O governo Lula (PT) deu início ao processo de desmilitarização das coordenações regionais da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Nos próximos dias, o órgão indigenista pretende exonerar chefes de unidades descentralizadas escolhidos pelo ex-presidente da Funai, o policial federal Marcelo Xavier. Os indicados ainda permanecem no cargo.
Sob Bolsonaro, apenas duas das 39 coordenações da Funai foram chefiadas por servidores, segundo um dossiê da Indigenistas Associados (INA), associação que congrega servidores da Funai. O restante esteve no comando de policiais federais, militares e pessoas sem vínculo prévio com a administração pública.
O Brasil de Fato apurou que lideranças indígenas e servidores de carreira alinhados à nova presidenta da Funai, Joenia Wapichana, sondam nomes para substituir as chefias das unidades.
Indígenas no poder
A regra é priorizar, para as chefias locais, nomeações de indígenas que tenham trajetória reconhecida pelas comunidades, que ficaram apartadas da administração do órgão nos últimos quatro anos. O critério é o mesmo aplicado até agora nos primeiros escalões da política indigenista do novo governo.
Sob o comando de Sonia Guajajara (PSOL), o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas (MPI) terá pelo menos seis indígenas no comando de áreas cruciais, como gestão territorial e promoção de direitos.
Os cargos mais próximos de Sonia Guajajara – chefia de gabinete, assessor especial, e secretaria executiva – também serão ocupados por lideranças com importância nacional no movimento indígena.
Até agora, dois diretores da Funai de confiança de Marcelo Xavier já deixaram os postos: Alcir Amaral Teixeira e Elisabete Ribeiro Alcântara Lopes.
Coordenadores militares protagonizaram escândalos
As coordenações regionais da Funai são as responsáveis por dar capilaridade às diretrizes formuladas pela cúpula do órgão. Além de acolher as demandas dos povos, cada unidade executa a gestão e a proteção das terras indígenas, promove direitos sociais, ordena despesas e formula os planos de trabalho que serão executados ao longo do ano.
No comando das coordenações, militares sem experiência ou comprometimento com a questão indígena protagonizaram escândalos e prejudicaram a interlocução da Funai com as populações indígenas.
Em 2022, o militar inativo da Marinha Jussielson Gonçalves Silva foi exonerado do cargo de coordenador regional em Ribeirão Cascalheira (MT) após ser preso por suspeita de favorecer o arrendamento de uma terra indígena para pecuaristas.
No comando da Funai na Terra Indígena Vale do Javari (AM), o tenente da reserva do Exército Henry Charlles Lima da Silva sugeriu “meter fogo” em indígenas isolados durante uma reunião com servidores e lideranças. Ele foi exonerado em 2021 após o áudio com a declaração ser tornado público.
Perseguição a servidores
Servidores ouvidos pelo Brasil de Fato relataram “alívio” com a mudança no controle das unidades descentralizadas.
Desde 2019, houve crescimento vertiginoso no número de processos administrativos disciplinares (PADs) contra servidores de carreira, procedimento que pode resultar em demissão.
Segundo a INA, o acréscimo nos PADs é fruto de uma rotina de medo e intimidação imposta pelas chefias militares.
Edição: Thalita Pires