Michelle Coelho entrevista Simão Guarani-Kaiowá.
Em junho, no município de Caarapó (MS), indígenas da etnia Guarani Kaiowás da reserva Tey’ikue ocuparam uma região ancestral conhecida pelos indígenas como Toro Paso – reconhecido e delimitado pelo Estado brasileiro. Ali estava a fazenda Yvu, de 490 hectares, onde se produzia soja e gado.
O proprietário convocou fazendeiros da região para retirar os indígenas do local. Dois dias depois, ao menos 70 fazendeiros, acompanhados de pistoleiros mascarados e armados, realizaram uma ação paramilitar contra os cem indígenas acampados, atacando-os com armas de fogo, além de espingardas de calibre 12 com balas de borracha. Deste então, ali se tornou o caldeirão de violência sul-mato-grossense.
Em resposta, os indígenas incendiaram um carro da Polícia Militar, complacente com os ataques dos fazendeiros, e tomaram suas armas. Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai) e outras ONGs locais, que acompanharam o confronto in loco, a violência causou a morte do agente de saúde Clodiode Aquileu e ferimentos em outros cinco indígenas, entre eles uma criança.
Simão Guarani Kaiowá esteve este mês em São Paulo para receber uma homenagem, pelo destaque da luta de seu povo, no lançamento da 17ª edição do livro Direitos Humanos no Brasil, organizado pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. De Olho nos Ruralistas entrevistou a liderança da retomada Kunumi.
De Olho nos Ruralistas – Desde a retomada paira o conflito entre as milícias dos fazendeiros e os indígenas. Que balanço faz das retomadas? O agronegócio está vencendo?
Simão Guarani Kaiowá – Neste momento o conflito está acontecendo em ameaças através da justiça. Queremos a indenização dos fazendeiros e que nossas terras sejam devolvidas pelo processo de demarcação. O agronegócio está cada vez mais organizado com o apoio do governo, mas nós também temos nossa organização que é o Aty Guasu, onde tomamos decisões em conjunto nas assembleias e nos fortalecemos na luta diária.
Mês passado o MPF denunciou 5 fazendeiros e 2 indígenas pelos confrontos que ocorreram na fazenda Kunumi. Como o agronegócio tem atuado em relação ao Judiciário?
Prenderam os fazendeiros acusados e em seguida eles já foram liberados, enquanto isso criminalizam a Kunumi. O Ministério Público Federal, por meio da força tarefa Avá Guarani, apreendeu nas propriedades dos fazendeiros 11 armas e cartuchos de pistola. Para fazer a investigação, a Polícia Federal quer retirar a bala que está no meu coração e de Clodiode, que está enterrado. Para provar que essas balas vieram das armas que foram encontradas. Recentemente retiraram a bala do meu cunhado, Vaudilho, que foi atingido no dia do ataque. Ela foi encaminhada para o Ministério Público Federal. O MPF analisou e afirmou que a bala não é de nenhuma das armas apreendidas. Isso pode impedir a criminalização dos fazendeiros.
Queremos que as investigações continuem até que encontrem os responsáveis. Perdemos nossos parentes e nunca mais teremos eles de volta. A justiça é muito lenta quando se trata da questão indígena. O ataque aconteceu em junho e estamos até agora aguardando uma resposta. E mesmo assim ainda somos tratados como criminosos, somos perseguidos pelo governo do estado e pelo agronegócio.
O que a Funai tem feito para fortalecer a luta indígena?
Não existem condições de depender da Funai. Ela está sucateada. As cestas básicas que recebíamos foram cortadas, o nosso registro (RG) também está paralisado. As sementes que recebíamos não chegam mais. Antes do governo Temer já tinham sido cortados 36% dos recursos, agora aumentou para 43%. Uma das maneiras que encontramos de conseguir sementes foi através de uma parceria com o MST, que nos ofereceram ajuda com sementes orgânicas. No mais, contamos com a Funai apenas para questões burocráticas.
Eurodeputados de seis países e alguns parlamentares visitaram a aldeia Kunumi Vera. O que eles viram?
Uma de nossas lideranças, Eliseu Lopes, esteve na última sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, na Suíça, para denunciar a situação que o nosso povo vive. Os parlamentares europeus e os deputados brasileiros vieram para conhecer o nosso tekoha. Para ver nossa realidade foram até o tekoha Guaivyry, outro território de retomada que aguarda há anos a demarcação. Participaram da assembleia da Aty Guasu e ouviram desabafos de protestos e reivindicações de lideranças de outros tekoha’s do estado, de acampamentos às margens de rodovias e de comunidades despejadas de terras tradicionais, como o caso do tekoha Apyka’i.
O governo brasileiro está dando o caminho do genocídio para o nosso povo, através do marco temporal e do descaso com as demarcações. A questão é que os indígenas que estão em seus tekoha’s há 25 anos não vão sair. Nasceram e vão morrer em suas terras.
Como as pessoas que se solidarizam com a causa podem contribuir? A sociedade brasileira é omissa?
Acredito que algumas pessoas se solidarizam, mas não são muitas. Quem contribui com a nossa luta em grande parte são as que vão até as nossas terras e conhecem de perto a nossa realidade, inclusive nas retomadas. Achamos importante a ida até os territórios porque só assim é possível entender o que se passa no Mato Grosso do Sul. Queremos que as pessoas divulguem e compartilhem nossa luta. Essa é uma forma de nos ajudar e nos fortalecer.
Em junho, a equipe da TV Drone, parceira do De Olho nos Ruralistas, esteve na retomada para colher alguns relatos no local. Confira o vídeo:
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F0nte: De Olho nos Ruralistas.