Por Hyury Potter e Breno Costa.
THE INTERCEPT – NO DIA 23 DE ABRIL DE 2013, o deputado estadual Gelson Merísio, hoje um dos favoritos para vencer as eleições ao governo de Santa Catarina, levou um empresário ao gabinete de seu cunhado e então secretário estadual da Fazenda, Antonio Gavazzoni. O empresário era Márcio Vaccaro e estava interessado em incentivos fiscais para instalar uma nova unidade de sua fábrica de sacarias, a Rafitec, que faz embalagens de grande porte, como as usadas para ração e cimento.
A reunião foi um marco na relação entre Merísio, Vaccaro e Gavazzoni. Anos depois, não só uma nova fábrica da Rafitec foi instalada na cidade de Xanxerê – a 45 km de Chapecó, berço político do deputado – como os caminhos do deputado, do burocrata e do empresário convergiram para uma parceria controversa, com potencial de gerar dezenas de milhões de reais aos três nos próximos anos. Para isso, Merísio precisa ser eleito governador. Para turbinar a campanha, nessa semana, o deputado, que é filiado ao Partido Social Democrático, trocou o apoio a Geraldo Alckmin, estagnado nas pesquisas, por uma declaração pública para o líder das pesquisas ao Planalto: Jair Bolsonaro.
O Intercept descobriu que Merísio mantém uma rede de negócios que estava oculta até agora, com indício de uso de laranjas, e que, na prática, dá para sua mulher, seus filhos e seus aliados a participação em ao menos oito pequenas centrais hidrelétricas. Pelo menos duas PCHs, como são chamadas, são beneficiadas por incentivos fiscais milionários assinados pelo cunhado enquanto era secretário da Fazenda de Santa Catarina. Seus grandes aliados ocultos nos negócios são justamente os Vaccaro. Caso Merísio seja eleito, as empresas também podem se beneficiar da sua influência na liberação de licenças ambientais e nas negociações com o governo federal no mercado de energia.
O desastre da LaMia
Merísio é apadrinhado pelo ex-governador, Raimundo Colombo, que deixou o cargo em fevereiro para se candidatar ao Senado, e está tecnicamente empatado com seus dois principais adversários: Mauro Mariani, do MDB, e o petista Décio Lima, todos na casa dos 20%.
A trajetória política do candidato de 52 anos foi meteórica. Em 2004, se elegeu deputado estadual e, de lá pra cá, ocupou a presidência da Assembleia em três oportunidades. Em 2014, foi reeleito para o segundo mandato com a maior votação da história do estado – 119 mil votos. A seta apontava para cima quando ele escapou da morte. Por pouco o acidente aéreo que matou quase toda a equipe de futebol da Chapecoense não vitimou Merísio. Então presidente da Assembleia Legislativa, ele estava confirmado no voo que acabou caindo por falta de combustível na Colômbia.
Desistiu de última hora. Seu nome estava na lista de passageiros, e ele chegou a ser dado como morto nas primeiras notícias. “Deus nos permitiu continuar”, diz ao falar sobre a tragédia, em tom messiânico. Ele não embarcou porque foi convidado para um jantar com o ministro Teori Zavascki, do STF, que viria a morrer num acidente aéreo quase dois meses depois. O acidente com a Chapecoense lhe rende mídia até hoje. Ele deu entrevistas para jornais nacionais e internacionais e participou da organização das homenagens aos mortos na tragédia.
Hoje, 15 partidos apoiam sua tentativa de comandar o estado. O abandono de Alckmin era esperado, já que o PSDB não faz parte de sua coligação, mas o fato de o capitão da reserva ser líder isolado em pesquisas em Santa Catarina fez dele o puxador de votos que Merísio precisava na reta final.
Na declaração de bens entregue por ele ao TSE, presume-se que a única atividade empresarial do candidato seja uma participação em uma empresa de materiais de construção. Mas o centro dos negócios não declarados de Merísio é uma empresa de participações, aberta em nome da mulher e de dois de seus filhos, um deles menor de idade. Só o capital social da empresa (R$ 5,67 milhões) é quase oito vezes superior ao que Merísio declarou ao TSE este ano. A firma chama-se MANG, as iniciais da mulher (Márcia), dos filhos (Arthur,19, e Nicole, 10) e um G final, de Gelson. O endereço é o mesmo do escritório político de Merísio em sua cidade natal e, conforme apuramos, o local onde Merísio “mora” quando está em Xanxerê.
Três em empresas em 36 dias
A MANG Participações e Agropecuária Ltda foi criada em dezembro de 2013, mas as movimentações mais relevantes da empresa familiar dos Merísio começaram em 2015. Em 28 de abril daquele ano, a MANG abriu a PCH Águas do Rio Irani Energética Ltda, em sociedade com Márcio Vaccaro. Na época, Merísio era o presidente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Nos dois anos anteriores, foi integrante da comissão interna responsável pela análise e fiscalização de assuntos energéticos.
Pouco mais de um mês depois, a MANG e Márcio Vaccaro abriram mais uma firma, a PCH Bom Retiro Energética Ltda. Ambas estão registradas numa sala no mesmo endereço da sacaria Rafitec, da reunião de 2013.
Uma terceira sala na Rafitec foi ocupada pela PCH Pesqueira Energética, criada também em maio de 2015, essa sem participação oficial da MANG. No entanto, a usina mudou de nome e de atividade depois de criada – passou a se chamar Vaccaro Empreendimentos Imobiliários. Em agosto deste ano, Vaccaro e sua empresa imobiliária viraram alvo de uma representação criminal pelo Ministério Público catarinense, por poluição. O caso está sendo investigado pela promotoria.
A abertura de três empresas dedicadas a explorar pequenas centrais hidrelétricas num intervalo de 36 dias aconteceu ao mesmo tempo que Antonio Gavazzoni, o cunhado de Merísio e então secretário da Fazenda, preparava um dos mais anunciados planos de estímulo econômico de Santa Catarina. No mês seguinte à abertura das empresas, mais precisamente em 24 de junho de 2015, o plano SC+Energia foi anunciado publicamente pelo governo. Mais de R$ 5 bilhões em incentivos fiscais seriam concedidos para empreendimentos de energia limpa – as pequenas centrais hidrelétricas entre elas.
Salário de 5 mil, hidroelétrica de 600 mil
Muita coisa aconteceu desde aquela reunião de abril de 2013 entre Merísio, Vaccaro e Gavazzoni. O cunhado se afastou do comando da economia catarinense no ano passado, depois de ser citado em delação da JBS como cúmplice de pagamento de propina ao governador Raimundo Colombo (a notícia criminal foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina). O empresário e parceiro Vaccaro viu seu pai ser preso por crime ambiental no Pará, onde a família mantém a maior plantação de açaí do mundo. Oriundos da mesma região de Merísio, os Vaccaro não têm somente a fábrica de sacos – eles também são donos da Açaí Amazonas, a maior produtora global de açaí, com uma área de 1.400 campos de futebol lotada de palmeiras. Essa atividade rendeu aos Vaccaro duas ações penais e uma ação civil pública relacionadas a crimes ambientais. O patriarca teve seus bens bloqueados pela Justiça.
Enquanto Vaccaro e Gavazzoni andavam às voltas com os tribunais, Merísio continuou se movendo na máquina pública, inflando os negócios da família e pavimentando seu caminho ao governo estadual.
Um funcionário de seu gabinete na Assembleia Legislativa há 13 anos é sócio de uma terceira empresa hidroelétrica, a Foz do Uvá Energética. Manoel Mario de Jesus mora numa casa simples em São José, região metropolitana de Florianópolis. A empresa dele está sediada num escritório de contabilidade em uma avenida residencial de Chapecó, a 553 quilômetros da capital. Para entrar na sociedade, ele teve de colocar R$ 600 mil. Seu salário mensal é de R$ 5 mil.
O funcionário de Merísio não está sozinho na Foz do Uvá, aberta em 2010, quando Gelson Merísio era o presidente do Legislativo catarinense. O empreendimento parece suprapartidário. A sociedade é composta, entre outros, também por uma empresa controlada pelo chefe da Casa Civil de Florianópolis e filho do deputado federal Jorginho Mello (candidato ao Senado pelo PR); por um suplente de vereador na Câmara de Chapecó; e pela mulher de um ex-deputado estadual do PT que teve os direitos políticos cassados por irregularidades praticadas quando prefeito do município de Rio do Sul (SC). Procurado pelo Intercept, Filipe Mello, filho de Jorginho, disse que comprou uma “cota” do projeto, mas que ele nunca foi efetivado.
E foram todos pra Cancún
A associação com os Vaccaro rendeu à MANG, de Merísio, outras duas participações importantes no setor energético – uma delas, a mais vistosa até aqui. A Rio Tainhas Geração de Energia Ltda foi aberta em 2008, no mesmo endereço que depois serviria de caixa postal para as demais PCHs. A Rio Tainhas já tem autorização para operar a PCH Salto do Sóque e está expandindo seus negócios. No meio do caminho, a PCH Águas do Rio Irani, que tem a firma familiar de Merísio na sua fundação, virou sócia da Rio Tainhas, com 50% do capital. Um outro sócio da Rio Tainhas é Neimar Brusamarello, ex-secretário municipal em Xanxerê. Ele é a quarta pessoa na foto daquela reunião de 2013 com Merísio, Vaccaro e Gavazzoni.
‘Vaccaro também é sócio de aliados de Merísio.’
O outro presente para a família Merísio veio no mês passado, durante a campanha eleitoral. A Rafitec tinha a autorização do governo para explorar a PCH Barra das Águas. Mas, em 7 de agosto, a Agência Nacional de Energia Elétrica deu sinal verde para que Vaccaro transferisse a licença da pequena central hidrelétrica para a PCH Águas do Rio Irani – da qual a família Merísio tem sociedade. A capacidade total da usina, ainda em construção, será de 8.500 kW. Tomando por base um preço conservador de R$ 200 por mWh, conforme praticado em leilões de energia da Aneel, se a usina comercializar toda a energia que é capaz de produzir, o faturamento bruto dessa PCH chegaria a R$ 15 milhões anuais.
Vaccaro também é sócio de aliados do homem que quer governar Santa Catarina. A PCH das Pedras, que já conseguiu garantia de venda de energia via leilão da Aneel, é um exemplo. Os sócios do amigo empresário são o amigo do deputado Neimar Brusamarello e o ex-prefeito de Xanxerê, e agora secretário-executivo da unidade local da Agência de Desenvolvimento Regional de Santa Catarina, Ademar Gasparini.
Vaccaro ainda tem participação na Primaleste Geração de Energia Elétrica Ltda e na Ribeirão Manso Energética Ltda. Em ambas, tem como parceiro Neimar Brusamarello. Ele e Vaccaro são grandes amigos. Em 2016, levaram suas famílias a Cancún para comemorarem seus respectivos aniversários.
Investimento de longo prazo
Gelson Merísio disse, em nota enviada por sua assessoria, ter concedido à família os direitos sobre seus bens, numa “organização de sua situação patrimonial”. “A situação do candidato é absolutamente legal”, pontua a nota.
Sobre as sociedades nas pequenas centrais hidrelétricas, Merísio diz que “não há interesse familiar”. “Os investimentos são em projetos ainda não implantados, os quais, se realizados, poderão garantir um planejamento para o futuro, mesmo na ausência do deputado”.
Merísio não comentou sua relação com Márcio Vaccaro.
Sobre o funcionário de seu gabinete que também tem participação em uma outra empresa de energia, o candidato a governador disse que “sobre a vida privada e pessoal do servidor, não compete ao deputado se pronunciar”.
Vaccaro foi contatado pela reportagem, mas até o momento não respondeu aos questionamentos.
Semana passada o Ministério Público Federal em Chapecó começou uma investigação sobre o enriquecimento de Merísio. Os procuradores chegaram até o candidato graças a uma denúncia feita no dia 21 de setembro por um advogado da cidade, que citou a participação de Merísio na MANG.