Por Namisi Silva de Oliveira, para Desacato.info.
No final de outubro, as declarações do futuro ministro da área econômica do governo do presidente eleito Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, geraram surpresa e desconcerto no cenário sul-americano. Durante uma entrevista, o futuro ministro disse que a Argentina e o MERCOSUL “não são prioridade” para a futura gestão brasileira. O economista afirmou ainda que o MERCOSUL é “muito restritivo, que o Brasil ficou prisioneiro de alianças ideológicas e isso é ruim para a economia”.
Ele também afirmou que o bloco, formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, só negociava com quem tinha “inclinações bolivarianas”, mas que isto não ocorreria mais a partir da presidência de Bolsonaro. O texto de hoje foi pensado como uma tentativa de esclarecer algumas das questões levantadas pelo futuro ministro.
A ideia inicial do MERCOSUL surge em 1986, quando os presidentes Raúl Alfonsín, da Argentina, e José Sarney, do Brasil, decidiram seguir adiante com um projeto de integração econômica dos dois países em um mercado comum, aberto a outras nações da América do Sul. Esse primeiro passo foi confirmado em 29 de novembro de 1988 pelo Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, por intermédio do qual os dois países comprometeram-se a formar um espaço econômico comum, no prazo de dez anos.
Este prazo foi então reduzido para cinco anos pelos presidentes Carlos Menem e Fernando Collor de Melo, ou seja, para consumação em 31 de dezembro de 1994, adaptando os objetivos do Tratado de 1988 às políticas de abertura econômica e de reforma alfandegária, de modo a acelerar o ritmo da liberação comercial nos dois países. Uruguai e Paraguai uniram-se, então, à Argentina e ao Brasil, quando da realização do Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, que determinou a constituição do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL).
É importante lembrar do cenário neoliberal sul-americano, presente na época em que o bloco foi criado: o Consenso de Washington havia sido recém implementado, dando inicio à um ciclo de privatizações, desemprego e instabilidade econômica para alguns dos países que aplicaram suas sugestões por completo.
Inicialmente, o bloco foi considerado prioridade dentro da agenda externa brasileira durante a maior parte do governo de Fernando Henrique Cardoso. Brasil e Argentina estabeleceram uma aproximação bilateral importante na área de segurança, comprometendo- se como bloco através da Declaração do MERCOSUL como Zona de Paz e livre de armas de destruição em massa.
Saraiva (2013) argumenta que, no campo das ideias, as visões e expectativas sobre o desempenho do MERCOSUL foram diversas desde o seu princípio, sendo que muitas delas não foram realizadas ao longo de todo o seu processo. A autora considera o período de 1990 a 1999 como sendo o período de construção do bloco econômico-comercial e do reforço da consolidação do seu caráter democrático. Enquanto isso, o êxito da integração na dimensão comercial, não se viu refletida na área de articulação de políticas macroeconômicas.
O MERCOSUL aparece, desde a instauração da Tarifa Externa Comum, como um sucesso na área comercial. Esse mesmo sucesso é benéfico, em especial para o Brasil:
A chegada de novas lideranças e a renovação da política doméstica da América do Sul marca também uma reformulação do processo de integração, colocando pautas políticas e sociais no hall das prioridades. Outro assunto de extrema importância no âmbito do MERCOSUL é a busca por um alinhamento econômico e monetário. É possível apresentar certo grau de evolução em questões relativas ao desenvolvimento do programa de desgravação tarifária, a definição e implementação da Tarifa Externa Comum (TEC), e a aprovação da estrutura institucional responsável pela coordenação do processo de integração. Ainda, merecem atenção duas questões desenvolvidas ao longo de seu funcionamento: a expansão das relações comerciais sub-região e intrabloco com a Comunidade Andina (CAN) e União Europeia (UE), além de certa mudança de atitude dos empresários da região, que passaram a incluir em suas agendas o mercado comum (ARESTIS et al., 2003).
O processo de integração econômica da América do Sul apareceu como pressuposto imprescindível para que os países da região alcançassem níveis seguros de estabilização econômica por meio de crescimento econômico robusto e sustentável, inflação sob controle e equilíbrios fiscal e externo, consolidando as relações comerciais e financeiras entre os países.
Além disso, problemas macroeconômicos enfrentados por boa parte dos Estados sul-americanos fizeram crer que, mesmo no longo prazo, seria difícil alcançar um mínimo de convergência em âmbito econômico e monetário. Seria necessário, no mínimo, um consenso em termos de uma agenda econômica e política (ARESTIS et al., 2003).
No entanto, é importante pontuar que entre as diversas áreas elencadas como prioridades por estas novas iniciativas regionais, se nota um avanço nos últimos tempos particularmente em dois aspectos: na cooperação financeira, com a criação de importantes instituições, tais como o Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL (2004), o Banco do Sul (2007) e o Sistema de Pagamentos em Moeda Local entre Brasil e Argentina (2008), e, principalmente, na integração física e energética da Região, com a forte participação do governo brasileiro e mais particularmente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no financiamento de grandes obras de infraestrutura na América do Sul (ARAUJO; FERRARI FILHO, 2015).
Em 2016, o MERCOSUL representou mais de 10% do total das exportações brasileiras, tal porcentagem alcançou o valor de U$ 20,18 bi. A Argentina (7,1%) aparece como terceiro parceiro comercial brasileiro, ficando atrás de China (19%) e Estados Unidos (12%) (OEC, 2018). Além disso, boa parte dos produtos exportados aos países-membros são produtos com alto valor agregado, garantindo o desenvolvimento doméstico e da região sul-americana como um todo.
O MERCOSUL continua sendo, um bloco econômico. Os avanços sul-americanos feitos na esfera dos Direitos Humanos e Políticas Públicas, nunca prejudicou a esfera econômica e comercial de seus países-membros. No entanto, as promessas de desligamento dos compromissos de meio ambiente e direitos humanos, propostas amplamente divulgadas pelo futuro governo, o que se pode prever é uma União Europeia negando-se a comercializar com o Brasil e o MERCOSUL.
O MERCOSUL é um projeto que conseguiu, a trancos e barrancos, transformar-se em uma política de Estado, atravessando governos e fortes figuras dos governos passados. Mesmo com o baixo incentivo governamental para melhorar suas estruturas e financiar uma projeto regional autônomo e potente, o MERCOSUL segue sendo relevante em diferentes esferas do universo governamental. Abandoná-lo a sua própria sorte, um projeto que se sustenta há mais de 20 anos, seria extremamente leviano e irresponsável, enfraquecendo ainda mais a presença brasileira no cenário sul-americano.
ARAUJO, Luiz Zanella; Filho, Fernando Ferrari. O processo de integração na América do Sul: da ALALC à UNASUL. Ensayos de Economia. n.46. enero-junio de 2015. Disponível em: < http://www.ppge.ufrgs.br/ferrari/papers/processo_integra%C3%A7%C3%A3o.pdf >.
ARESTIS, Philip; FILHO; Fernando Ferrari; PAULA, Luiz Fernando de; SAWYER, Malcolm. O euro e a UME: lições para o Mercosul. Economia e Sociedade. Campinas, v. 12,
- 1. p. 1-24, jan./jun. 2003. Disponível em: <http://www.ppge.ufrgs.br/ferrari/papers/O_euro_e_a_UME.pdf >
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O Brasil e a América do Sul. IN: ALTEMANI, Henrique e LESSA, Antônio. (orgs) Relações Internacionais do Brasil: Temas e agendas. São Paulo: Saraiva, 2006
ILEA, MERCOSUL – 20 anos. Disponível em: < http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2598:catid=28&Itemid=23>
The Observatory of Economic Complexity (OEC), disponível em: < https://atlas.media.mit.edu/pt/profile/country/bra/>
SARAIVA, Miriam. Encontros e desencontros: perspectivas de uma parceria estratégica. In:
Lessa e Altemani, Parcerias estratégicas do Brasil. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013.
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Namisi Silva de Oliveira é Mestre em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS, bacharel em Relações Internacionais. Faz parte do Movimento Economia Pró-Gente.
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