Governo e Congresso escolhem caminho mais difícil e menos efetivo para reforma tributária

Reforma dos impostos sobre a renda, que aumentaria tributação sobre ricos e aliviaria pobres, está em segundo plano

Imagem: REUTERS/Agustin Marcarian

Por Vinicius Konchinski, Brasil de Fato.

reforma tributária virou prioridade número um para a equipe econômica do novo governo e para parlamentares líderes do Congresso Nacional neste início de ano. Eles esperam aprovar mudanças na cobrança de impostos no país ainda neste semestre.

Segundo especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, a tarefa é muito difícil. Isso porque as alterações em discussão dependem da aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), a qual precisa ser aprovada por dois terços da Câmara e do Senado em dois turnos.

Pior que isso, mesmo que aprovada, a tal reforma priorizada pelos políticos avança pouco para solucionar o principal problema do sistema tributária nacional, a chamada regressividade: pobres pagando mais impostos que ricos, proporcionalmente.

Isso significa que, apesar do esforço político que ela demandará, a reforma não será suficiente para criar uma tributação mais justa, conforme prometeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em diretrizes apresentadas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Que reforma é essa?

A reforma tributária que governo e Congresso pretendem aprovar está rascunhada em duas PECs em discussão desde 2019: a 45/2019 e a 110/2019. Ambas tratam basicamente do mesmo tema. Propõem uma reforma sobre impostos vinculados ao consumo.

Há diferentes tipos de impostos cobrados sobre consumo: PIS, Cofins, ISS e ICMS, entre outros. As duas PECs querem unificar esses tributos e suas legislações. Tudo isso para simplificar o recolhimento de tributos principalmente para grandes empresas.

Para que isso ocorra, porém, é preciso que pelo menos uma dessas PECs passe pelo Congresso. O regimento das Câmara e do Senado prevê regras específicas para votação dos projetos, já que eles propõem uma mudança na Constituição, lei maior do Estado.

Nesse caso, é necessária uma quantidade maior de votos do que para aprovação de um projeto de lei simples. Obter todos esses votos é difícil, ainda mais porque o consenso sobre a reforma ainda não existe.

Setores empresariais, como os planos de saúde, são contra. Estados e municípios também têm suas objeções, já que a unificação das regras de impostos tiraria a autonomia deles para taxar determinados produtos.

“Haverá um grande fluxo de grupos de interesse lá no Congresso [para discutir essa reforma]. Uma profusão de grupo de interesse muito grande”, afirmou o auditor da Receita Federal Mauro Silva, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional). “O parlamento vai ter que ouvir essas pessoas. Isso vai atrasando o ritmo de tramitação.”

Silva, aliás, é cético quanto ao cronograma idealizado por governo e parlamentares: não acha que a reforma em discussão termina neste semestre. Ressalta ainda que outra reforma, que dependeria só de um projeto de lei ordinária deveria ser priorizada: a reforma do imposto sobre renda, cobrada sobre salários e lucros, por exemplo.

Para o auditor, além de mais fácil de ser aprovada, ela ataca a regressividade da tributação, o que a reforma sobre consumo não faz.

“Poderiam tratar primeiro da reforma do imposto de renda. Trabalharia a outra em paralelo para que uma votação de uma ajudasse na outra”, disse.

Tributando ricos

Marcelo Lettieiri, conselheiro do Instituto Justiça Fiscal, também acredita que o governo e o Congresso erram em focar seus esforços na reforma de tributos sobre consumo. Assim como Silva, ele acredita que a reforma do imposto sobre renda é mais importante, pois essa sim torna a tributação do país mais alinhada às boas práticas internacionais.

Segundo Lettieiri, cerca de 35% dos impostos arrecadados no Brasil são sobre consumo. A média de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) é 22%. A proposta de reforma no Congresso não muda isso, já que está focada principalmente na simplificação das cobranças.

Já a média da tributação sobre a renda na OCDE é 33%. No Brasil, 22% dos impostos arrecadados são sobre a renda. Isso a reforma do imposto de renda pode mudar.

Para o especialista, inclusive, o governo deveria propor um acordo para aprovar primeiro a reforma sobre a renda e depois a do consumo, que poderia ser aperfeiçoada.

“O governo poderia na verdade fazer um grande acordo com o mercado, que está muito interessado nessa simplificação. Aprova a da renda e mantém um compromisso de, no segundo semestre, aprovar a do consumo, reduzindo carga tributária”, sugeriu, lembrando que a tributação sobre a renda abre espaço para desoneração do consumo.

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Silva, da Unafisco, afirmou que reformar o imposto sobre renda não significa apenas corrigir a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) – o que, aliás, também é promessa de campanha de Lula. É preciso rever as isenções concedidas a donos de empresas.

“Não é simplesmente aumentar as alíquotas na tabela para até 35% [hoje são até 27,5%] e dizer que está taxando ricos”, disse Silva. “Se você não combater a ‘pejotização’ e tributar dividendo, não vai cobrar 35% de imposto de ninguém.”

É preciso também, disse Mauro, rever até a forma como impostos sobre o lucro de empresas é cobrado. Tudo isso, considerando que não se pode comprometer a competitividade de empresas brasileiras no mundo.

Reforma solidária

Vilson Antonio Romero, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), afirmou que a entidade e outros movimentos sociais já apresentaram uma emenda à PEC 45/2019 para que ela se torne mais ampla, incluindo impostos sobre renda e até patrimônio.

Só 5% dos impostos nacionais são sobre patrimônio: sobre propriedade de carro ou casa, por exemplo. No país, atualmente, também não existe imposto sobre grandes fortunas.

A criação desse tributo está prevista na chamada Reforma Tributária Solidária, sintetizada na emenda da PEC.

“Nosso projeto abarca a tributação do consumo, a tributação sobre a renda, com tributação sobre dividendos, etc”, resumiu Romero.

Guilherme Mello (PT), secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, defendeu por diversas vezes a reforma solidária em textos e entrevistas antes de entrar no governo. O novo governo, porém, ainda não declarou se buscará aprovar essa proposta.

Edição: Nicolau Soares

 

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