forças contra um arqui-inimigo político. Já antes com Brizola, no Rio de Janeiro e depois em âmbito nacional com Lula, os concentradores da mídia se desmantelaram.
Não são mais nada ainda que continuem aí e essa continuidade sugere uma indagação muito mais de marketing do que de comunicação jornalística, posto que claramente não comuniquem mais coisa alguma já que apontam para um lado e a opinião pública maciçamente segue para outro há já uma década.
Se tal verdade é tão clara e se uma das principais especialidades dos gerentes de marketing é a de detectar onde melhor aplicar as verbas despendidas em promoção de motivação do consumo de produtos e serviços; como se mantêm esses fantasmas do tempo em que os grandes veículos de imprensa conseguiam motivar alguma coisa?
Tem empresário que é cego ou a comissão paga a seus gerentes de marketing é muito gorda! Se não, vejamos: ainda há bem pouco e provavelmente continue assim, apenas a cidade de Buenos Aires tinha o mesmo número de livrarias que as existentes em todo o Brasil. Infelizmente essa é uma realidade a ser encarada: o brasileiro não lê.
Qual a tiragem do maior best-seller brasileiro? O Paulo Coelho, por exemplo. Talvez até venda mais na Argentina, de população muito menor, mas me refiro exclusivamente à vendagem no Brasil. 5 mil, 10 mil exemplares por edição? Quanto tempo para o esgotamento de uma edição?
O feito do Amaury Ribeiro Jr. em “A Privataria Tucana” pode ser notável em termos de investigação jornalística, mas muito mais assombroso do que o talento investigativo do Amaury é a vendagem de 30 mil exemplares de um livro em uma semana, apesar do acirrado apoio da grande imprensa brasileira aos tucanos há mais de uma década.
Mais claro que isso nem os 90% de aprovação ao Lula, pois aí se pode alegar que por efeito de medidas populares das quais a imprensa discorda, apenas nesse particular haja uma divergência entre o público e os que se pretendem como seus formadores de opinião. Mas no caso dessa imediata motivação contra a homogênica orientação política da grande imprensa brasileira, dá a nítida impressão de que um anúncio numa dessas publicações ou programas de TV seja indicativo daquilo que o público não vai consumir, adquirir, contratar, experimentar ou gostar.
Provável que esteja exagerando. Provável que a aversão seja exclusiva aos tucanos. Mas regra básica do marketing é a análise e consideração da associação de imagem. E quem entende alguma coisinha de marketing sabe que isso de associações de imagens é sutil, mas progressivo na cabeça do consumidor e do público em geral.
Enfim, os herdeiros da grande imprensa brasileira já deram cabo da capacidade de formação de opinião pública com que seus pais justificavam seus veículos junto aos anunciantes. Prenunciasse que acabarão conseguindo fazer o mesmo com os diretores de marketing, analistas de mídia, gerentes de publicidade, etc. Mas o mais engraçado é encontrar sob o título: “Libro causa polémica en Brasil por acusaciones al ex candidato Serra”, em matéria de publicação do Paraguai, sempre tão desprezado pela grande imprensa brasileira, esse parágrafo final:
“La venta del libro, que no tuvo difusión en los tres grandes diarios (Folha de São Paulo, O Globo y O Estado de São Paulo), fue disparada por las redes sociales y los blogs oficialistas.”
Quem diria que a imprensa paraguaia um dia furaria a grande imprensa brasileira, num assunto de tanta repercussão no Brasil?
Não haverá lá no Paraguai um empresário de comunicação que queira investir no mesmo ramo aqui no Brasil? Nossos grandes anunciantes estão precisando urgente de um assim. E de verdadeiros especialistas em marketing.