O general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz assume nesta semana, na República Democrática do Congo, o comando da primeira brigada militar com características de “força de ataque” a atuar numa missão de paz da ONU, noticia a Rádio Moçambique.
Santos Cruz foi escolhido para o posto devido à sua actuação à frente da missão de paz do Haiti entre 2007 e 2009 – período em que os capacetes azuis das Nações Unidas terminaram o processo de pacificação da capital Porto Príncipe.
A sua missão desta vez envolve um potencial confronto directo com grupos rebeldes que se estabeleceram no leste do Congo – entre eles o LRA (sigla do Exército de Resistência do Senhor, do líder guerrilheiro Joseph Kony), o M23 (Movimento 23 de Março) e o FDLR (sigla de Forças Democráticas para a Libertação do Ruanda).
O brasileiro será o comandante geral de uma força de quase 20 mil capacetes azuis estabelecida em 2010. O seu principal desafio será lidar com a área leste do país, ainda não pacificada.
Ele terá à sua disposição uma unidade especial de 3.000 homens, que tem estado a ser formada desde o mês passado. Quando estiver completa, a Brigada de Intervenção será formada por batalhões de artilharia, infantaria e de forças especiais, além de uma companhia de reconhecimento e helicópteros de ataque.
Unidades de artilharia e de forças especiais já foram usadas dentro de contextos específicos de operações anteriores da ONU – especialmente no Sudão (artilharia) e no próprio Congo (forças especiais).
Porém, em mais de 60 anos de missões de paz, “esta é a primeira vez que as Nações Unidas estabelecem uma brigada específica, dentro do contexto de uma missão de paz maior, para usar a força”, segundo disse à BBC Andre Michel Essoungou, um dos porta-vozes do Departamento de Missões de Paz da ONU.
“A brigada poderá levar a cabo acções ofensivas tendo como alvo grupos armados específicos que estão a arruinar o processo de paz no país”, afirmou.
Missões de paz
As operações de paz da ONU nasceram inicialmente com o objectivo genérico de monitorar acordos já estabelecidos de cessar-fogo. Mas, em muitas regiões – como na África e no Haiti, por exemplo – as tropas da ONU depararam-se com situações de conflitos.
Devido à mudanças na natureza desses conflitos – que em muitos casos deixaram de ter “linhas da frente” e assumiram características da guerra de guerrilha -, as operações começaram a passar por uma tendência de endurecimento. A mudança também foi em parte motivada, segundo analistas, pela tentativa frustrada de um grupo de capacetes azuis de impedir o genocídio do Ruanda em 1994.
Novas ferramentas passaram a ser utilizadas, tais como implementação de embargos e o envio de forças militares cada vez mais robustas para países em crise.
Até agora, a Monusco (a missão de paz da ONU no Congo) aparenta representar o ápice dessa tendência. Ela foi estabelecida com um embasamento jurídico que permite ao seu comandante não apenas defender os funcionários da ONU e a população ou responder a agressões, mas também adoptar iniciativas ofensivas contra grupos rebeldes contrários ao governo.
O texto da resolução do Conselho de Segurança que criou a Brigada de Intervenção chega a dizer que a unidade funcionará “em carácter excepcional, sem criar precedente ou preconceito contra os princípios estabelecidos das missões de paz”.
Acordo
A criação da Brigada de Intervenção é apenas a face militar de um esforço geral das Nações Unidas para reestabelecer a paz no leste da República Democrática do Congo, especialmente nas áreas conhecidas como Kivus.
Apesar da presença da Monusco no país desde 2010, a região continua praticamente sem a presença do Estado e é palco de ondas de violência, crises humanitárias crônicas e sérios abusos de direitos humanos – principalmente estupros e violência de gênero, que são usados como arma de combate, segundo a ONU.
Em fevereiro, onze nações africanas assinaram um tratado para colaborar com o fim dos confrontos no país. A acção diplomática vem sendo tratada pela ONU como uma esperança para a região dos Grandes Lagos. Isso porque a organização diz suspeitar que o conflito seria influenciado e financiado em parte por nações vizinhas.
O caso mais clássico é a suspeita da ONU de que os governos do Uganda e do Ruanda tenham apoiado o M23, um dos mais fortes grupos rebeldes da região – que chegou a invadir Goma, a principal cidade do leste, no ano passado. As duas nações negaram as acusações e são signatárias do tratado.
No fim de maio, o próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon visitou a cidade e classificou o tratado como o “Quadro da Esperança”. Segundo ele, além das acções diplomática e militar, o Banco Mundial deve destinar cerca de US$ 1 bilhão para a criação de redes de protecção social, desenvolvimento do comércio regional e investimentos em fontes de energia e infraestrutura.
“Esse acordo dá à população do leste da República Democrática do Congo a sua melhor chance em muitos anos de ter acesso à paz, aos direitos humanos e ao desenvolvimento econômico”, disse Ki-moon no fim de maio.
Brigada de Intervenção
A Brigada de Intervenção será formada principalmente por militares de nações africanas, tais como África do Sul, Tanzania, Malawi.
Apesar da unidade ter sido estabelecida em março, até agora apenas uma parcela dos seus componentes chegou a Goma, onde a sua sede será estabelecida. Ela será directamente chefiada por um oficial subordinado ao comando de Santos Cruz.
O general brasileiro estava na reserva do Exército quando foi convidado em abril para assumir o cargo. Ele foi reincorporado à força e enviado à sede da ONU em Nova York para passar por um treinamento – que foi concluído na última sexta-feira. Santos Cruz deveria ter chegado a Kinshasa na noite do último domingo.
O convite foi celebrado pelo governo brasileiro como um reconhecimento da ONU ao papel exercido pelo país na missão de paz do Haiti. No seu esforço para ampliar o seu prestígio internacional e obter uma vaga no Conselho de Segurança, o Brasil mantém tropas em operações no Haiti e no Líbano.
Contudo, apenas uma pequena equipa de oficiais deve ser enviada ao Congo com o general.
Uma das suas primeiras tarefas no terreno será coordenar a formação da Brigada de Intervenção e insistir com os países participantes que os contingentes militares sejam enviados o mais rápido possível.
Segundo analistas, ele deve enfrentar resistência dos grupos rebeldes. Porta-vozes do grupo M23 já disseram à imprensa internacional que responderão com “força total” a um eventual ataque da ONU. Rádio Moçambique/BBC.
Fonte: África 21 Digital.