Por Igor Carvalho.
Em São Paulo (SP), agências funerárias estão oferecendo o serviço de higienização e maquiagem de pessoas que morreram com suspeita de coronavírus, expondo seus trabalhadores a risco de infecção. A medida contraria as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde. Ambas divulgaram notas técnicas recomendando que o manuseio dos corpos seja mínimo.
O Brasil de Fato entrou em contato com quatro agências funerárias privadas e duas da Prefeitura de São Paulo, pedindo o serviço de limpeza e maquiagem para uma pessoa que teria morrido com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e que seria, portanto, uma suspeita de coronavírus.
As duas agências públicas recusaram o pedido, alegando que a recomendação da prefeitura paulistana é para que os trabalhadores não tenham contato com os cadáveres, somente no momento do transporte e envelopamento do corpo. O mesmo procedimento foi adotado por apenas uma das empresas privadas.
Porém, outras três agências funerárias mantiveram a oferta do serviço de higienização e maquiagem dos corpos, mesmo após serem informadas que havia suspeita de coronavírus para o óbito. A única observação feita pelas empresas é que a possibilidade de velório estaria vedada.
Em uma das agências, perguntamos se a vítima, que morreu com suspeita de coronavírus, poderia receber todos os serviços oferecidos, inclusive higienização do corpo e maquiagem. “Sim, todo o atendimento. Porém o sepultamento é direto, sem velório. Parcelamos em 5 vezes no cartão”, informa o atendente da empresa, que cobrou R$ 6.500 pelo pacote.
Em outra agência, o funcionário reluta e insiste na pergunta sobre a possibilidade de ser coronavírus. A reportagem informa que o motivo da morte é Síndrome Respiratória Aguda Grave. “É suspeita de covid-19 né?”. Mesmo após receber a confirmação, ele topa vender o pacote completo. “Ok, o senhor vai gastar com o funeral, que seria: caixão, remoção, higienização do corpo, fundo impermeável e flores dentro do caixão. R$ 5.700.”
A terceira agência também pediu a foto da declaração de óbito. Mais uma vez, a reportagem negou, mas foi informado que o motivo da morte era Síndrome Respiratória Aguda Grave. “Sim, suspeita”, responde o funcionário. “E como fica? Vocês transportam e fazem a limpeza?”, pergunta a reportagem do Brasil de Fato. “Fazemos”, encerra o representante, para, em seguida, informar que seria cobrado R$ 4.500 pelo serviço.
Recomendações sanitárias
O Ministério da Saúde divulgou um documento chamado “Manejo de corpos no contexto do novo coronavírus”, em que especifica as condições em que os cadáveres devem ser tratados, para evitar a contaminação dos trabalhadores envolvidos no processo.
“Não é recomendável realizar a tanatopraxia [embalsamento do corpo, que envolve, também higienização do corpo e maquiagem]. Quando possível, a embalagem do corpo deve seguir três camadas: enrolar o corpo com lençóis; Colocar o corpo em saco impermeável próprio (esse deve impedir que haja vazamento de fluídos corpóreos); e colocar o corpo em um segundo saco (externo) e desinfetar com álcool a 70%, solução clorada 0,5% a 1% ou outro saneante regularizado pela Anvisa, compatível com o material do saco”, determina o ministério.
A OMS também divulgou um documento com recomendações para enterro de pessoas que morreram em decorrência do coronavírus. “Limitem o manuseio e movimentação do cadáver ao mínimo possível. Os requisitos de EPIs [Equipamentos de Proteção Individual] para a equipe de transporte incluem luvas e uniforme/avental”, definiu o órgão mundial.
Empresas ilegais
Em nota, o Serviço Funerário da Prefeitura de São Paulo informou que “segue as todas as recomendações do Ministério da Saúde. Os munícipes têm sido instruídos a não realizar velório. Caso queiram realizá-lo, são informados de que o acesso às salas está restrito a até 10 pessoas, com 1 hora de duração e em urna fechada. Para casos suspeitos ou confirmados de COVID-19, há salas de velório específicas em cada necrópole. Os velórios noturnos foram suspensos. Esta medida está de acordo com o decreto municipal nº 59.283/20, que estabelece situação de emergência na capital. Vale lembrar que o limite de tempo e pessoas no velório vale para todos os casos de falecimento, para evitar aglomerações.”
A Lei Municipal 8.383, de 1979, determina que o transporte e sepultamento são de exclusividade da Prefeitura paulistana. As empresas privadas que insistirem em atuar no setor podem ser fechadas. “Porém, clínicas de tanatopraxia são privadas e fica a cargo dos munícipes contratá-las. Essa é uma atividade regulamentada e cabe às subprefeituras a fiscalização do auto de licença de funcionamento dessas empresas, e aos órgãos de saúde, a fiscalização sanitária”, explica o Serviço Funerário.
Pelo decreto de lei 2.848, de 1940, a pessoa que “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa” pode sofrer pena de detenção, de um mês a um ano, e multa.
Edição: Rodrigo Chagas.