Google e Apple gravam tudo: de encontros sexuais à rotina dos filhos

Foto: Rawpixel

Por Marques Casara.

A vida ficou aparentemente mais fácil desde que parte do que somos passou a se realizar na Internet. Hoje, estamos vinculados não mais ao tempo que passa, mas ao tempo das máquinas, singelamente chamado de “tempo real”. É a vida mediada pela tecnologia da informação. Isso nos permite, por exemplo, conversar ao vivo com diversas pessoas ao mesmo tempo, cada uma em um canto do mundo. Mas isso tem um preço, mais caro do que gostaríamos de pagar.

Apesar de tantas facilidades, nunca estivemos tão ameaçados. Nossa intimidade nunca esteve tão exposta. Somos vigiados o tempo todo, inclusive na nossa vida íntima.

Há alguns dias, o jornal britânico The Guardian publicou uma reportagem que caiu como uma bomba na Europa: a assistente virtual do Iphone, Siri, está gravando consultas médicas, reuniões de negócios e até mesmo encontros sexuais. Sem que o dono do smartphone saiba ou tenha autorizado.

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Segundo a fonte do jornal, além de gravar, o Iphone informa os dados da pessoa gravada, a localização e uma série de outros dados que deveriam ser absolutamente privados. Pessoas reais, contratadas pela Apple, ouvem essas gravações. O pretexto é singelo: melhorar a qualidade do assistente virtual. Você acredita nessa justificativa?

A reportagem do Guardian apurou que Google e Amazon fazem a mesma coisa. Ou seja: ninguém que carrega um smartphone no bolso está protegido da espionagem das empresas de tecnologia.

O que as empresas fazem com o que roubam de nós? Vendem! Quinta-feira passada, por exemplo, veio à tona a informação de que o Google rastreou a navegação de crianças, principalmente no YouTube. Os dados, coletados sem o consentimento dos pais, eram vendidos para empresas que produziam anúncios direcionados a essas mesmas crianças. No mesmo dia, outro escândalo: O Google não está cumprindo promessa feita em 2018, de parar de usar páginas escondidas na internet e cookies identificadores, com o objetivo de monitorar nossas dados e vendê-los a outras empresas, sem nosso consentimento.

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Também alguns dias atrás, no Brasil, o Procon multou a Apple e o Google. Motivo: abuso no rastreamento de dados. Todos esses casos aqui citados aconteceram nos últimos dias. Mas o histórico de violência e abuso vem de muito tempo, desde que nos tornamos felizes proprietários desses belíssimos dispositivos pelos quais pagamos os olhos da cara. E eles ainda nos espionam.

Estamos perdendo a guerra pelo nosso mais singelo direito: ter um pouco de privacidade. Imagina a cena: a pessoa acorda, vai ao médico, vai a uma reunião de negócios, vai a um motel fazer sexo, vai a uma igreja se confessar. Em seu bolso, um Iphone. Pois saiba que tudo pode ter sido gravado. E que pessoas contratadas pela empresa que te vendeu telefone podem estar ouvindo o que aconteceu. Simples assim.

Durma-se com um barulho desses. Aliás, até seu sono estão gravando. Enquanto você dorme, a Siri trabalha. Ou como diz o próprio anúncio da Apple: “A Siri é uma assistente inteligente que ajuda a deixar tudo mais rápido e fácil, mesmo antes de você pedir.” Sim, mesmo antes de você pedir. Mesmo sem que você tenha autorizado.

O que fazer diante disso? Primeira coisa: não pense que seu telefone é um lugar seguro. Além de toda a tecnologia, há muita pilantragem embarcada no aparelho. E você paga para ser espionado. Paga o aparelho e paga a conta no final do mês.

Você tem certeza que toda essa tecnologia foi criada para o nosso benefício? Ou foi criada para o benefício de poucas corporações, que passaram a controlar tudo em nossas vidas? Pense sobre isso.

Sugestão: acompanhe o trabalho dos grupos que defendem os direitos do cidadão e que defendem o direito de privacidade na Internet. Participe desses grupos, em nome da sua própria segurança. Por enquanto, saiba que a sua vida e a de seus filhos está o tempo todo sendo monitorada, gravada e vendida. Sem que você tenha autorizado.

As empresas de tecnologia estão construindo o que os especialistas chamam de “cerca invisível de arame farpado ao redor de nossas vidas”. Prometem liberdade, mas de fato oferecem controle e monitoramento.

É possível e necessário assumirmos uma postura crítica e emancipatória em torno das tecnologias da informação, que são muito úteis, mas têm nos cobrado um alto preço: o poder de gerir as nossas próprias vidas. Nos fazem de cobaias, como é o caso das gravações das conversas promovidas por Apple e Google. Se quiser aprofundar o assunto, segue abaixo recomendação de leitura:

    • MOROZOV, Evgeny. Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo: Ubu Editora, 2018.

Edição: Daniela Stefano

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