Gilberto Gil 80 anos – uma festa que é de todos, do Brasil e do mundo

É dia de comemorar e agradecer, dia de festejar. Vidas como as de Gil, que forjaram a construção das nossas, são celebrações de todos

Foto: Alexandre Cassiano

Por Julinho Bittencourt.

Meu pai trabalhava na Abril Cultural na década de 60. Por conta disso, trazia pra casa aqueles disquinhos da série Música Popular Brasileira. Eram vinis menores, de dez polegadas, com quatro canções de cada lado e um fascículo com a história do músico. Um dos primeiros que me atraquei, ainda bem criança, foi o de Gilberto Gil. Lembro bem da sensação que me causou a canção “Domingo no Parque”.

Foi minha primeira proximidade do que se revelou posteriormente como estética, como a “crítica do gosto“, que tive.

É uma canção cinematográfica, repleta de cores, tragédia, angústia e beleza, uma infinita beleza. Pela primeira vez reparei que sons poderiam contar histórias, propor movimentos, reinventar a vida. Tinha uns oito ou nove anos e poucas vezes havia ouvido algo tão bonito.

Mais de 50 anos depois, reafirmo. Outras belezas, no entanto, vieram se somar àquela, da infância, e se perpetuaram pela vida afora. Gil é daqueles artistas que cumpre seu papel transformador dentro e fora da obra. E suas obras seguiram nos ensinando, senão a viver, a questionar a vida.

Após esta primeira fase, saído de Salvador e ganhando o Brasil, ele seguiu para o exílio, em Londres, e voltou transformado. Seu violão, cantos, o “Expresso 222” rumo a um Oriente sonhado e imaginado nos davam a dimensão da nova juventude que surgiria pós-ditadura.

Do final dos anos 70 para os 80, Gil mergulhou no prazer e no deleite da cultura pop sem medo nenhum da felicidade, do realce, da visão afro-americana do mundo. Com formação de esquerda, ouvia incomodado as críticas da imprensa, amigos e parentes ao músico. Tudo o que vinha dele me parecia uma ode à vida, um passaporte para a vida que não poderia, jamais, ser tratado daquela maneira, tão carregada de regras. Gil era e sempre foi a falta delas.

Sempre carregado de um talento impressionante para o fazer musical, tanto nas suas canções quanto no canto e violão casados desaguando na realização impecável de seus discos, é daqueles artistas, feito João Gilberto, que nos lembram sempre do quanto é imprescindível buscar a perfeição.

Quem me mostrou a alma de Gil foi o Pardal, um amigo querido, músico de mão cheia, que insiste em aprender – e ensinar – seus acordes e desdobramentos ipsis litteris, tal e qual são engendrados. Através de seus ensinamentos, que são também os de Gil, pude perceber com exatidão toda a sabedoria contida naquela música universal.

Gil chega aos 80 nesta manhã de domingo e, através de sua vida e obra, revejo e recupero o nosso tempo. Nada teria sido como foi não fosse ele, o menino mágico devoto a Xangô, espezinhado pela esquerda que virou um dos maiores ministros da Cultura do maior governo de esquerda de todos.

O homem que integrou sua obra a seu tempo, antecipou comportamentos, reverteu prioridades, criou uma família maravilhosa, libertária e inventiva e prossegue, a partir de então, sua trajetória para o infinito.

É dia de comemorar e agradecer, dia de festejar. Vidas como as de Gil, que forjaram a construção das nossas, são celebrações de todos.

 

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