Governo quer controlar ONGs para esconder incompetência na Amazônia, diz Astrini

Em entrevista a CartaCapital, secretário-executivo do Observatório do Clima condena as teorias conspiratórias da gestão Bolsonaro

Segundo a pesquisa, cerca de 20% das exportações de soja e ao menos 17% das exportações de carne bovina para a UE podem estar ligados a desmatamento ilegal da Amazônia e Cerrado. – Foto: Mayke Toscano/Gcom-MT

O secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, classificou como “teoria da conspiração” a avaliação do governo do presidente Jair Bolsonaro de que a China tem interesses nos recursos naturais estratégicos, especialmente a água do Brasil.

A percepção do governo consta em documento do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo, que diz que as potencialidades nacionais estão na mira de outros países.

“Quem vive de teorias da conspiração acaba falando coisas totalmente fora da realidade. Este é um governo que pratica este tipo de situação: imagina um mundo irreal, dá declarações sobre o mundo imaginário que causam problemas diplomáticos. É o caso do documento, que acusa ONGs, acusa interesses internacionais, faz uma serie de acusações, mas que, no fim das contas, tem o propósito de esconder a incompetência do próprio governo em resolver os problemas domésticos”, afirma Astrini em entrevista a CartaCapital nesta segunda-feira 9.

“Até parece que os interesses da China e das [Organizações Não-Governamentais] ONGs impedem o governo de combater o desmatamento na Amazônia, por exemplo”, acrescenta.

O documento, de acordo com o Estadão, destaca também um possível apoio de “entidades ambientalistas” aos governos europeus, além de “interesses menos republicanos entre nacionais”.

Para Astrini, o CNAL, que é comandado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, quer calar os críticos, já que o órgão prevê a criação de um “marco regulatório” para controlar as ONGs que atuam na região.

Leia a entrevista completa:

CartaCapital: De onde surge a história de que a China tem interesse nos recursos naturais do Brasil?

Marcio Astrini: Olha, quem vive de teorias da conspiração acaba falando coisas totalmente fora da realidade. Este é um governo que pratica este tipo de situação: imagina um mundo irreal, dá declarações sobre o mundo imaginário que causam problemas diplomáticos.

É o caso do documento, que acusa ONGs, acusa interesses internacionais, faz uma série de acusações, mas que, no fim das contas, tem o propósito de esconder a incompetência do próprio governo em resolver os problemas domésticos. Até parece que os interesses da China e das ONGs impedem o governo de combater o desmatamento na Amazônia, por exemplo.

CC: Mas de onde surgem as teorias?

MA: Saem de uma visão de um mundo que não existe. Talvez exista alguma ONG que faça um trabalho irregular, mas pra essa situação já existe no Brasil uma legislação que cuida do caso. O Mourão não vai inaugurar a justiça no Brasil contra os ilegais.

O que o documento trata não é de ilegalidade. O documento trata é de não deixar atuar na Amazônia ONGs que não estejam alinhadas ao que o governo determina que seja bom para o País.

O que o governo diz é o seguinte: as ONGs que me criticam e que não estejam alinhadas com o que achamos que é o certo devem ser descontinuadas. Isso só tem paralelo em regimes autoritários e ditatoriais. O que o Mourão quer é calar críticos.

CC: Quando se fala em descontinuar ONGS, o governo tem poder legal para isso?

MA: De forma legal, não tem, pois a Constituição veda isso. O que o governo poderia fazer é tomar atitudes que dificultariam a vida das ONGs.

Por exemplo: há um mês, eu recebi um oficial de justiça trazendo uma notificação de um juiz que foi acionado pela AGU para que eu me explicasse sobre críticas que estava fazendo ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. É uma coisa absurda.

Então, esse tipo de coisa pode acontecer, como perseguições individuais para tentar intimidar.

CC: Como vocês vão reagir?

MA: Vamos denunciar nacionalmente e internacionalmente, além de estudar se cabe medida jurídica.

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