São Paulo – O governo revogou ontem (28) a Portaria 415/2014, do Ministério da Saúde, que regulamentava e estabelecia os procedimentos a serem tomados pelo Serviço Único de Saúde (SUS) nos casos de aborto legal. A medida havia sido publicada no Diário Oficial da União na semana passada, mas foi alvo de críticas por parte da bancada evangélica do Congresso Nacional que chegou a afirmar que a presidenta Dilma Rousseff havia legalizado o aborto no país.
Após a publicação da revogação, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um dos representantes da bancada evangélica no Congresso, garantiu, pelo Twitter, que o cancelamento da portaria ocorreu após reunião dele com o ministro da Saúde, Arthur Chioro. No encontro, o parlamentar teria dito que entraria com um projeto legislativo para que a medida fosse revogada.
“Alertei a ele que, pelos termos da portaria, ela estaria legalizando o aborto ilegal. Hoje, (29) o ministro me procurou para comunicar que estudou a portaria, que foi editada por uma secretaria do ministério, entendendo que tinha falhas. Logo resolveu revogá-la para melhor estudar”, afirmou.
A prática da interrupção da gravidez é autorizada por lei nos casos de gestação decorrente de estupro, gravidez de feto anencéfalo e risco de morte para a mãe. A portaria funcionaria como um complemento da Lei 12.845, de 2013, que versa sobre o atendimento às vítimas de violência sexual, e incluía na folha de gastos do SUS a realização do procedimento. A cada gravidez interrompida, o sistema deveria repassar R$ 443 aos hospitais com a exigência da presença de um acompanhante e de equipe médica multidisciplinar.
Além da pressão da bancada evangélica, alguns jornais disseram, em manchetes, que o governo Dilma havia “oficializado o aborto” pelo SUS.
A página de Dilma Rousseff no Facebook publicou, na última terça-feira (27), um texto desmentindo a chamada do veículo O Povo. “O aborto continua ilegal no Brasil. A regulamentação que houve foi para casos já previstos em Lei”, esclareceu.
Dor em dobro
É quase meio-dia de uma quinta-feira escaldante de fevereiro quando o ginecologista e obstetra Jefferson Drezett, diretor do serviço de aborto legal do Hospital Pérola Byington, bate à porta de um quarto no quinto andar do prédio localizado na rua Brigadeiro Luis Antônio, centro de São Paulo.
O médico gira a maçaneta e através da fresta pede licença para entrar acompanhado da reportagem da Pública. Uma mulher de camisola cor-de-rosa do hospital está deitada sozinha no quarto espaçoso com uma janela ampla e poucos objetos pessoais além de uma garrafa de água e uma revista feminina na cômoda ao lado da cama. A televisão está ligada em um programa matinal de variedades.
“Ah não, esse programa é uma porcaria!”, diz o médico, que desliga o aparelho.
A paciente ri, timidamente, e o médico se aproxima, apoiando as mãos na cama, enquanto pergunta como vai a recuperação, se ela sente alguma dor. Ela não tem queixas.
“Esta é a repórter que te falei ontem, lembra? Se você sentir que ela está te incomodando, se não estiver gostando das perguntas, pode terminar a entrevista. Fala só o que você quiser falar”. instruiu Jefferson.
A. é uma mulher de 29 anos alta e bonita, de cabelos castanhos e lisos presos em um rabo de cavalo, unhas compridas e bem cuidadas. Os olhos amendoados ficarão úmidos entre uma pergunta e outra mas ela terá a coragem de levar sua história adiante até o fim.