Por Douglas Kovaleski, para Desacato. info.
Uma comissão especial foi criada para analisar 27 projetos de lei que incentivam o uso de agrotóxicos no Brasil. Até quarta-feira, o relatório da comissão deverá ser votado. Mas o que preocupa com a discussão do chamado “Pacote do Veneno”, é sua intenção de flexibilizar ainda mais as regras dos agrotóxicos, o que não interessa à sociedade, que vai ficar ainda mais exposta aos agrotóxicos, aumentando os riscos de adoecimento, como intoxicações, câncer e malformações, entre outras. Esse quadro aumenta os gastos com saúde e fazem mal ao meio ambiente como um todo, incentivando o agronegócio em detrimento da agricultura familiar e orgânica. Esse quadro, além do mais pode agravar as restrições que diversos países estrangeiros, que importam do Brasil (União Europeia, EUA, entre outros), estão fazendo com relação aos nossos produtos.
Questiona-se os reais interesses da maioria da Comissão, formada por ruralistas que se dizem preocupados com o desenvolvimento da agricultura nacional, que sofreria retrocessos. Mas, de fato, quais os interesses das multinacionais dos agrotóxicos em jogo?
O que mais impressiona no andamento da comissão é a dificuldade de se colocar outros setores da sociedade, como a saúde e meio ambiente para contribuírem com o debate. Essa luta vem sendo travada por integrantes da Comissão, como os deputados Alessandro Molon (PSB), Ivan Valente (Psol), Nilton Tatto (PT-SP) e Elvino José Bohn Gass (PT-RS). Alegando cumprimento ao regimento, a presidenta da Comissão, a deputada ruralista Tereza Cristina (PSB-MS), apoiada pelo relator Nishimori e outros deputados ruralistas, negou a participação.
A Fundação Oswaldo Cruz, o próprio IBAMA, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e Direitos Humanos (CNDH), Ministério Público Federal (MPF), Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil (Aprodab) entre outras, são contrárias ao “Pacote do Veneno”. O caminho que a maior parte dos países do mundo segue, que incentiva a produção orgânica, ou pelo menos, a diminuição ou banimento do uso de agrotóxicos está sendo desconsiderado no Brasil e isso cobrará um alto preço da nossa nação e principalmente do nosso povo, afinal a incidência de câncer está tomando uma proporção muito grande no país.
Por trás do debate sobre o veneno decorre um debate sobre a sociedade que queremos, pois a reforma agrária e a valorização da saúde e da vida ficam em xeque a partir das posturas da maioria da referida comissão.
A sociedade está se mobilizando, pois foi entregue à presidenta da comissão 100 mil assinaturas contra a aprovação do pacote, coletadas por meio da plataforma #ChegaDeAgrotóxicos, destacou que as mudanças na atual lei só atendem aos interesses das indústrias de agrotóxicos, que estão entre os sustentadores da bancada ruralista.
O professor Wanderlei Pignati, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), pesquisador do assunto encontrou agrotóxicos até no leite materno. Na Universidade Federal do Ceará uma pesquisa aponta para o crescimento de casos de malformações congênitas em áreas de pulverização aérea no estado. Essa situação também já foi constatada no interior do estado de São Paulo, na lavoura da cana, de acordo com o Fórum Paulista de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos e Transgênicos.
Constituída pelo deputado cassado, condenado e preso Eduardo Cunha (MDB-RJ) em 8 de abril de 2016, a Comissão é formada em sua maioria por ruralistas. Entre eles, os autores de projetos incluídos no “Pacote do Veneno” Covatti Filho (PP-RS) e Luis Carlos Heinze ( PP-RS), além de Valdir Colatto (PP-RS).
A Comissão realizou oito audiências públicas em dois anos, com defensores dos agrotóxicos, que atuam no Canadá, Estados Unidos e Austrália. Mas nunca foram convidados trabalhadores rurais para serem ouvidos, nem consumidores.
O único caminho que temos a seguir é a luta, a mobilização popular e o enfrentamento do grande capital, ou mais esse projeto será aprovado piorando ainda mais nossas vidas, trazendo sofrimento às pessoas, morte e mais acumulação de riquezas para os ricos.
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Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.