Por Silvia Nascimento, no Mundo Negro.
A Globo produziu um vídeo para o projeto Criança Esperança, onde crianças teriam que ler frases racistas para uma atriz negra, cara a cara, olho no olho. Nada de muito original, porque um projeto semelhante foi feito nos EUA, só que homens adultos, diziam textos de conteúdo misógino e obsceno para mulheres também adultas.
Como na experiência norte-americana, muitas dessas crianças não conseguiram dizer as frases e foram tomadas pela tristeza, vergonha e revolta. Algumas delas inclusive, citou outras frases racistas que ela ouviu de outras crianças, o que definiram como bullying, que é diferente de racismo. Cabia a Globo fazer essa correção, ou alerta, mas o objetivo era emocionar.
“Eu não gosto da sua cor”
“Seu cabelo é horrível”
Essas foram as frases que as crianças, em sua maioria negras, tiveram que dizer a uma atriz de cabelo crespo e pele bem escura, que também demonstrou estar emocionada em alguns momentos do vídeo.
Eu duvido que a Globo usaria crianças brancas para reproduzir discursos de violência, de frases de pedófilos por exemplo, para conscientizar sobre abusos na infância. Ou fazer algum menor de idade recitar frases daquelas funks proibidos, para falar sobre sexualização das crianças.
Por isso me choca e revolta, fazer com que essas crianças negras que passaram e passarão por situações de racismo ao longo da vida, tenham suas emoções expostas em rede nacional, nesse “simulado”. Ficou claro pelas lágrimas, pausas e suspiros, que o cérebro delas, leu o experimento como uma experiência real. Elas foram expostas ao racismo e não sairão mais fortes por isso.
Rede Globo, que tal falarmos de racismo expondo o agressor? Questionado a justiça e a constituição que lê racismo como injuria racial e não manda ninguém para cadeia? Fazer programas que dê visibilidade a projetos de combate racismo, fora da campanha Criança Esperança? Ter mais negros na programação, talvez?
A exposição Exhibit-B – repleta de reproduções do zoológico humano, onde negros eram expostos como animais – foi proibida em vários países, inclusive no Brasil, por querer falar sobre racismo expondo as dores dos negros escravizados por meio de atores negros que ficavam expostos dentro de jaulas ou usando correntes, “ao vivo”. Foi ponto pacífico em muitos lugares, que o fardo dos atores do projeto, estava além da arte. É o produtor branco mais uma vez, transformando a nossa dor em espetáculo.
Eu acho que até há uma boa fé e sinceridade em ações como essas, mas se os envolvidos chamassem a comunidade negra para participar do processo de criação de projetos como esses, seria diferente.
Até quando temos que expor as nossas feridas (e das nossas crianças) para ensinar racismo para brancos? Quais as mudanças concretas que essa exposição toda nos traz, além de traumatizar ainda mais nossos pequenos?
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Fonte: Geledés.