Por Daniel Giovanaz.
O general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, autor da nota “Aproxima-se o ponto de ruptura”, divulgada pelo Clube Militar logo após a anulação dos processos contra o ex-presidente Lula (PT) na Lava Jato de Curitiba, é fã do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado por liderar práticas de tortura durante a ditadura militar (1964-1985).
Na nota, Paiva critica o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), autor da decisão que restabeleceu os direitos políticos de Lula na última segunda-feira (9).
“O STF feriu de morte o equilíbrio dos Poderes, um dos pilares do regime democrático e da paz política e social. A continuar esse rumo, chegaremos ao ponto de ruptura institucional e, nessa hora, as Forças Armadas (FA) serão chamadas pelos próprios Poderes da União, como reza a Constituição. Por isso, hoje, é bom lembrar Rui Barbosa: ‘A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário’. Contra ela, não há a quem recorrer”, escreveu Paiva, que está na reserva desde 2007.
“A continuar esse rumo, chegaremos ao ponto de ruptura institucional e, nessa hora, as Forças Armadas (FA) serão chamadas pelos próprios Poderes da União, como reza a Constituição”, completa o texto.
Contradições
Paiva é membro da Comissão da Anistia, órgão vinculado ao gabinete de Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no governo Bolsonaro.
A menção ao “regime democrático” e à “ditadura”, ao citar Rui Barbosa, se dá em um contexto de crítica “ao recurso a instâncias legais”, garantido justamente pela Constituição Federal de 1988, que restabeleceu o Estado de direito após 21 anos de regime autoritário.
O coronell Ustra, a quem Paiva prestou homenagem diversas vezes, inclusive ao escrever o prefácio do livro A verdade sufocada, atuou como torturador justamente durante aquele período, entre 1970 e 1974.
“Ustra se tornou um dos símbolos da vitória da Nação sobre os que pretenderam estabelecer o sanguinário regime socialista no Brasil, ideologia do atraso e da violência fratricida, hoje, reconhecidamente fracassada. Ele era o Doutor Tibiriçá, comandante destemido e líder da gloriosa Operação Bandeirante, honraria que o fez alvo de permanente perseguição revanchista, alimentada por representantes da antiga esquerda revolucionária, encastelados nos altos escalões da República após o início dos anos 1990”, diz outro texto assinado por Paiva sobre Ustra.
O torturador morreu em casa, em uma área de luxo em Brasília (DF). Sob comando dele, ocorreram centenas de sessões de torturas, em São Paulo, no Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi).
Nem crianças eram poupadas. Ao todo, durante a ditadura, foram contabilizadas 434 mortes e desaparecimentos no país, segundo a Comissão Nacional da Verdade.
Trajetória
Luiz Eduardo Rocha Paiva ingressou na Academia Militar das Agulhas Negras em 1973 e foi promovido a general-de-brigada em 2003. Quatro anos depois, passou à reserva remunerada, quando era secretário-geral do Exército.
Membro do Clube Militar, ele é professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil e colaborador do Centro de Estudos Estratégicos do Exército.
Embora seja membro do governo Bolsonaro, Paiva já teve atrito com ao menos um dos filhos do presidente. Em 2019, o general da reserva chamou o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), do Rio de Janeiro (RJ), de “pau mandado de Olavo [de Carvalho]”, em mensagem do Whatsapp reproduzida pelo jornal O Globo.
A nota recente do general da reserva destoa da reação adotada por outros generais do Exército sobre a decisão do STF. Um deles, o vice-presidente Hamilton Mourão, chegou a dizer que “o povo é soberano” e tem o direito de eleger Lula, se assim o quiser.
O Clube Militar reúne oficiais de alta patente que já estão na reserva, ou seja, não têm comando de tropas.