Funcionários de carreira, especialistas em meio ambiente, são substituídos por policiais militares em chefias no ICMBio

Imagem: logo ICMBio/reprodução internet

Enquanto o Brasil enfrenta a pandemia do novo coronavírus, que já deixou quase 190 mil pessoas infectadas e tirou a vida de mais de 13 mil, nos bastidores o governo federal continua enfraquecendo e desmantelando os órgãos de proteção ambiental, o que vem sendo feito desde que Jair Bolsonaro assumiu a presidência e escolheu para ter a seu lado, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Em um decreto assinado por Bolsonaro no Diário Oficial da União em fevereiro, o presidente reduziu o número de cargos de chefia das 334 Unidades de Conservação (UCs) do país sob responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), órgão responsável por administrar as áreas de preservação e assim, proteger a biodiversidade brasileira.

Além de terem sido extintos 42 postos de chefia, também houve uma reestruturação na coordenação das UCs. Até então, havia onze coordenações regionais – dado que algumas regiões do Brasil são muito grandes e merecem mais atenção -, mas o governo Bolsonaro decidiu diminuí-las para cinco.

Detalhe: o decreto garantiu ainda que pessoas que não sejam funcionários públicos, sem experiência alguma em meio ambiente e em ações como monitoramento e fiscalização da biodiversidade, possam comandar essas gerências.

Na terça (12/05), o ministério do Meio Ambiente anunciou finalmente os nomes dos profissionais que assumirão as chefias das cinco coordenações regionais do ICMBio – Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste.

De acordo com reportagem do Jornal Nacional, “nas nomeações, apenas Fabio Menezes de Carvalho, indicado para a gerência Norte, é servidor de carreira. Ronei Alcantara da Fonseca, da gerência do Nordeste, é da reserva do Corpo de Bombeiros e está no ICMBio desde outubro de 2019. Ademar do Nascimento, Centro-Oeste, é policial militar de Mato Grosso. Lideraldo da Silva, Sudeste, é policial militar aposentado. Na região Sul, o cargo ainda está vago”.

Vale lembrar que a ‘militarização’ do ICMBio começou no ano passado. Em maio de 2019, o coronel da Polícia Militar de São Paulo, Homero de Giorge Cerqueira (ex-comandante do Policiamento Ambiental daquele estado), assumiu a presidência do instituto.

Para Angela Kuczach, diretora executiva da Rede Nacional Pró-UC, organização não governamental que trabalha pela preservação e ampliação do conjunto das Unidades de Conservação da Natureza no Brasil, é impossível em um país, de dimensão continental como o nosso, colocar todas as unidades de conservação federais, que representam quase 10% do território nacional, debaixo de cinco gerências regionais, sem aumento de pessoas, técnicos e infraestrutura física.

“Na verdade está se enxugando cada vez mais a máquina, de uma maneira que se coloca em risco cada vez mais o patrimônio natural”, diz.

“O que acontece é uma sucateamento. As coordenações regionais já tinham uma demanda altíssima de trabalho. Agora há um quadro ainda pior, com menos gente, menos recursos e ainda, com profissionais sem qualificação técnica. A questão não é apenas essas pessoas serem policiais militares, mas não terem a capacitação profissional ao longo da vida para esse tipo de trabalho. Você não coloca um professor, por exemplo, em uma sala de cirurgia”, compara Angela.

Sede de fiscalização da Floresta da Tijuca, no Rio, muda para o bairro dos Jardins, em São Paulo

Entre as medidas da nova reestruturação do ICMBio anunciadas pelo governo federal está a transferência da chamada Coordenação Regional 8, responsável por auxiliar a gestão de 35 unidades de conservação federais do Rio de Janeiro, Minas Gerais em São Paulo. Desse total, 20 delas ficam no estado do Rio.

Essa coordenação regional, que sempre teve como sede o bairro da Usina, no pé da Floresta da Tijuca – a maior floresta urbana do mundo -, agora passa a funcionar em um escritório do Ibama, localizado na Alameda Tietê, no bairro dos Jardins, em São Paulo.

Não por acaso, o escritório fica situado a poucas quadras da residência do ministro Ricardo Salles e é de lá que ele tem trabalhado.

A Associação dos Servidores Federais da Área Ambiental no Estado do Rio (Asibama-RJ) protocolou junto ao Ministério Público Federal uma representação com instauração de inquérito civil, por “indícios de possível desvio de finalidade, lesão ao patrimônio público e fragilização da proteção ambiental”.

A entidade alega que a mudança da sede da Coordenação Regional 8 para o Jardins dificultará a fiscalização e também não houve debate com o corpo de servidores da instituição, nem apresentadas justificativas técnicas e financeiras que justifiquem a decisão.

Ameaça ao mico-leão-dourado

Outra entidade que enxerga com muita preocupação as mudanças no ICMBio é a Associação do Mico-Leão-Dourado.

Em suas redes sociais, a organização denunciou a exoneração coletiva dos chefes da Reserva Biológica de Poço das Antas, da Reserva Biológica União e da APA Rio São João/Mico-Leão-Dourado, áreas protegidas estratégicas para o programa de conservação da espécie. Segundo a associação, o ato administrativo foi publicado no diário oficial em 08/05, sem qualquer justificativa relacionada ao desempenho dos profissionais ou sobre a gestão das unidades.

O alerta abaixo foi assinado por Luís Paulo Ferraz, secretário executivo da associação:

“Tais áreas estão localizadas a 80 km da região metropolitana do Rio de Janeiro. Juntas protegem todos os maiores fragmentos remanescentes de Mata Atlântica de baixada, habitat desta espécie unicamente brasileira ameaçada de extinção, além de rica fauna e flora. Protegem também importantes nascentes e cursos d’água essenciais para o abastecimento hídrico regional.

A Associação do Mico-Leão-Dourado, que participa dos conselhos das reservas e compartilha com o ICMBio resultados positivos na conservação da biodiversidade, é testemunha das dificuldades com que as equipes locais desempenham suas funções e da necessidade de fortalecimento da gestão destas áreas. Aguardamos, portanto, uma justificativa do órgão e a abertura de diálogo com a sociedade civil sobre as mudanças administrativas realizadas e o futuro destas unidades de conservação.

Além da pandemia do novo coronavírus, que já afeta diretamente a vida das pessoas e a fiscalização ambiental, as ameaças ao patrimônio biológico são grandes, seja pela ocorrência da febre amarela, seja pelo aumento da caça e o inverno que amplia a vulnerabilidade das florestas aos incêndios. Caso não sejam tomadas medidas urgentes para retomar a gestão destas áreas protegidas, a vida das pessoas, do mico-leão-dourado e de toda a biodiversidade da Mata Atlântica correrão sério risco de degradação irreversível“.

Novas chefias do ICMBio: sem estímulo à fiscalização

O Conexão Planeta conversou com um servidor do ICMBio, que prefere não ter seu nome divulgado, já que teme represálias e desde que Bolsonaro e Salles assumiram o poder, vigora a “lei da mordaça”: aqueles que ousam falar com a imprensa, podem ser demitidos.

Ele também critica a redução no número de coordenações regionais. “Estão juntando várias unidades distantes e em estágios de desenvolvimento diferentes e colocando somente um chefe”, conta.

O servidor afirma que os novos chefes não se mostram interessados em realizar fiscalizações. Na Unidade de Conservação onde ele trabalha, outros dois servidores foram exonerados e não houve novas nomeações para esses postos.

“Uma delas era chefe da área de fiscalização. Desde que ela saiu, nunca mais houve um auto de infração”, revela. Com isso, a pesca e a coleta de caranguejos de uma espécie nativa, ameaçada de extinção, foi feita, irregularmente, sem multa nenhuma, por moradores locais.

Entre os servidores, o ICMBio passou a ser chamado de I’PM’Bio. Seria engraçado se a situação não fosse tão alarmante.

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