Por Cristiane Prizibisczki.
A promessa do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de acabar com as multas ambientais e tirar o Estado do “cangote do produtor” caminhou mais um passo para sua concretização na última quinta-feira (11). Na esteira de decretos publicados em edição extraordinária do Diário Oficial como parte das medidas de 100 dias de governo, o presidente alterou a legislação que dispunha sobre crimes ambientais no país e suas formas de compensação.
Na prática, o decreto nº 9.760 traz duas mudanças importantes na legislação anterior sobre o assunto: a criação de “núcleos de conciliação” para apurar a aplicação de multas ambientais, e modificação do programa de conversão de multas em projetos de restauração florestal.
“Núcleos de Conciliação”
Segundo o decreto nº 9.760, as infrações ambientais serão, a partir de agora, analisadas previamente por um “Núcleo de Conciliação Ambiental”. Isto significa que, antes mesmo de qualquer defesa do autuado, os núcleos de conciliação poderão analisar a multa para confirmá-la, ajustá-la ou anulá-la, caso se entenda que houve alguma irregularidade, após pronunciamento da Procuradoria-Geral Federal.
Caso o processo seja mantido, caberá a este núcleo explicar a multa ao autuado e apresentar soluções para encerrar o caso, como “desconto para pagamento, o parcelamento e a conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente”. Pelo decreto, os descontos podem chegar a 60%.
Atualmente, se um fazendeiro cometeu alguma infração ambiental, ele já pode recorrer administrativamente no Ibama e, caso perca, em outras quatro instâncias na Justiça. Com o novo decreto, o infrator ambiental ganhou mais uma facilidade: ele pode optar pela conciliação. Ao ser lavrado o auto de infração, o autuado será notificado a comparecer a uma audiência. Isso caso ele queira comparecer pessoalmente, já que o decreto prevê a conciliação até por meio eletrônico.
Para Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Preservação Ambiental (Proam), a criação dos “núcleos de conciliação” é, na verdade, uma medida de “anistia antecipada” às infrações ambientais e representa a falência funcional das instituições de fiscalização.
“O governo aponta para a impunidade. Primeiro porque sinaliza que o sistema instituído para multar carece de saneamento posterior, enquanto, na verdade, como poder público, ele deveria capacitá-lo para ser mais eficiente. Segundo, porque esses núcleos estão, pela lei, subordinados à indicação política do governo ”, disse Bocuhy a ((o))eco.
Atualmente, apenas 5% dos cerca de R$ 3 bilhões em multas que o Ibama aplica anualmente são de fato pagas. Ao optar pela conciliação, a instrução do processo sancionador que levará à cobrança da multa é automaticamente suspensa até que a audiência de conciliação seja realizada. Caso o núcleo não aceite converter a multa em recuperação ambiental, como prevê o decreto, o infrator ainda poderá apresentar até três recursos no próprio Ibama ou recorrer à Justiça.
Com uma cifra de cerca de 14 mil infrações anuais aplicadas pelo órgão ambiental federal, resta saber como o “Núcleo de Conciliação” (ou núcleos) atenderá à demanda, de modo a “acelerar os processos ainda na fase inicial e resolver possíveis conflitos”, como o próprio governo defendeu, em nota, por ocasião da publicação do decreto.
“A eficiência do sistema de gestão ambiental estatal do Brasil está em jogo. Se o decreto nº 9.760 de 11 de abril vingar, o Brasil estará instituindo uma medida antiambiental, que representa o desmonte de um dos principais meios de prevenção ao crime ambiental com o qual a sociedade brasileira conta. Favorecerá especialmente os grandes devastadores, com reflexos negativos e riscos para os biomas brasileiros, intensificando as agressões e uso inescrupuloso e predatório das florestas, afetando a biodiversidade, a água, o solo, o ar e diminuindo a possibilidade do pacto intergeracional, pois afetará também as futuras gerações”, defendeu o Proam, em nota.
Conversão de multas
Outra medida do Decreto nº 9.760 é a suspensão da chamada “conversão indireta de multas”, criada em 2017 pela gestão Michel Temer e cujo conteúdo também era criticado por Bolsonaro e pelo Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
A proposta original previa que grandes infratores recebessem um desconto caso aderissem a projetos de recuperação de áreas degradadas, com conversão direta ou indireta, sendo o desconto maior no segundo caso. A conversão indireta permitia a um autuado ter desconto de 60% em sua multa caso depositasse os 40% restantes para projetos de recuperação ambiental previamente selecionados pelo Ibama.
Essa medida foi tomada sob o argumento de que, desta forma, era possível viabilizar recursos de vários autuados e direcioná-los a um mesmo projeto, ganhando, desta forma, escala de recuperação.
O problema é que, nesta modalidade de conversão indireta, a implementação dos projetos ficava a cargo de terceiros, na maior parte Organizações Não Governamentais e, como se sabe, o atual governo não quer “dar dinheiro pra ONG”.
Bolsonaro e Salles sempre argumentaram que era melhor dar o desconto maior direto para o autuado. Então, o novo decreto estabelece que “os órgãos ou as entidades da administração pública federal ambiental poderão realizar procedimentos administrativos de competição para selecionar projetos apresentados por órgãos e por entidades públicas ou privadas, para execução dos serviços em áreas públicas ou privadas”. Isto é, agora, o decreto permite que as próprias empresas que infringirem a lei ambiental tenham seus próprios projetos de recuperação.
A conversão indireta – o que inclui projetos de ONGs – não foi extinta, mas está suspensa, já que o novo decreto suprimiu regras de como essa modalidade passará a ser operacionalizada a partir de agora, remetendo o tema a regulação futura.