Golpismo

Por Fausto Brignol.

Estamos todos proibidos pelas Forças Armadas brasileiras de ter comprometimento ideológico, porque elas continuam mandando no país desde 1964 e a única ideologia aceitável é a importada dos Estados Unidos: a ideologia do entreguismo. As Forças Armadas brasileiras há muito tempo – desde 1945 – não são mais brasileiras, mas uma filial das Forças Armadas dos Estados Unidos. E por isso se ufanam.

Há quem chame isso de golpismo, mas eu prefiro chamar de servilismo, porque golpes militares foram vários na história da nossa triste república, sendo que o mais cristalizado e acadêmico foi o de 1964, que teve como principal objetivo instituir a adoração do futebol pelo nosso humilhado e inconsciente povo e, de quebra, matar, torturar e prender comunistas e simpatizantes, mas, principalmente, prender, torturar e matar nacionalistas – que, para as Forças Armadas são os elementos mais nocivos à nação.

Mas poderá ser entendido como golpismo, se lembramos que toda vez que o assim chamado povo brasileiro – representado garbosamente pelas suas elites – pensou que poderia governar através de partidos e representantes eleitos teve os seus sonhos desfeitos em lamúrias e cacetadas.

Foi assim com o suposto suicídio de Getúlio Vargas, do qual não me convenço, porque a CIA tem armas que somente o Demiurgo vê – e delas o vil mortal não poderá jamais escapar. Foi assim com o golpe de 1961, que instituiu o Parlamentarismo com o apoio de Tancredo Neves e foi assim em 1964 quando, muito aborrecidos, os militares decidiram que eles é que deviam governar o país, porque os civis estavam incomodando muito com a sua mania de fazer um Brasil para os brasileiros.

E continuou nos anos 1980 quando, por força das circunstâncias internacionais e por ordem dos Estados Unidos, os militares tiveram que oficialmente abrir mão do poder, depois de algumas passeatas e concentrações de civis nas principais cidades do país, que foram devidamente televisionadas pelas muito amigas redes de televisão do poder e quando cantores se tornaram heróis e heróis de verdade foram lembrados para serem logo esquecidos e quando o povo pensou que era ele o autor das mudanças políticas que os fardados e seus amigos civis promoviam.

E novamente o centrista Tancredo Neves foi usado para ser eleito indiretamente, mas uma estranha doença desconfiou que ele não era tão centrista assim e o liquidou em poucos dias na véspera de tomar posse e o povo chorou enquanto uma cantora famosa cantava o hino nacional com lágrimas que não eram de crocodilo e os crocodilos se confraternizaram nas casernas, porque colocaram o velho amigo do peito, José Sarney, no poder.

E depois, Sarney fez o governo desejado pelos militares e possibilitou as eleições diretas e a Globo fabricou o Collor e depois o desfez quando Collor chegou a pensar que realmente era presidente e depois vieram outros presidentes igualmente amigos da farda e da mídia e sempre o Lula ali, via PT, dizendo que se eleito fosse faria um grande governo para o povo e com o povo e o Brizola lá, dizendo que queria restaurar a raízes do getulismo – o que era muito mais perigoso que um Lula que poderia ser manipulado -, mas Brizola morreu cedo demais para o gosto de todos e tão cedo que todos desconfiaram e finalmente foi eleito Lula, agora lá, mas devidamente amestrado e fez o governo mais corrupto da história recente do Brasil – para gáudio dos militares.

E naquele governo dos mensalões e dos mensalinhos, que era dividido com todos os partidos amigos da direita, do centro e da pseudo-esquerda, aos quais permitia todos os desvarios da opulência do poder, porque é dando que se recebe, com disse beatificamente São Francisco, Lula se aliou oficialmente aos Estados Unidos para o que der e vier, através de tratados secretos e apertos de mão simbólicos e fez os militares novamente gargalharem, porque Jobim, o Grande, era eleito junto com Lula e se tornava seu ministro da defesa dos desejos dos militares.

E no Haiti era deposto o presidente pelo povo esfomeado e pela guerrilha armada. Justamente o Haiti, que fica a um tiro de arcabuz de Cuba e os Estados Unidos nomearam o Brasil jobínico como chefe de uma grande força de paz da ONU, também formada por outros países servis para ajudarem aquele povo pobre até que chegasse o grande terremoto e os Estados Unidos tomasse conta definitivamente do Haiti e kaput!

E de lá voltam os orgulhosos militares brasileiros pensando porque não no Brasil também, afinal o Haiti é aqui e Lula dava ao povo futebol e mesadas e os militares subiam os morros com tanques e helicópteros e toda a força bélica que possuem para combater a droga do povo que insiste em ser favelado num país que tem um desenvolvimento tão acelerado e tanto petróleo do Sérgio Cabral, que não é Cabral por acaso…

Mas – súbito! – para surpresa de muitos, é eleita Dilma Roussef, que era tida apenas como uma senhora que tinha o dever de guardar a cadeira da presidência para o Lula por quatro tediosos anos, uma senhora que parecia apenas feminista e defensora das causas sociais que não provocam revoluções, mas apenas leves indignações, que parecia estar somente fazendo hora enquanto seu lobo não vem, de novo, mas que, como consciente mulher que é, embora feminista, resolve fazer a faxina da casa.

E todos aqueles que pareciam intocáveis – Palocci, Nascimento e a turma do Dnit – vão sendo espanados do poder e agora vem a turma do ministério da Agricultura, que é do PMDB e todos pensam que Dilma não pode mexer com o PMDB, porque é o principal aliado da sua base no Congresso, mas será?

E para supremo desafio, Jobim, o Grande, do alto de seu quase inalcançável pedestal de grande preboste, transformando as Forças Armadas brasileiras nas mais armadas da América do Sul, que combaterão Chávez e Evo Morales juntos, se necessário for e os Estados Unidos pedirem, depois que derrotar o povo das favelas, Jobim, o Engraçado, põe-se a dizer gracinhas – que graça! – sobre a presidente e suas ministras e – pasmem, senhoras e senhores! – é demitido.

Profundo silêncio nos quartéis. Manifestações de repulsa dos mais graduados entre os graduados militares, frases que ficarão eternas sobre o possível comprometimento ideológico do governo – como se o governo devesse ser uma coisa insossa, uma espécie de boneco nas mãos dos mais poderosos e mais bem armados -, lembranças de que eles, os militares, estão atentos para, se os brasileiros clamarem e a Globo insistir, fazer o que a hora requer.

E para horror e estertores gástricos de generais e afins é nomeado Celso Amorim, que poderá viabilizar a Comissão da Verdade, para o Ministério da Defesa. Alguém que poderá não usar farda e ainda ajudar os não fardados a descobrir como foi que os militares mataram e torturaram, em seus momentos de lazer e beatitude, aqueles que julgavam inimigos.

– Como ousa a Dilma agir como Presidente de verdade? – murmuram, bradam, os que preferem o silêncio como única inatacável verdade histórica. Como Dilma ousou tirar o Jobim, o amigão, que já estava, desde a triste época do Lula, transformando o Brasil num país novamente militarizado. O Haiti não é aqui?!

E todos falam em golpe. Golpe. A lei do mais forte. Que o leão se torne leão devorador de instituições e constituições. Que os soldados marchem por estradas e ruas e atropelem a tudo e a todos; que desçam das favelas e entrem nas cidades, cerquem as assembléias, o Congresso, o Palácio do Planalto, porque Jobim deve ser vingado e a fúria marcial somente acabará com um general no poder – é o que pensam e talvez tramem os mais exaltados e saudosistas.

Outros calculam saídas políticas. Dilma poderia se transformar em um segundo Jânio Quadros. Poderia renunciar, devido à força tão forte das forças ocultas não tão ocultas. E teriam o Temer no poder, de quem nada se deve temer.

Ainda outros, que se arvoram de constitucionalistas, dizem que é melhor a Dilma terminar o seu mandato, porque depois voltará o Lula, o Cara, e com ele Jobim, O Grande.

Enquanto isso, enquanto o golpe não se define, enquanto os que bufam contra Dilma, aos poucos se transformam em meros bufões e o Brasil assiste futebol, porque é muito grande a curiosidade sobre os cabelos do Neymar, o PSDB abre as portas para Jobim, que poderá acabar os seus dias dignamente no silencioso Senado. Ou como eterno candidato a Presidente.

Imagem: fab.mil.br

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