Por Letícia Lanz.
Meu cartão do banco itaú venceu, não chegou outro pelo correio, e eu preciso muito dele porque é com ele que todo mês eu recebo meu salário-mínimo de aposentadoria. Daí tive que me deslocar até a agência do banco que o INSS escolheu para mim quando eu comecei a receber o meu pé-na-cova. Pra quem não sabe, é o INSS que escolhe a agência. E a minha fica dois bairros adiante do meu.
Cheguei, coloquei o carro num estacionamento pago e marchei para a agência, debaixo de uma chuva fina. Logo na entrada, o primeiro incidente. Coloquei as chaves e o celular no buraco do guarda mas a porta continuou emperrada. Tirei mais umas coisas da bolsa, mas a porta, nada. Catei mais umas moedas e nem sinal da porta abrir. Daí o cara que estava atrás de mim na fila resolveu dar uma de guarda-auxiliar do banco e começou a me dar instruções:
– Tire o relógio… Tire esse medalhão que é de metal…
Eu virei para trás e disse a ele:
– O senhor quer parar de me dar instruções? Eu ainda não estou senil e essa tarefa é do guarda, não sua!
Como todo idiota faz, o idiota se defendeu da sua própria idiotice:
– Eu só estava querendo ajudar e a senhora é muito mal-educada!
Revidei na hora, na mesma moeda:
– E o senhor é um grande intrometido, entrando em coisa que não é da sua conta.
O bate-boca deve ter acelerado o guardinha do banco e a porta rolou que foi uma beleza.
Aí começou o meu segundo calvário da tarde.
Estava retirando a ficha para atendimento na mesa quando fui interpelada por uma atendente.
– Boa tarde. Posso ajudar a senhora?
– Sim. Eu preciso de um novo cartão do banco pois o meu venceu e eu não recebi outro.
– A senhora pode me mostrar o seu cartão?
– Sim.
Procurei o cartão na carteira e entreguei para a atendente, junto como o meu RG.
– Mas esse cartão aqui é do sr. Geraldo…
– Sim, senhora, Geraldo sou eu mesma.
– Ah, me desculpe, “sr. Geraldo”… A senhora vai ter mesmo que pegar a senha e aguardar para ser atendida na mesa.
Não era exatamente isso que eu estava fazendo antes da bisbilhoteira idiota chegar me oferecendo ajuda?
Pouco depois, apareceu o meu número no painel de atendimento. Mesa 4. Lá fui eu.
– Boa tarde, senhora! Saudou-me efusivamente um gerente nos seus trinta e tantos, com um sorriso “doriana” ensaiado e um aperto de mão de roxear.
– Então? Em que posso ajuda-la?
Recontei a história. Entreguei o cartão vencido e o meu RG e fiquei aguardando pra saber qual seria o trotar da carruagem.
– Mas esse cartão é do sr. Geraldo… E o documento também.
– Sim, sou eu “mesma” o senhor Geraldo.
– Ah, me desculpe, desculpou-se o gerente, sem demonstrar nenhuma vontade real de se desculpar.
– Não desculpo, não, senhor. O senhor não sabe o que é passar o tempo todo nessa lenga-lenga de nome. Ninguém procura saber como é que a gente gostaria de ser tratada…
Nenhum comentário do outro lado. Nenhum gesto de acolhimento. Nenhuma pergunta de como eu gostaria de ser tratada. Um perfeito energúmeno.
– Aqui consta que o cartão foi para o seu endereço, SR. GERALDO. E como o SENHOR não o recebeu vou ter que cancelar por extravio e emitir outro. O SENHOR pode confirmar para mim alguns dados?
Eu disse que sim entre os dentes, quase vociferando de tanta raiva do itaú.
– Nome completo… (o boçal já sabia)
– Endereço… (ele já tinha checado comigo duas vezes)
– Data de nascimento… (estava no RG)
– CPF (também estava no RG)
– Nome do pai (pra que que serve a porra do RG na mão dele, hein?
Depois desse estúpido e desnecessário interrogatório, a conclusão:
– Pronto, SENHOR GERALDO. Agora é só fazer o pedido de um novo cartão.
E fez toda a mesma ladainha de novo! Devia ser para confirmar se eu realmente sabia o meu nome e o meu endereço de cor; se eu não era uma fraude tão completa quanto ele devia estar imaginando…
– Dentro de 15 dias o SENHOR receberá o novo cartão. Mas se quiser um provisório, é só passar no caixa… Por falar nisso, vi aqui na sua conta que o SENHOR ainda não utilizou o empréstimo consignado que tem direito. Vamos fazer um agora?
– Não, obrigada.
– Vamos sim! O SENHOR está perdendo uma ótima taxa de juros, SENHOR GERALDO.
– Não, senhor, eu não quero.
– Então está bem. Posso ajudar o SENHOR em mais alguma coisa? Tive vontade de dizer que sim; que ele fosse ao sanitário mais próximo, enfiasse a cabeça no vaso e desse descarga. Mas me contentei em sai andando, sem dizer nada.
– Então bom fim de semana e que o SENHOR ABENÇOE.
Quando ele disse “que o senhor abençoe”, eu entendi tudo. Que merda de mundo em que o religioso invadiu todos os campos, até mesmo o mais-do-que-leigo campo das finanças. Em breve, Banco Itaú, mais um banco do Senhor.
Fui ao caixa arrumar o tal cartão provisório. Nem preciso dizer que começou tudo de novo. Tudo numa única e simples tarde de sexta-feira, de chuvinha fina. Se a culpa não fosse do BANCO ITAÚ – é a segunda vez que sou tratada com esse desdém todo por um gerentinho pinico – que faz questão de não treinar seus quadros para lidar com pessoas transgêneras, eu até colocaria a culpa na chuva. E nem tirar a minha fortuna do banco eu posso, pois é onde o INSS deposita meu abono terceira-idade.
Por último, façam-me um favor do tamanho de um elefante: não me falem nem de brincadeira NESSA BOSTA DE NOME SOCIAL!!! Nunca mais!!!
—
Fonte: Blog de Letícia Lanz.