Por Ahdaf Soueif.*
Israel é uma democracia cujos políticos podem ordenar o assassinato de crianças, como “ferramenta” de campanha eleitoral. Sempre, claro, crianças palestinas. Mas as multidões, em todo o mundo árabe, não são racistas.
Protestos em Londres e em mais de 100 cidades em todo o mundo exigem o fim do ataque de Israel contra Gaza e o fim do cerco.
Martírio em Gaza: Vídeo de um cineasta e ativista britânico, filmado na cidade de Gaza
Sábado, 17/11, das 14h às 16h
Embaixada de Israel em Londres (2 Palace Green)
London W8 4QB
SE VOCÊ CLICAR AUDIOBOOS, ouvirá os ataques de Israel contra Gaza.
Ouvem-se as explosões, o zunido dos drones, a sirene das ambulâncias. É a trilha sonora da vida dos palestinos nesse exato momento. Os sons estão sendo gravados e retransmitidos e ouvidosem todo mundo. Todo o mundo árabe está ouvindo. Todos os amigos de Gaza, em todo o planeta, tremem de indignação. Gaza não está só.
Todos passamos a noite lendo e repassando tuítes e distribuindo matérias de blogs de jovens palestinos, em Gaza e em todo o mundo, e todos estamos vendo as imagens que eles distribuem
Naquele mesmo hospital Shifa em Gaza, hoje cedo, o Primeiro-Ministro do Egito, Hisham Kandil, pela primeira vez em 42 anos, estava onde os egípcios querem ver seu primeiro-ministro: solidário ao povo palestino.
Pela primeira vez em 42 anos, um representante do governo egípcio não mentiu ao falar primeiro ao povo egípcio, antes até de se dirigir ao presidente do Egito. Antes disso, Mursi falara de “coordenar a segurança” com Israel no Sinai; começou por fechar os túneis, que são o único canal de sobrevivência para os que vivem sitiados em Gaza; rejeitou a propostas de uma área de livre comércio na fronteira entre Egito e Gaza; e enviou um embaixador a Telavive com uma carta a Shimon Peres. E assim se viu muito desconfortavelmente associado aos restos do governo Mubarak e seus seguidores da ditadura militar.
O pessoal da Fraternidade Muçulmana e seu partido Liberdade e Justiça muito se empenharam em justificar as ações de seu representante no palácio presidencial, ante o resto do país.
Progressistas e todo o campo da esquerda no Egito zombaram do muito que eles falavam e do nada que faziam para defender os palestinos ao longo dos anos em que viveram na oposição, tanto quanto do espantoso silêncio que sobreveio, depois que chegaram ao poder. Os muros e paredes do Cairo cobriram-se de grafitis que zombavam da “carta de amor” que Mursi enviara a Peres. A zombaria que começou nos muros da cidade alastrou-se online e na blogosfera.
Agora, afinal, os próprios israelenses decidiram por Mursi. Agora, afinal, o presidente do Egito poderá dar melhor sentido à sua presidência, mais sintonizada com o desejo do povo egípcio.
Grandes caravanas de jovens egípcios já marchamem direção a Gaza. Comeles vai também minha sobrinha mais jovem. Toda a sociedade civil em todo o planeta está mobilizada; já partiram vários barcosem direção a Gaza, civis egípcios, de todo o país, estãoem viagem para Gaza.
No plano mais “oficial”, o governo egípcio já enviou médicos, enfermeiros e remédios, que já chegaram a Gaza. Abdel Moneim Aboul-Fotouh, que é médico e foi candidato a presidência do Egito já partiu para Gaza – como também fez em 2008, durante a “Operação Chumbo Derretido”, muito antes de pensar em concorrer à presidência do Egito. O Sindicato de Médicos Árabes já está organizando o transporte de doações e de médicos voluntários para Gaza.
Israel sempre tentou vender-se à opinião pública ocidental como se fosse a única democracia, num mar de fanáticos. A Primavera Árabe desmentiu e destruiu essa narrativa, talvez para sempre. Então os políticos israelenses passaram a trabalhar a favor de uma guerra contra o Irã. E, enquanto esperam, entraram num frenesi de assassinatosem massa em Gaza.
Se Israel queria instigar violência crescente contra o próprio governo, não poderia ter encontrado meio mais garantido do que assassinar Ahmed al-Jaabari, comandante do Hamás que, pelos últimos cinco anos, trabalhou para impedir ataques contra Israel.
Assassinado o comandante Jaabari, imediatamente recomeçaram os ataques, exatamente o que se vê agora.
Assim, Israel supõe que possa sequestrar a narrativa da Primavera Árabe e fazer andar para trás o relógio da história. Israel quer voltar ao tempo em que ainda havia quem acreditasse em “terroristas islamistas versus israelenses civilizados”. Simultaneamente, desviam o foco do morticínio na Síria e, claro, ganham pontos para a política de linha duríssima de Benyamin Netanyahu e Ehud Barak, em período de campanha eleitoral, em população anestesiada pela propaganda.
De fato, a única coisa que conseguiram foi expor ao mundo a prova definitiva de que Israel é uma democracia em que os políticos podem ordenar o assassinato de crianças, para vencer eleições. Sempre crianças palestinas, é claro.
Os cidadãos do mundo já não se deixam enganar. Na 5ª-feira começaram protestos em todo o mundoem defesa de Gaza. Continuamna 6ª-feira e no sábado. E isso é apenas o começo.
Em todos os países árabes nos quais a população levantou-se para exigir respeito aos seus direitos, as multidões voltam às ruas para exigir respeito também aos direitos dos palestinos.
A Tunísia já informou que seu ministro de Relações Exteriores já estáem Gaza. Na Jordânia, hoje, centenas de milhares estão nas ruas e, ali também, ao mesmo tempo em que exigem o fim da monarquia jordaniana, exigem justiça para o povo palestino. Há protestos na Líbia. Do Egito já partiram várias caravanas e outras preparam-se para partir para Rafah e, dali, para Gaza.
Essas multidões em movimento carregam a verdadeira representação popular e manifestam o desejo dos povos da região. Daqui em diante, os governos terão de trilhar o caminho que está sendo aberto, hoje, pelos homens e mulheres que caminham rumo a Gaza, para defender Gaza.
* The Guardian, UK
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu.