Em novembro de 2019, um curioso e raro evento nas redes sociais envolveu o ministro do STF Gilmar Mendes: ele foi alvo de uma campanha no Twitter tão coordenada que conseguiu ficar no topo dos trending topics uma semana inteira. O esforço online pedia pelo impeachment do magistrado e foi amplamente difundido entre aqueles que declaradamente se identificam com a direita política.
A grande sacada desse movimento teve duas facetas: a primeira foi a alternância de hashtags à medida que as anteriores perdiam força, fazendo o assunto permanecer sempre “popular”. A segunda foi contar com uma rede muito ativa de usuários nas redes sociais, que concentrava bastante o uso das hashtags por relativamente poucos perfis, amplificando significativamente seu alcance.
O Núcleo analisou 3,6 milhões de tweets e retweets no Twitter, a partir de buscas por 18 hashtags e três termos diferentes, e calculou o quão concentrada foi a distribuição dos resultados encontrados – ou seja, quando poucos perfis foram responsáveis por muitos tweets e compartilhamentos.
Essa concentração pode ser vista principalmente em campanhas promovidas pela direita. Na esquerda foi apurada uma maior distribuição entre perfis participantes, o que em parte explica o menor engajamento e, consequentemente, as limitadas repercussões de campanhas desse campo político no Twitter.
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Em poucas palavras: a direita faz mais barulho concentrando a repercussão em poucos perfis engajados. A esquerda é mais espontânea, mas não gera tanta repercussão.
É IMPORTANTE PORQUE…
- O Twitter tornou-se um espaço importante de debate político e de reivindicações
- A concentração de tweets em poucos perfis pode não ser representativa do sentimento geral dos usuários da rede social
- Espontaneidade geralmente é preferida, embora popularidade gere mais repercussão em outros círculos
Note que por essa análise não é possível determinar a operação de robôs, apenas a concentração de muitas publicações por poucos usuários da rede social. Bots são recursos que, por exemplo, republicam ou comentam alguma publicação mediante o uso de uma palavra-chave, automaticamente.
Uma ação coordenada acontece quando membros de uma campanha estimulam suas bases para que elas sejam mais ativas, não contando com a espontaneidade muitas vezes esperada de um engajamento político. Isso garante que essas bases façam mais publicações utilizando, por exemplo, uma hashtag – o que resulta em concentração em poucos usuários (daí a desigualdade).
É MUITO IMPORTANTE RESSALTAR QUE AÇÕES COORDENADAS NÃO NECESSARIAMENTE REPRESENTAM UTILIZAÇÃO DE ROBÔS.
Uma amostra dessa concentração de tweets foi primeiramente publicada no site Vortex Media. (Disclaimer: os autores dessa análise trabalharam na equipe do Vortex).
Na reportagem do Vortex, com mais de 1 milhão de tweets, foi apurado que somente 1.770 perfis no Twitter tuitaram ou retuitaram mais de 100 vezes, em menos de três dias, as hashtags #ImpeachmentGilmarMendes ou #GilmarMendesImpeachment.
Esses perfis correspondem a apenas 2% dos usuários – dentre os cerca de 90 mil – que utilizaram as hashtags em um período de três dias. Apesar disso, foram diretamente responsáveis por 35% de todos os resultados de buscas dessa campanha no Twitter.
Para calcular a concentração de tweets e retweets, o Núcleo valeu-se do Coeficiente de Gini, uma fórmula para medir a desigualdade em uma amostra qualquer, utilizada principalmente para avaliar a desigualdade da distribuição de renda entre países. A ideia desse cruzamento foi sugerida à equipe pelo cientista de dados João Carabetta, que trabalha no Banco Inter-Americano de Desenvolvimento.
– LEIA O POSICIONAMENTO DO TWITTER
As hashtags em questão giravam em torno de duas figuras, o próprio Gilmar e o presidente do Senado, David Alcolumbre (DEM-AP). O primeiro por ser o alvo das críticas dos que se manifestavam, o segundo por ser a pessoa com poder para iniciar um dos processos de impeachment que existem contra o ministro do Supremo.
As hashtags analisadas relacionadas a movimentação contra Gilmar Mendes foram as seguintes:
O MOTIVO PELO QUAL ESSA CAMPANHA FOI ESCOLHIDA COMO PONTO DE PARTIDA É CLARO: ELA PERMANECEU UMA SEMANA INTEIRA NO TOPO DOS TRENDING TOPICS, UM EVENTO INCOMUM PARA HASHTAGS POLÍTICAS.
Analisando a atividade dessas hashtags, percebemos que existem diversas contas que compartilham a hashtag dezenas de vezes, enquanto outras contas compartilham uma única vez, indicando uma ação intensa de um pequeno grupo e não um movimento amplo e orgânico.
Alguma forma de coordenação pode ser vista neste tweet de um influenciador de direita, na qual ele sugere hashtags que possam ser utilizadas a fim de manter o tema nos trending topics.
OS DADOS DE DESIGUALDADE
O Coeficiente de Gini é uma das ferramentas mais comuns para avaliar a desigualdade da distribuição de renda entre países. O site Nexo tem uma boa explicação sobre o tema.
No entanto, o Coeficiente de Gini é simplesmente uma medida de desigualdade em uma distribuição qualquer.
Adaptando o cálculo desse coeficiente, substituindo o que normalmente é a renda de cada pessoa para a quantidade de tweets que ela publicou, podemos calcular o resultado para cada um dos movimentos analisados do Twitter, e observarmos qual a distribuição do empenho de cada conta na popularização das hashtags.
Para todas as hashtags acima analisadas, o Coeficiente de Gini é superior a 0.5. As tags com Coeficiente de Gini acima de 0,65, são mais desiguais que a renda na África do Sul em 2014 — maior índice já registrado pelo Banco Mundial.
Quase todas essas hashtags são mais desiguais, por exemplo, do que o Brasil em 2017 (53,3) segundo essa medida — que é apenas dentre várias para medir desigualdade. Para acessar dados sobre índice de Gini de países, acesso esse site de dados Banco Mundial.
Um outro exemplo pode vir da CPMI das Fake News, com a deputada federal Joice Hasselman (PSL-SP), que foi atacada no Twitter com a hashtag #JoiceTraidora. A hashtag também ficou nos trending topics da plataforma depois de ser compartilhada mais de 250 mil vezes.
Aplicando a mesma análise, encontramos indicativos de que o comportamento organizado é comum em mais de uma pauta da direita, não somente contra Gilmar Mendes.
COMPARANDO COM OUTRAS HASHTAGS
O Núcleo analisou outras hashtags que tiveram movimentações similares aos movimentos comentados acima, além de outras palavras que entraram no trending topics do Twitter na segunda quinzena de novembro de 2019.
As hashtags que foram capitaneadas pela esquerda possuem coeficiente de Gini menores ou iguais a 0,51, o que indica que há menor coordenação da esquerda no Twitter, e maior espontaneidade. No entanto, o “barulho” é bem menor.
POR QUE NÃO PUXAR O ASSUNTO PELA ESQUERDA? CONSIDERAMOS QUE A ORGANIZAÇÃO E A FORÇA DA DIREITA NO TWITTER É MAIS IMPORTANTE DO QUE A ESPONTANEIDADE E O MENOR ENGAJAMENTO DA ESQUERDA.
Já olhando outras hashtags populares, relacionadas a outros assuntos além de política, como esporte e K-pop, que movimentaram o Twitter entre novembro e dezembro de 2019, os Coeficientes de Gini variam entre 0,39 até 0,69.
COMO FIZEMOS ISSO
O Núcleo monitorou algumas das principais hashtags por duas semanas, entre meados de novembro e o começo de dezembro de 2019. Veja aqui um exemplo de código para utilização da API do Twitter.
A partir dessa coleta de dados, utilizamos o Coeficiente de Gini para medir a concentração de tweets, conforme fórmula abaixo. O código para esse cálculo e dados anonimizados podem ser encontrados neste link.
POSICIONAMENTO DO TWITTER
Em nota enviada ao Núcleo por email em 18.dez.2019, o Twitter informou:
O Twitter investe contínua e fortemente em iniciativas para combater tentativas de interferência no debate público na plataforma, incluindo spam, engajamento não autêntico e atividades coordenadas com o objetivo de influenciar artificialmente as conversas. Especificamente no caso dos Assuntos do Momento, tomamos medidas preventivas como excluir Tweets e usuários automatizados de nossos cálculos de Tendências. Como os spammers mudam suas táticas, nós modificamos ativamente nossas ferramentas tecnológicas para abordar tais situações.