Por Marco Weissheimer.
As entidades ambientalistas do Rio Grande do Sul estão se mobilizando contra a intenção do governo José Ivo Sartori (PMDB) de alterar a legislação que define quais agrotóxicos podem ser usados no Estado. Considerada a mais exigente do Brasil, a legislação gaúcha vem sendo alvo de pressões do setor privado para que sofra uma “flexibilização”. Hoje, o decreto 32.854 determina que só pode ser cadastrado para uso no Rio Grande do Sul o princípio ativo que tem seu uso autorizado no país de origem. O referido decreto considera como “país de origem” aquele em que se originou a síntese correspondente ao princípio ativo da substância, o país em que é gerada ou manufaturada a tecnologia e aquele de onde o produto é importado.
A proposta de mudança é sutil, mas profunda. A ideia é mudar a definição de “país de origem”, que passaria a ser aquele em que se originou a síntese correspondente ao princípio ativo da substância, ou o país em que é gerada ou manufaturada a tecnologia ou aquele de onde o produto é importador. A introdução do “ou”, advertem as entidades, abre as portas para a liberação de qualquer agrotóxico, mesmo aqueles que não são usados nos países que os inventaram ou os produzem apenas para exportação. As empresas produtoras de agrotóxicos querem derrubar a interdição imposta pelo decreto 32.854 para ampliar suas vendas no Rio Grande do Sul que já um dos maiores consumidores de agrotóxicos do Brasil.
“A regra atual protege o meio ambiente e a saúde das pessoas do uso legal de muitos princípios ativos nas formulações comerciais, sabidamente muito perigosos. Sua modificação seria benéfica apenas para as empresas produtoras que aumentaria ainda mais a gama de produtos que podem ser vendidos no Rio Grand do Sul”, afirma nota divulgada pelo Movimento Roessler, sediado em Novo Hamburgo.
O caso do paraquat
Essa interdição já vem sendo ignorada no Estado em função de algumas decisões judiciais. É o caso, por exemplo, dos agrotóxicos à base do ingrediente ativo paraquat. Em 2014, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul concedeu liminares liberando a comercialização desses produtos no Estado. O uso do paraquat, que havia sido proibido em 2012 pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), está proibido desde 2007 na Europa. Inclusive no Reino Unido, seu país de origem.
Segundo o Centro de Informações Toxicológicas do Rio Grande do Sul, estes produtos são extremamente tóxicos- Classe Toxicológica I, e apresentam alta toxicidade e alta persistência, causando falência aguda de órgãos, e fibrose pulmonar progressiva. O paraquat causa asfixia progressiva do intoxicado, que se agrava quando é fornecido oxigênio ao paciente. Efeitos clínicos, decorrentes da absorção dermal com paraquat pode levar a um envenenamento sistêmico e resultar em toxicidade grave. Não existe antídoto para o Paraquat e a morte se dá por asfixia.
As pressões sobre a legislação atual ocorrem também dentro do Congresso Nacional. O PL 3200/2015, de autoria do deputado Covatti Filho (PP-RS), altera toda a normatização e revoga a lei de 1989, criando uma legislação completamente diferente. A legislação atual submete o registro dos agrotóxicos a um órgão ambiental (Ibama), um órgão da Saúde (Anvisa) e ao Ministério da Agricultura. Pelo projeto de Covatti Filho, essa avaliação passaria a ser feito apenas por um órgão novo a ser criado, a CTNFito, nos moldes da CTNBio, com 23 membros nomeados pelo ministro da Agricultura. O projeto do deputado do PP também propõe a alteração da designação dos agrotóxicos que passariam a ser chamados de “defensivos fitossanitários” para “afastar a carga negativa”.
Licenciamento de depósitos de agrotóxicos
Outro debate que preocupa os ambientalistas é o da mudança dos critérios de licenciamento de depósitos de agrotóxicos. Esses critérios determinam as distâncias mínimas entre esses depósitos e residências, escolas, hospitais, creches, instalações para criações de animais e depósitos de alimentos. As distâncias previstas na legislação atual variam entre 30 e 100 metros dependendo do tamanho dos depósitos. No dia 9 de outubro, esse tema foi debatido no gabinete do vice-governador José Paulo Cairoli, com representantes do governo do Estado, do Ministério Público, da Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários e da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), entre outras entidades.
Na ocasião, foi apresentado um estudo sobre o distanciamento de segurança para esses depósitos, coordenado pelo Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente (Caoma), do Ministério Público. A ideia é adotar critérios que permitam a análise caso a caso dos estabelecimentos comerciais. Na avaliação das entidades ambientalistas, essa possibilidade da análise “caso a caso” abre as portas para acabar com as atuais distâncias de proibição. Em texto encaminhado às autoridades envolvidas neste debate, o Movimento Roessler observa que mais de 90% dos depósitos de agrotóxicos do Rio Grande do Sul já se adequaram aos critérios de localização e possuem as respectivas licenças de operação. “Não há, pois, sentido em mudar estes critérios somente porque umas poucas empresas não querem cumpri-los”, acrescenta.
Em maio deste ano, uma possível alteração da organização interna da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Irrigação (SEAPI), extinguindo a Divisão de Insumos e Serviços Agropecuários (DISA) foi debatida em audiência pública na Assembleia Legislativa e mereceu uma nora de repúdio da Associação dos Fiscais Agropecuários (Afabro). A seção é responsável, entre outros temas, pela fiscalização do uso e do comércio de agrotóxicos. A Afabro enviou um ofício ao Centro de Apoio ao Consumidor do Ministério Público Estadual e ao Fórum Gaúcho de Combate ao Impacto dos Agrotóxicos alertando que a extinção da divisão teria como consequência a diminuição do poder de fiscalização dos agrotóxicos.
Fonte: Sul21