Por Débora Mabaires, de Buenos Aires, Argentina, para Desacato.info.
O novo presidente da Argentina está no governo faz um mês. Para ser exata, apenas cinco semanas. Porém, a sensação dos que moramos aqui é como si já estivesse no cargo há cinco anos.
Desde o início de seu mandato, deixou bem claro que procura se desmarcar do governo anterior, o de Cristina Fernández de Kirchner, e assim o comunica a quanto jornalista estiver na sua frente. E isso que começou como um jeito de se autoafiançar no seu lugar, está virando o leitmotiv de seu governo.
Esta é a primeira vez que um empresário exerce a presidência da Nação. A debilidade da sua estrutura política está sendo compensada pela corporação midiática, que opera sem dissimulo para aplanar o caminho nas decisões de governo, assim como antes ocultou os defeitos, graves, de sua gestão como chefe de governo da Cidade de Buenos Aires.
O outro item sobre o qual descansa o partido político de Mauricio Macri e lhe permitiu chegar à primeira magistratura, tem sido, sem dúvida, a rede de contatos judiciais que vem trabalhando lentamente desde 1997. Vários operadores políticos do seu entorno tem criado uma estrutura com juízes e fiscais, que tem feito com que Macri continue avançando a pesar das mais de 200 denúncias contra ele. De fato, foi o primeiro presidente eleito embora estivesse processado em uma causa penal gravíssima por ter montado um aparelho paraestatal de espionagem a cidadãos.
A aliança “Cambiemos” , Mudemos, está disposta a mudar o país, e para isso, usam os recursos que tão bem descreveu o economista estadunidense Milton Friedman:
“Só uma crise -real ou percibida- dá lugar a uma mudança verdadeira. Quando essa crise acontece, as ações que se levam à prática dependem das ideias que pairam no ambiente. Creio que essa deve ser a nossa função básica: desenvolver alternativas às políticas existentes, para mantenê-las vivas e ativas até que o politicamente impossível se transforme em politicamente inevitável.”
Motorizados por este axioma, todos os ministros de seu gabinete, estão aplicando esta teoria desde o dia um de seu mandato.
Como o Congresso Nacional está em recesso até o dia 1º de março, o presidente não convocou sessões extraordinárias, senão que assina decretos legislando; algo que se encontra expressamente proibido no artigo 99 da Constituição Nacional.
Com a desculpa das vagas que se produziram na Suprema Corte da Justiça, nomeou por decreto, ilegalmente, dois juízes, o que trouxe críticas nem só da oposição, mas também a de seus próprios partidários.
Os advogados, que deveriam ter sido apresentados diante do Congresso, e aprovadas suas indicações por dois terços dos representantes na Câmara de Senadores, provavelmente passem pelo Congresso, por causa do escândalo que se originou; mas chegam com o estigma de ter aceito a nomeação viciada de nulidade. Como poderia ser aceito um juiz que admitiu violar a Constituição , lei de leis, para ser proclamado?
Todavia, com este mecanismo conseguiu instalar na mídia e na sociedade que esses são os juízes, e não outros, ainda antes de que se decida a sua investidura no Senado da Nação.
Outro dos decretos de “Necessidade e Urgência” assinados modifica a Lei dos Ministérios. E não seria grave, se não fosse que criou o Ministério das Comunicações e atribuiu a sua órbita uma entidade autárquica como é a Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (AFSCA); o que significa que o que estiver relacionado com os meios de comunicação deixa de ter autonomia e passa a depender do governo de turno.
A gravidade institucional desta modificação radica em que, com este decreto, revogou a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual. Além das considerações específicas sobre a chamada “Ley de Meios”, votada por ampla maioria no Congresso e debatida no país todo durante mais de 20 anos, a sua revogação é ilegal, porque as leis só podem ser revogadas por outra lei.
Com outro decreto, modificou, ilegalmente, os artigos dessa lei que eram recusados pelo grupo de meios mais importante da Argentina, o Grupo Clarín, quem ganhou uma série de vantagens monopólicas a que, hoje, tem todas.
A instalação midiática durante meses da necessidade de uma desvalorização da moeda, gerou que uma das primeiras medidas de governo, fosse justamente essa, e anunciaram que a partir desse momento a moeda local perderia 40% de seu valor.
O poder aquisitivo dos assalariados perdeu a sua capacidade de compra por volta de 30 %. A inflação arrasou com o décimo – terceiro salário, e reclamações começaram a serem ouvidas.
Com a desculpa de que o governo anterior tinha uma medição muito pouco confiável, o governo de Macri, não medirá o índice de preços ao consumidor durante os próximos oito meses. E o curioso, é que o funcionário que dirige o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (INDEC ) é o mesmo que com una consultoria própria, com 3 funcionários, dava todos os meses um índice de inflação que batizaram “índice Congresso”porque os deputados da Aliança Cambiemos o apresentavam pontualmente em uma coletiva de imprensa para caluniar o índice oficial.
A falta de índice oficial, um fato que parece menor, não é tão menos assim: é o parâmetro que têm os sindicatos na hora de negociar salários nas paritárias que começam no mês de março.
A política de gerar a crise para instalar as mudanças está sendo implementada meticulosamente. A ordem para os ministros foi reduzir a quantidade de funcionários públicos. Desde 10 de dezembro de 2015 até hoje, se registraram 18.000 demissões sem justa causa de funcionários públicos estatais.
A operação da imprensa para cobrir este fato se baseia em dizer que eram contratos políticos, que recebiam um salário e não compareciam ao serviço, o que é absolutamente falso, porque se assim fosse, seriam cúmplices avalizando um calote. O procedimento nesses casos indica fazer uma sindicância administrativa, tanto ao funcionário como à chefia e à Tesouraria para apurar responsabilidades e a comprovação do fato, estabelecer uma denúncia penal contra aqueles que resultarem culpados, prima facie , do crime de calote. Não aconteceu nada disso. As demissões sem justa causa vêm se produzindo sistematicamente, e sem levar em conta as tarefas desempenhadas pelos empregados: foi demitido pessoal da saúde que realizava tarefas nas áreas inundadas na região da Mesopotâmia, o que deixou sem emprego a uns e sem atenção sanitária aos mais vulneráveis.
Esta “crise” inventada promete levar o desemprego a um índice de pelo menos 10% antes de março. Os economistas da equipe de Macri advertiam a quem quisesse ouvi-los que como a Argentina tem os salários mais altos da América Latina, os empresários perdiam competitividade e só conseguiriam recuperar o país se o desemprego chegava a 15 %. (O desemprego no momento da posse do novo presidente era de 5,7%). O que os economistas não diziam é que essa massa toda de pessoas sem emprego não consumirá e todas as empresas perderão clientes.
Algumas empresas privadas vinculadas à indústria têxtil começaram a demitir trabalhadores, porque o governo de Mauricio Macri abriu as importações. Grandes cadeias de supermercados estão fazendo encomendas de roupas no sudeste asiático, o que significará um novo quebranto à indústria têxtil argentina que tinha começado a se recuperar lentamente nos últimos 10 anos.
Os trabalhadores que têm feito manifestações reclamando pela perda dos seus empregos foram recebidos pela polícia, que violando o Protocolo de Segurança em vigor desde 2011, os reprimiram com disparos de balas de borracha e gás pimenta.
Os argentinos estamos vendo como, rapidamente, se estão instalando as políticas neoliberais em nosso país, e a estigmatização dos trabalhadores.
Apenas um mês se passou, mas o panorama é desalentador.
As ordens emitidas às forças de segurança é pedir documentos ao acaso a aqueles que transitamos pelas ruas. No caso de ter a pele mais escura ou aparência de ser pobre, a devolução da carteira de identidade sempre é acompanhada pela advertência de “cuidado com o que você faz”.
As semelhanças com as políticas desenvolvidas durante a ditadura cívico- militar de 1976, são demasiadas. E só faltavam os presos políticos. Até faz 48 horas, quando foi presa a dirigente social de Jujuy, a diputada del Parlasur Milagro Sala. O juiz que mandou prendê-la, amigo pessoal do governador, pediu uma licença após assinar a ata.
O governador de Jujuy, Gerardo Morales, disse sem se ruborizar, que a liberará só quando os trabalhadores que acampam na praça da prefeitura se retirem do local. Eles tomaram a medida radical de acampar porque desde que o governador assumiu ainda não conseguiram uma audiência com ele.
A prisão de Milagro Sala constitui , de acordo com o nosso Código Penal, um sequestro, porque exige que terceiros façam algo para que ela possa ser liberada. Milagro faz uma greve de fome na prisão.
Censura, liberalização do mercado, apagão informativo, demissões, decretos, repressão, impunidade judicial e prisão aos opositores.
Tudo faz pensar que os ditadores retornaram. Dessa vez, não com as botas dos militares, mas com votos.
E faz apenas um mês que este governo assumiu.
Versão em português: Tali Feld Gleiser, de América Latina Palavra Viva – Traduções, para Desacato.info
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Foto: Mauricio Macri.http://noticiasdelaaldea.com.ar/nota/1589/puntero_de_villa_31_vinculado_con_negocios_millonarios_durante_la_administracion_de_macri/