Por Elaine Tavares.
UMA LUTA INCONCLUSA.
A lei 12.349, publicada em Diário Oficial no dia 15 de dezembro de 2010, traz significativas mudanças na relação da Universidade com as fundações de apoio que desde há tempos invadiram os campi e trouxeram para o espaço público práticas e vícios do mundo empresarial. Esta relação, complicada e desagregadora, já foi foco de graves denúncias de corrupção e mau uso do dinheiro público, e o governo, em vez de garantir a autonomia das Instituições Federais, preferiu “legalizar” a ação das fundações dentro das universidades. Casos como o da Fundação Zerbini, ligada a USP, com mais de 140 milhões em dívidas, ou o da Finatec, da UNB, acusada de desviar mais de 100 milhões de reais e superfaturar contratos, e ainda o da FEESC, da UFSC, que também apresentou uma série de irregularidades chegando a receber intervenção, são emblemáticos e já mostraram o quanto essas entidades podem ser nocivas para a vida universitária. A Associação dos Professores da USP chegou a divulgar publicações inteiras com um completo dossiê de irregularidades acerca das fundações de apoio, mas ao que parece, muito pouco do que foi denunciado chegou a ter um desfecho.
Agora, como se já não bastasse, no apagar das luzes, o governo de Luis Inácio ter editado uma Medida Provisória que cria uma empresa estatal para gerir os Hospitais Universitários, tirando das universidades essa tarefa, o Congresso nacional também garante a aprovação, como lei, do conteúdo de uma outra MP, a 495, editada em julho de 2010. Segundo Ciro Correia, do GT de Fundações da Adusp, essa nova lei que trata das fundações de apoio está eivada de irregularidades e cabe às entidades entrar com uma Ação de Inconstitucionalidade para evitar que estas entidades acabem tomando conta da vida da universidade. “A lei permite, por exemplo, a duplicidade de caixa, o que significa o pontificado do famoso caixa dois. Isso já foi conseguido na Itália e nos Estados Unidos e escancara a porta para a iniciativa privada”. Para quem vem denunciando desde o início da década de 2000 as inúmeras irregularidades que emergem das fundações, a lei igualmente dá margem para novos atos de corrupção.
Outro ponto da lei viabiliza o acúmulo de cargos públicos, o que fere frontalmente o PUCRCE, uma lei de 1987 que rege a vida funcional dos trabalhadores das universidades. “E se as funções que o trabalhador da IFE desenvolver nas fundações estiverem incompatíveis com a atividade pública? Isso configura conflito de interesses. Há legislação que impede esse tipo de coisa”. Além desta questão, Ciro observa que com esta lei o governo está colocando trabalhadores e estrutura da universidade a serviço de interesses privados, a serviço do lucro de alguns, descumprindo assim o caráter público da função de um trabalhador público. Assim, agora, com tudo legalizado, as fundações poderão se apropriar da universidade para seus projetos privados.
A nova lei, além de legalizar aquilo que já era praticado como irregularidade, também amplia as atividades a serem desenvolvidas pelas fundações como a realização de concursos e a chamada de editais de obras, funções que no entender de Ciro Correia, devem continuar a cargo das Instituições. Ou seja, em vez de garantir mais autonomia às universidades, serão as fundações aquelas que terão sob sua responsabilidade os rios de dinheiro que correm das lagoas da iniciativa privada e dos mares do setor público. Dentro das universidades poucas são as vozes que se levantam contra esse processo incontrolável de privatização das instituições. A maioria dos reitores se coloca favorável porque torna legal aquilo que era um nó e motivo de disputa com professores, técnicos e estudantes ligados ao movimento sindical e estudantil.
Conforme lembra Ciro Correia esta lei deve ser observada como o corolário de todo um processo que começou lá com Itamar Franco, passou por FHC e que Luis Inácio conseguiu realizar com um mínimo de oposição. Na alteração de alguns artigos da lei 8.958, agora as fundações acabam com os institutos e outros espaços públicos de discussão e gestão de projetos da universidade. “É o bom e velho discursos anti-republicano que diz ser preciso tornar ágil a gestão pública, para isso sendo necessária a prática privada. Isso é uma farsa e já foi comprovado”, diz Ciro. Na verdade, o governo quer passar para a sociedade a idéia de que o sistema privado é melhor, justamente para continuar se eximindo de financiar a educação.
Agora, cabe às entidades que lutam por uma educação de qualidade e pela universidade autônoma, discutirem a nova lei e buscarem formas de superá-la e vencê-la. É sabido que historicamente, as fundações ditas “de apoio” muito pouco apoio dão às universidades. No mais das vezes se envolvem em escândalos de corrupção. Agora, legalizadas, elas sugarão ainda mais as gentes e os recursos das universidades públicas.
Veja entrevista de Ciro Correia realizada em 26 de janeiro de 2011.