Garimpeiros de Roraima migram para a TI Yanomami no lado do Amazonas

Lideranças indígenas da região do Alto Rio Negro e de Maturacá querem que o governo Lula tome providências para evitar a entrada de garimpeiros que atuavam no território do lado de Roraima. Na imagem acima, a região de Maturacá na Terra Indígena Yanomami (Foto: Paulo Desana/Amazônia Real).

Por Wérica Lima,  Amazônia Real.

Manaus (AM) – Indígenas Yanomami da região de Maturacá, no norte do estado do Amazonas, cobram do governo de Luiz Inácio Lula da Silva a inclusão desta área nas ações de enfrentamento contra o garimpo ilegal. Lideranças relatam um grande trânsito, identificado desde final de janeiro, de garimpeiros vindos do território Yanomami no lado de Roraima. A região de Maturacá é formada por oito comunidades, localizadas à margem do rio Cauaburis. Segundo o líder Yanomami José Mário Goes, as comunidades mais afetadas por garimpeiros vindos do lado de Roraima são Maturacá (também nome da região) e Ariabú. A população de Yanomami na região de Maturacá é de aproximadamente 10 mil pessoas.

“Se não quiserem incluir o território Yanomami aqui do Amazonas e se avançar muita coisa [do garimpo], será tarde. A gente se manifesta, fica chateado, porque é difícil as autoridades atenderem. Só atendem quando eles veem que as pessoas estão morrendo”, declarou José Mário Goes à Amazônia Real, nesta semana. Ele é presidente da Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca).

Um episódio de ameaça contra outra liderança da Ayrca deixou o clima ainda mais tenso. No dia 3 de fevereiro, um garimpeiro ferido a bala (que não foi identificado) chegou no polo base de saúde da comunidade Maturacá e exigiu dos Yanomami remoção para um hospital. Como não foi atendido, um acompanhante do garimpeiro ameaçou o secretário da associação, Vilmar da Silva Matos.

“Existe o receio por parte das populações Yanomami do estado do Amazonas que diante das ações de impedimento ao garimpo em Roraima possa haver uma migração dos grupos de garimpeiros para outras áreas da TIY que não estão sob fiscalização”, diz trecho de uma denúncia divulgada no dia 9 de fevereiro e enviadas às autoridades federais, assinada pela Ayrca e pela Associação de Mulheres Yanomami Kumirayoma (AMYK).

Segundo José Mário Góes “muita gente [garimpeiros] está entrando no Pico da Neblina” para trabalhar. O Pico da Neblina, o ponto mais alto do Brasil, fica localizado dentro da área Yanomami. “Nós não queremos que aconteça como está acontecendo em Roraima com os nossos irmãos”, afirmou o líder Yanomami.

Marivelton Baré, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), que também endossa a carta dos Yanomami, disse que é urgente que o Ministério dos Povos Indígenas, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério Público Federal estejam alertas para o que está acontecendo no território Yanomami no lado do Amazonas. Além de São Gabriel da Cachoeira, a TI Yanomami também abrange os municípios amazonenses de Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro.

“Essa região do qual a gente está falando já tem uma vulnerabilidade com relação à situação do garimpo, mas que nunca teve muita providência, mas precisa ter. A primeira medida que tem que ser tomada é mandar um patrulhamento e também uma verificação in loco por esses órgãos de controle nessa determinada localidade”, afirma Marivelton.

Conforme registrado na carta de denúncia dos Yanomami, a área já é alvo de longa data de garimpo manual e dá acesso a outros garimpos localizados na parte da Venezuela. Agora, os garimpeiros que estão chegando levam também a automatização do processo, com máquinas e outros equipamentos, aumentando as ameaças e os impactos do garimpo ilegal.

Para José Mário Goes, o cenário deve ser tratado com urgência, pois não é a primeira vez que a retirada de garimpeiros em Roraima acarreta na migração para a região.

“Está querendo acontecer como aconteceu uma vez quando o governo retirou todos os garimpeiros em Roraima e teve invasão em 1994 no Pico da Neblina. É o que nós estamos prevendo, nós aqui do território, que já está se dando início [novamente ao garimpo]”, explica.

“Utilizaram muito mercúrio e a gente vê que os peixes do rio já estão contaminados, por isso que nossos irmãos vivem doente nessa área”, ressalta.

Receio de cooptação de jovens

Atendimento jurídico da Defensoria Pública do Estado (DPE) na região de Maturacá (Foto: Evandro Seixas/DPE-AM)

Isabela Sales, defensora pública do Estado, e que atua na região do Alto Rio Negro, dá razão para a preocupação. “Os indígenas têm uma memória muito viva desse período. Foi um período que de fato por muito pouco essa atividade não se consolidou para uma situação irreversível”.

Além dos fatores apresentados na carta, outros problemas como a cooptação de indígenas para participarem do garimpo já começou. “Eles estão convocando os Yanomami, principalmente os jovens do sexo masculino”, revela Valdemar Lins, membro da Ayrca, à Amazônia Real.

A realidade do garimpo na região, conforme Valdemar, é a mesma que já existia de garimpo ilegal e cooptação de indígenas para trabalhar, mas agora com a chegada constante de mais garimpeiros a atividade começa a se intensificar.

Segundo ele, está havendo uma grande movimentação de garimpeiros em torno de Maturacá e do rio Cauaburis. Outras duas áreas na Venezuela estão sendo tomadas: Serra do Camelo e o rio Parcimônia.

Na calha do rio Cauaburis, existem ainda outras aldeias Yanomami que estão ameaçadas com a migração do garimpo vindo de Roraima: Nazaré, Inambu, Cachoeirinha, Marfi, Ayari  e Maiá.

“Isso é preocupante para nós por conta do excesso [de garimpeiros]. Eles vêm igrando, param na comunidade, eles pagam os próprios yanomami para carregar rancho deles”, conta Valdemar.

Ainda não há uma estimativa oficial da quantidade de garimpeiros que estão chegando, um fator que preocupa os indígenas. “A gente não tem a quantidade de garimpeiros que tem chegado lá ou que está migrando e isso é o que preocupa, porque falam que está chegando cada vez mais e daí esse número pode aumentar, inclusive ali tendo maquinários”, explica Marivelton Baré.

Para a defensora pública do estado, Isabela Sales, a região de Maturacá precisa também de assistência para evitar o estabelecimento de um novo garimpo moderno.

“O momento de se evitar esse estado é esse, a gente entende que a destruição de equipamentos e fiscalização sejam focadas em Roraima, desde que haja também monitoramento da rota de Fuga dos garimpeiros, precisa ser monitorado para que se direcione políticas públicas para essas pessoas que são ponta de cadeia, a gente não pode esquecer que os garimpeiros no final são pessoas pobres também, vulneráveis socialmente que levam a família inteira e acabam sendo absolvidos”, ressalta a defensora.

Ministério diz que prioridade é crise humanitária

Mulher Yanomami alimenta o filho em uma área às margens da BR-174, em Boa Vista (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Procurado pela reportagem, o Ministério dos Povos Indígena indicou que uma atuação na TI Yanomami no lado do Amazonas não faz parte do plano emergencial. Em nota enviada à Amazônia Real, o MPI diz que “reconhece a necessidade de fiscalização e inclusão destes territórios no plano de desintrusão”, mas que neste momento, “diante da grave crise humanitária e sanitária enfrentada pelo povo Yanomami e, a partir da capacidade ainda limitada de recursos, a prioridade segue sendo o esvaziamento e o combate dos garimpos dentro do território indígena Yanomami”.

“Caso sejam identificadas e comprovadas migrações de grupos para atividades ilegais de garimpo e invasões a outros territórios indígenas, o Ministério dos Povos Indígenas irá, imediatamente, acionar as forças policiais para identificação e prisão dos criminosos”, diz a nota.

A Funai e o Ministério Público Federal no Amazonas, que também receberam a carta de denúncia, não responderam às perguntas enviadas até a publicação desta reportagem.

Estado de alerta 

Indígenas Yanomami da região de Maturacá (Foto: Paulo Desana/Amazônia Real)

Um estudo realizado pela Fiocruz em parceria com a Unicef, que analisou 304 crianças menores de cinco anos, provenientes de Auaris (80), Maturacá (118) e Ariabú (106), indica que 81,2% delas tinham baixa estatura para a idade (desnutrição crônica), 48,5% tinham baixo peso para a idade (indicação de desnutrição aguda) e 67,8% estavam anêmicas.

Com os problemas de saúde já existentes, a migração em massa de garimpeiros preocupa a defensora pública Isabela Sales, que trabalha na região do Alto Rio Negro e ressalta o estado de alerta da saúde pública na região de Maturacá.

“Temos um cenário é bastante diferente do de Roraima mas se algumas medidas não forem adotadas em caráter imediato de curto e médio prazo, realmente não vai demorar muito para a  gente ter um cenário parecido porque a gente precisa da presença do estado qualificada, com a presença das instituições fortalecidas, senão a gente realmente não vai ter como evitar o cenário ficar igual de Roraima”, alerta Isabela Sales.

A defensora conta que chegou a ir presencialmente três vezes em Maturacá acompanhar as ações da Defensoria Pública, a última vez em que esteve na região foi em fevereiro de 2023. “Antes da gente ir lá, a gente já tinha evidências de que havia uma situação crítica com múltiplos fatores ali em cadeados, causadores,  então a gente chegou em setembro de 2021 no Rio Negro e desde lá já começou a observar o número de internações de crianças no hospital de São Gabriel da Cachoeira”.

“Chegou ao ponto que a gente tinha internações diárias, remoções diárias. Eram várias crianças vindo da área de Maturacá com remoção aérea. Então, a gente via vários dias com o Hospital das crianças e recebi a informação de que estava chegando mais duas, mais três”, lembra ela ao contar que a situação aconteceu entre o final de 2021 e início de 2022. “A situação é grave desde sempre”, diz.

Isabela Sales, que mora em São Gabriel da Cachoeira, no norte do Amazonas, diz que já se observa um mercado de ouro sendo consolidado no centro da cidade.

“A presença do garimpo é cada vez mais evidente na dinâmica da cidade. Não só nas comunidades, nas cidades também, tanto em São Gabriel da Cachoeira quanto em Santa Isabel do Rio Negro. Esses efeitos são cada vez mais evidentes, não é uma situação aparente que existe por exemplo em Roraima como uma rua do Ouro onde se negocia, não é dessa maneira, mas  sabe-se que existe dinheiro circulando, existe um poder aquisitivo que é financiado pelo garimpo ilegal”, afirma.

Marivelton Baré chega a conclusão de que é uma situação também de alerta, de isso alastrar e cada vez mais garimpeiros chegarem e comprometer toda a situação da vulnerabilidade que já existe.

“A grande preocupação é o impacto ambiental que isso pode deixar e pode alastrar cada vez mais essa chegada pela busca do ouro, porque ali já tem uma vulnerabilidade grande com relação até à saúde indígena por conta dos casos de diarreia, de desnutrição, água contaminada e mais recentemente também o quanto que tem de contaminação por Mercúrio porque ali por exemplo já tem água contaminada”, diz Marivelton.

Dragas, bombas de sucção, mangueiras e motores estacionários utilizados no garimpo (Foto: Rubens Valente/Agência Pública)

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