Mais uma manobra do governo Bolsonaro para “passar a boiada” está em curso. Bolsonaro assinou o Decreto nº 10.623/2021 criando o Programa “Adote um Parque”, colocando de vez uma pá de cal nas políticas públicas de conservação, recuperação e melhoria das Unidades de Conservação (UCs) federais. O Adote um Parque privatiza e transfere a responsabilidade pública para pessoas físicas e jurídicas privadas, nacionais e estrangeiras, promovendo a governança privada sobre territórios de interesse coletivo e social.
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Ontem o Ministério do Meio Ambiente divulga a Portaria n° 73/2021 com uma lista de 131 unidades de conservação federais da região da Amazônia Legal para a primeira etapa do programa. A portaria estabelece valores de 50 reais, para empresas nacionais, ou 10 euros, para empresas estrangeiras, por hectare. O governo ecocida se libera de suas responsabilidades e faz uma verdadeira pechincha com os bens comuns do Brasil. Assim, o programa privatiza e transfere a responsabilidade pública que já está a cargo do Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para pessoas físicas e jurídicas privadas, nacionais e estrangeiras, promovendo a governança privada sobre territórios de interesse coletivo e social.
Uma articulação entre Organizações e Movimentos Sociais envia, hoje, uma carta as/aos parlamentares no sentido de alertar e mobilizar para a necessidade de barrar essa atrocidade que coloca em risco nossas florestas e os direitos dos povos e comunidades tradicionais que ali vivem. A carta destaca que com essa ação, o “Brasil mais uma vez se afasta de sua obrigação em implementar os compromissos de enfrentamento da crise climática assumidos no Acordo de Paris, jogando para iniciativa privada sua responsabilidade de conservação e proteção dos bens comuns”.
Leia a carta na íntegra:
O Decreto nº 10.623 do Governo Federal de 09 de fevereiro de 2021 trouxe vários questionamentos e preocupações ao instituir o Programa “Adote um Parque” cujo objetivo alegado pelo governo é promover a conservação, a recuperação e a melhoria das unidades de conservação federais por pessoas físicas e jurídicas privadas, nacionais e estrangeiras. No entanto, nos parece evidente que o resultado da instituição deste Programa, não poderá ser outro senão o de pôr, oficialmente, o Brasil à venda.
O Programa reflete a intenção do governo brasileiro de promover o desmonte da política pública socioambiental e, assim, impulsionar a privatização e a financeirização da natureza, processos que vêm sendo denunciados reiteradamente por organizações da sociedade civil brasileira e movimentos sociais. Por isso, manifestamos oposição à transferência da responsabilidade pública para a iniciativa privada nacional ou estrangeira. É do nosso entendimento que o Programa estabelece a governança privada sobre territórios de interesse coletivo e social, restando ao Estado a gestão das concessões à iniciativa privada..
O que diz o Decreto nº 10.623?
O ato de adoção, de acordo com o Decreto, constitui em doação de bens e serviços. Mas quais bens e serviços? Quais empresas e pessoas estão interessadas em adotar um Parque (Unidade de Conservação)? Como será feita essa gestão e monitoramento? E talvez a pergunta mais importante: Quem decide pela adoção? Para que “adoção”, se o Brasil já possui instituições responsáveis pela gestão das suas Unidades de Conservação? Essas perguntas encontram respostas preocupantes no texto do Decreto nº 10.623 em um contexto em que o Governo Federal mais ameaça a proteção de florestas e da sociobiodiversidade.
No dia 01 de março foi publicada a lista de UCs a serem incluídas na primeira etapa do Programa Adote um Parque através da Portaria nº 73 do Ministério do Meio Ambiente. O Programa está virando realidade. A lista com mais 50 Unidades de Conservação (nas modalidades FLONA, RESEX, REBIO, PARNA e ESEC) inaugura o início dos investimentos privados em Unidades de Conservação.
A gestão destas Unidades de Conservação é de competência do Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O Instituto vem sofrendo com sucateamento e sendo direcionado cada vez mais para cumprimento de agendas da financeirização da natureza no intermédio de empresas interessadas em investimentos em serviços ambientais.
O Programa Adote um Parque surge como iniciativa para a privatização da política pública ambiental no Brasil, após o presidente Bolsonaro anunciar um corte de 42% no orçamento do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para o projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 em comparação a 2018. Contudo, isso ocorreu no mesmo momento em que se observou o aumento de 34,5% nos alertas de desmatamento entre 2019 e 2020, segundo dados do sistema Deter, do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). Ou seja, quando a atuação de órgãos de fiscalização ambiental teriam se tornado ainda mais importantes.
Em algumas Unidades de Conservação de Uso Sustentável, a exemplo da Resex Tapajós Arapiuns, percebemos que a gestão da Unidade, fundamentada nas normativas do Ministério do Meio Ambiente e do ICMBio, passava por uma centralização da tomada de decisões pelo próprio ICMbio, evidenciando conflitos étnicos no território. No Programa “Adote um Parque” reforça-se a centralização da política de editais no ICMBio para seleção dos doadores e das formas de “contrapartida” que beneficiam esses doadores.
Um dos pontos que destacamos é a possibilidade de uso da unidade de conservação federal para atividades institucionais temporárias da empresa ou pessoas físicas como “adotante”, previsto no artigo 21 do Decreto que instituiu o Programa. Esta previsão de uso privado abre brechas para apropriação indevida dos territórios pelos “adotantes”, já que as limitações ao uso são poucas e frágeis.
Outro ponto que alertamos é o fato de que a primeira empresa anunciada a adotar área dentro do Programa Adote um Parque é o Carrefour, no caso da Reserva Extrativista do Lago do Cuniã, em Rondônia. A rede de supermercados possui uma série de violações socioambientais em sua cadeia produtiva, além de estar associada a graves episódios de racismo, como no espancamento até a morte de João Alberto Silveira Freitas em Porto Alegre-RS em novembro de 2020.
Dentre os benefícios conferidos ao “adotante”, inclui-se a inserção da identificação do mesmo nas sinalizações da UC federal, assim como o uso nas publicidades próprias dos slogans “Uma empresa parceira” da UC adotada, do bioma ou da região em que a referida unidade se localiza (artigo 21). Não é explicitado no Decreto se há distinções na adoção de unidades de conservação de uso sustentável, que incluem a presença de povos e comunidades tradicionais.
Desse modo, com o crescente desmonte dos órgãos de fiscalização ambiental e essa abertura de áreas públicas à iniciativa privada, torna-se ainda mais ameaçada a gestão transparente e a proteção das UC federais. Com isso, o Brasil mais uma vez se afasta de sua obrigação em implementar os compromissos de enfrentamento da crise climática assumidos no Acordo de Paris, jogando para iniciativa privada sua responsabilidade de conservação e proteção dos bens comuns.
O que torna este quadro ainda mais preocupante é que, paralelamente, o Governo Federal tem realizado a inclusão de UCs no Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República – PPI, a exemplo do Decreto nº 10.147/2019, para que as Unidades de Conservação fossem objetos de investimento e a gestão pública de áreas protegidas tivesse cada vez mais participação de entidades privadas, que deturpariam a destinação da Unidades de Conservação.
Neste sentido, enviamos esta Carta as/aos Parlamentares que possam tomar medidas que revertam a ameaça às Unidades de Conservação no Brasil a fim de que se tenha um modelo de gestão pública das Unidades que envolva o fortalecimento dos órgãos de gestão ambiental de maneira democrática com participação das populações das UCs como as comunidades quilombolas, extrativistas, ribeirinhas e indígenas.
Assinam está carta:
Amigos da Terra Brasil
Associação Agroecológica Tijupá
Associação dos Produtores Rurais do Povoado Cocalinho
Associação Indígena Pataui do povo indígena Maytapu de Pinhel – AIPAPI
Campanha em Defesa do Cerrado
CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço
Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras E Marinhas – CONFREM
Comissão Pastoral da Terra
Conselho Indígena Tapajós Arapiuns – CITA
Conselho Nacional das Populações Extrativistas – CNS
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ
FASE – Solidariedade e Educação
Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
Fórum Mato-Grossense pelo Desenvolvimento e Meio Ambiente – FORMAD
Fórum Popular da Natureza
Grupo Carta de Belém
Grupo de Consciência Indígena – GCI
Grupo de Defesa da Amazônia – GDA
GT Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia
Instituto Caracol
Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos
Instituto Preservar
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA Brasil
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Movimento Tapajós Vivo
Pastorais Sociais da Arquidiocese de Santarém
Projeto Saúde e Alegria
Rede de Agroecologia do Maranhão- RAMA
Sindicato dos trabalhadores rurais, agricultores e agricultoras familiares de Santarém – STTR Santarém
Terra de Direitos