Por Haidar Eid.
Pensei em escrever todos os nomes, mas isso não será suficiente para fazer justiça a eles. Tentei contar quantas pessoas eu pessoalmente perdi, uma tarefa que não desejo nem para meu pior inimigo. Até escrevi há um tempo que “perdi a conta do número de pessoas que perdi!” Elas se tornaram tochas em nossa longa caminhada para a liberdade da ocupação, do colonialismo e do apartheid.
Eu, com minha família, fomos deslocados quatro vezes, três delas na própria Gaza, até que fui evacuado de Rafah pelo governo sul-africano no segundo mês do genocídio, dezembro de 2023. Tenho vivido com um complexo de culpa de sobrevivente desde então.
Muito foi escrito sobre os eventos de 7 de outubro, e mais será adicionado. Eu também tenho minha própria opinião, uma posição que vai contra a análise descontextualizada da grande mídia, que por acaso é branca e colonial, que tende a endossar totalmente a narrativa israelense. Após 76 anos de existência de Israel, chegamos ao ponto sem retorno para todos os que vivem na Palestina histórica. O Ocidente colonial se recusa a ver as condições objetivas de ser subjugado à ocupação, ao colonialismo de assentamentos e ao apartheid. Ele se recusa a ver os moradores de Gaza como seres humanos com direito aos seus direitos básicos como o resto dos seres humanos apenas porque não nasceram de mães judias. Como Salman Abu Sitta nos lembra em sua página do Facebook: Há dois milhões de refugiados palestinos na Faixa de Gaza, que vieram de 247 cidades e vilas no sul da Palestina, expulsos por Israel em 1948, por meio de dezenas de massacres. Eles estão amontoados em um campo de concentração chamado Faixa de Gaza, com uma densidade de 8.000 pessoas/km². Sua área é de 1,3% da Palestina, ou 365 km². Eles agora são forçados por Israel a se mudarem para o sul, depois para o norte na pequena faixa com uma densidade superior a 20.000 p/km². Então ele continua perguntando: “Quem ocupa a casa deles?” Colonos do Leste europeu da Romênia, Polônia, Ucrânia e Rússia. Seu número é de apenas 150.000, com uma densidade de apenas 7 pessoas/km², mil vezes menos que os donos da terra, que são os refugiados em Gaza.
Também é preciso fazer perguntas difíceis dentro do contexto histórico dos eventos em andamento. O genocídio teria ocorrido se os Acordos de Oslo não tivessem sido assinados em 1993?
Acredito que, pós-Oslo, a Palestina está lutando para superar o passado porque as condições materiais de ocupação, apartheid e colonialismo de assentamento no presente são hegemônicas, mas também porque as condições intelectuais criadas por Oslo legitimaram essas condições. Os acordos em si são um cavalo de Troia que se tornou pouco mais do que uma máquina de guerra com a qual viemos fazer uma “paz” prematura. Desde então, temos buscado uma forma de liberdade que aponte para uma saída das restrições do apartheid, ocupação e colonialismo de assentamento. Infelizmente, os fundadores do nacionalismo palestino contemporâneo nunca compreenderam a forma de sionismo com a qual estavam lidando quando assinaram os acordos. Isso levou à disseminação de uma forma de falsa consciência entre uma grande parcela da população de que Oslo levaria à “independência” dos palestinos até 1999. A chegada de Yasser Arafat a Gaza em 1994 foi recebida com a euforia estrondosa e as boas-vindas do mundo pós-ocupação (pós-colonial!) que tão ansiosamente aguardava uma nova promessa do futuro. Desde então, temos lidado com o sofisma de uma narrativa política magistral que afirmava ter estabelecido a paz por meio da divisão, a solução de dois Estados.
Tornou-se muito óbvio agora que nenhuma solução para o chamado “conflito” israelense-palestino — para usar o termo favorito da grande mídia — pode ser prevista sob essas terríveis circunstâncias criadas pelo genocida Israel na Palestina histórica. Certamente, você não pode esperar que os palestinos colonizados comprometam seus direitos humanos básicos.
Restam duas, na verdade, três, opiniões. Uma é a acima que defende a condição de Estado em uma porção da terra da Palestina histórica que não garante direitos básicos palestinos e que, em última análise, prolonga a opressão do povo palestino. Esta é a posição adotada pelas principais organizações políticas na Palestina, países ocidentais e uma pequena seção do sionismo liberal. Mas por que nós, palestinos, devemos aceitar soluções que não levam em conta a realidade da nossa situação?
A segunda perspectiva defende a implementação do direito internacional, que daria aos palestinos o direito de retorno, o direito à igualdade e, finalmente, o direito à autodeterminação, como qualquer outro povo na Terra.
E uma terceira posição genocida está sendo implementada agora mesmo pelo apartheid Israel e expressa abertamente por seu Primeiro Ministro e ministros fascistas. Para eles, os objetivos do genocídio em andamento são:
- Reocupação da Faixa de Gaza
- Remoção forçada de uma grande parcela da população e incentivo à saída, impedindo a entrada de alimentos em Gaza, bombardeando instituições de educação e assistência médica e eliminando o direito à segurança e ao trabalho…
- Dividir a Faixa em cantões como na Cisjordânia e invadir e realizar massacres regulares dentro desses cantões
- Criar um governo local leal
Embora seja importante focar no presente, já que as coisas no terreno estão piorando a cada dia, ter uma estratégia clara e uma visão política é crucial se quisermos que as pessoas ao redor do mundo vejam o que é possível. As pessoas continuam fazendo a mesma pergunta: “qual é o futuro de Gaza?” Como isso pode ser discutido sem o relacionar ao futuro da Palestina em geral? E que tipo de Palestina queremos ver no futuro (no dia seguinte)? ??Os palestinos e os colonos brancos asquenazes vindos da Europa podem compartilhar a mesma terra, como o que aconteceu na África do Sul, sem desmantelar o apartheid e o colonialismo de assentamento?
Trabalhar nesta peça enquanto Israel está bombardeando indiscriminadamente meu povo em Gaza tem sido extremamente difícil. Uma fonte de inspiração, ou melhor, motivação por trás desses pensamentos, é Permisão para narrar de Edward Said, em que ele convocou nós, palestinos, a levar nossa luta para o mundo da representação e das narrativas históricas. Como ele argumentou de forma muito eloquente, o desequilíbrio existente entre poderes políticos e militares não significa que os subalternos, os marginalizados, não possuam a capacidade de lutar pela produção de conhecimento.
Às vezes eu me pergunto seriamente: sou o único que não consegue ler um livro, assistir a um filme, desfrutar de uma refeição, brincar com meus filhos desde 7 de outubro?
Permitam-me encerrar com uma citação da falecida mártir Shireen Abu Akleh:
“Estamos aqui para o longo prazo, mantenha o ânimo elevado!”
A opinião do/a/s autor/a/s não representa necessariamente a opinião de Desacato.info.
Tradução: TFG, para Desacato.info.